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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

 Risco de hipocrisia

Sexta-feira, 11 de Setembro de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 38 de 17 de setembro de 2015

«Se encontrássemos uma pessoa que nunca falou mal de outra poderia ser canonizada imediatamente»: foi com uma expressão forte que Francisco advertiu contra a tentação «hipócrita» de apontar o dedo contra os outros. Convidando a ter antes «a coragem de dar o primeiro passo», reconhecendo os próprios erros e debilidades e acusando-se a si mesmo. Foi o conselho espiritual, centrado no perdão e na misericórdia, que o Pontífice sugeriu na missa celebrada na manhã de sexta-feira, porque «a hipocrisia» — acrescentou — é um risco que corremos «todos, começando pelo Papa».

«Nestes dias — frisou Francisco — a liturgia fez-nos reflectir muitas vezes sobre a paz, sobre o trabalho de pacificar e reconciliar de Jesus, e também sobre o nosso dever de fazer o mesmo» ou seja «fazer a paz, a reconciliação». Além disso, prosseguiu o Papa, «a liturgia fez-nos reflectir também sobre o estilo cristão, acima de tudo acerca de duas palavras, palavras que Jesus praticou: perdão e misericórdia». Mas, insistiu Francisco, «devemos realizá-las também nós».

E «assim — prosseguiu — nestes dias, a liturgia levou-nos a pensar nisto, a reflectir sobre este caminho da misericórdia, do perdão, do estilo cristão com aqueles sentimentos de ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade». Com efeito, o estilo cristão consiste em «suportar-nos reciprocamente, uns aos outros»: uma atitude que «leva ao amor, ao perdão, à magnanimidade». Porque «o estilo cristão é magnânimo, é grande».

«O Senhor — explicou o Pontífice — disse-nos depois que, com este espírito grande, há também outra coisa: aquela generosidade, generosidade do perdão, generosidade da misericórdia». E «estimula-nos a ser assim, generosos, a dar: dar tudo de nós, do nosso coração; dar amor, sobretudo». Nesta perspectiva, acrescentou, «fala-nos da “recompensa”: se não julgardes não sereis julgados: se não condenardes não sereis condenados».

Portanto este, afirmou Francisco, «é o resumo do Senhor: perdoai e sereis perdoados; dai e ser-vos-á dado». Mas «o que vos será dado? Uma medida boa, repleta, cheia, transbordante — recordou o Papa — servos-á derramada no regaço, porque com a medida com que medirdes será medido o vosso caminho». Em síntese, «se tiveres uma grande medida de amor, de misericórdia, de generosidade, assim serás julgado; se assim não for, assim serás julgado segundo a tua medida».

Esta «é a síntese do pensamento da liturgia destes dias», observou o Pontífice. Todos nós, comentou, «podemos dizer: “Ah, que bonito. Padre, é bonito, mas como se faz, como se começa isto? E qual é o primeiro passo para ir por este caminho?”».

Encontra-se precisamente na liturgia, é a resposta sugerida pelo Papa, este primeiro passo, quer na primeira leitura quer no Evangelho. E «o primeiro passo é a acusação de si mesmo, a coragem de se acusar a si mesmo, antes de acusar os outros». O apóstolo Paulo, na primeira carta a Timóteo (1, 1-2.12-14), «louva o Senhor porque o elegeu e dá graças porque lhe deu “confiança pondo-me ao seu serviço, a mim que era um blasfemador, um perseguidor e um violento”». Esta, explicou Francisco, «foi misericórdia». Paulo «diz de si mesmo o que era, um blasfemador, mas quem blasfemava era condenado à lapidação, à morte». Por conseguinte, Paulo era um «perseguidor de Jesus Cristo, um violento, um homem que não tinha paz na sua alma nem fazia as pazes com os outros». Mas «hoje Paulo ensina-nos a acusarmo-nos a nós próprios».

No trecho evangélico de Lucas (6, 39-42) «o Senhor, com aquela imagem do cisco que está no olho do teu irmão e da trave que está no teu, ensina-nos o mesmo: irmão, tira primeiro a trave do teu olho, acusa-te primeiro a ti mesmo; e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão». Por conseguinte o «primeiro passo» é: «acusa-te a ti mesmo».

Assim Francisco sugeriu também um exame de consciência «quando nos vêm os pensamentos sobre outras pessoas», como: «Mas repara, este assim, aquele assim, ele faz isto e aquilo...». Precisamente nestes momentos é oportuno perguntar a si mesmo: «E tu, que fazes?, Eu o que faço». Sou justo? Sinto-me o juiz que tira o cisco dos olhos dos outros e os acuso?».

Para estas situações Jesus escolhe a palavra «hipócrita» que, observou o Papa, «usa apenas com os que têm duas caras, duas almas: hipócrita!». O homem e a mulher «que não aprendem a acusar-se a si mesmos tornam-se hipócritas». Todos! Começando pelo Papa: todos!». Com efeito, prosseguiu, «se um de nós não tem a capacidade de se acusar a si mesmo e depois dizer, se for necessário, a quem se devem dizer as coisas acerca dos outros, não é cristão, não entra nesta obra tão boa da reconciliação, da pacificação, da ternura, da bondade, do perdão, da magnanimidade, da misericórdia que Jesus Cristo nos trouxe».

Por isso, afirmou o Pontífice, «se tu não puderes dar este primeiro passo, pede ao Senhor a graça de uma conversão». E «o primeiro passo é precisamente este: sou capaz de me acusar a mim mesmo? E como se faz?». A resposta afinal é «simples, é uma prática simples». Francisco sugeriu este conselho prático: «Quando me vem à mente pensar nos defeitos dos outros, paro: “Ah, e eu?”. Quando sinto vontade de dizer aos outros os defeitos de alguém, paro: “E eu?”».

É preciso ter também «a coragem que teve Paulo» quando escreveu de si a Timóteo: «Eu era um blasfemador, um perseguidor, um violento». Mas, perguntou o Papa, «quantas coisas podemos dizer de nós mesmos?». E então «poupemos os comentários sobre o próximo e façamos comentários sobre nós». E assim daremos deveras «o primeiro passo por este caminho da magnanimidade». Porque quem «sabe ver unicamente o cisco no olho do outro, acaba na mesquinhez: uma alma mesquinha, cheia de pequenezas, cheia de mexericos».

Antes de prosseguir a celebração, o Pontífice convidou a pedir na oração «ao Senhor a graça — esta é também a coragem de Paulo — de seguir o conselho de Jesus: ser generosos no perdão, ser generosos na misericórdia». A ponto que, concluiu, «para reconhecer a santidade numa pessoa deve ser feito um processo, é preciso um milagre, e depois a Igreja proclama-a santa. Mas se se encontrasse uma pessoa que nunca tivesse falado mal do próximo poderia ser canonizada imediatamente. Seria bom, não?».

 


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