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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

Quanto e como

Segunda-feira, 19 de Outubro de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 43 de 22 de Outubro de 2015

«A cupidez é uma idolatria» que deve ser combatida com a capacidade de compartilhar, de doar e de se doar aos outros. O tema delicado da relação do homem com a riqueza esteve no centro da meditação do Papa Francisco.

Partindo do trecho evangélico de Lucas (12, 23-21) que narra acerca do homem rico preocupado com a acumulação dos rendimentos da colheita, o Pontífice observou que «Jesus insiste contra o apego às riquezas» e «não contra as riquezas em si»: Deus, com efeito, «é rico» — ele mesmo «se apresenta como rico em misericórdia, rico de muitos dons» — mas «o que Jesus condena é precisamente o apego às riquezas». Aliás, «afirma claramente» que é «muito difícil» que um rico, ou seja, um homem apegado às riquezas, entre no reino dos céus.

Um conceito, continuou o Papa, realçado de forma ainda mais forte: «Vós não podeis servir a dois senhores». Neste caso Jesus, frisou o Santo Padre, não põe em contraposição Deus e o diabo mas Deus e as riquezas, porque «o oposto de servir a Deus é servir as riquezas, trabalhar pelas riquezas, para ter mais, para estar seguros». Mas que acontece neste caso? Que as riquezas «se tornam uma segurança» e a religião uma espécie de «agência de seguros: “Eu estou garantido com Deus aqui e asseguro-me com as riquezas aqui”». Mas Jesus é claro: «Isto não é possível».

A este respeito, o Pontífice fez referência também ao trecho evangélico «do jovem tão bom que comoveu Jesus», o jovem rico que foi embora «entristecido» porque não queria deixar tudo para o dar aos pobres. «O apego às riquezas é uma idolatria» comentou o Papa. De facto, estamos perante «dois deuses: Deus, o vivo, o Deus vivo, e este deus de ouro, no qual eu coloco a minha segurança. E isto não é possível».

Também o trecho evangélico proposto pela liturgia «leva a isto: dois irmãos que discutem por causa da herança». Uma circunstância da qual fazemos experiência também hoje: pensemos, disse Francisco, em «quantas famílias conhecemos que se contendem, não se cumprimentam, se odeiam por causa de uma herança». Acontece que «o que mais conta não é o amor da família, o amor dos filhos, dos irmãos, dos pais, não: é o dinheiro. E isto destrói». Todos, está convicto o Papa, «conhecemos pelo menos uma família dividida assim».

Mas a cupidez dá também origem às guerras: «sim, há um ideal, mas por detrás há apenas o dinheiro: o dinheiro dos traficantes de armas, o dinheiro de quantos aproveitam da guerra». E Jesus é claro: «Fazei atenção e mantei-vos distantes da cupidez: é perigosa». A cupidez, com efeito, «dá-nos esta segurança que não é verdadeira e leva-nos, sim, a rezar, — podemos rezar, ir à Igreja — mas também a ter o coração apegado, e no final acaba mal».

Voltando ao exemplo evangélico, o Pontífice traçou o perfil do homem do qual se está a narrar: «Vê-se que era um bom homem, um empresário bem sucedido. O seu campo dava uma colheita abundante, estava sempre cheio de riquezas». Mas em vez de pensar em compartilhá-las com os seus operários e com as suas famílias, raciocinava sobre como acumulá-las. Procurava-as «cada vez mais». Assim «a sede do apego às riquezas nunca acaba. Se tu tiveres o coração apegado à riqueza — quando tens muitas — queres mais. E este é o deus da pessoa que está apegada às riquezas».

Portanto, explicou Francisco, Jesus convida a estar atentos e a manter-se distantes da cupidez. E, não é por acaso, quando «nos explica o caminho da salvação, as bem-aventuranças, a primeira é a pobreza de espírito, ou seja, “não vos apegueis às riquezas”: «bem-aventurados os pobres de espírito», os que «não são apegados» às riquezas. «Talvez as tenham — observou o Papa — mas para o serviço dos outros, para compartilhar, para fazer avançar muita gente».

Alguém, acrescentou, poderia perguntar: «Mas, padre, como se faz? Qual é o sinal que me indica que eu não estou a cometer o pecado da idolatria, que não estou apegado às riquezas?». A resposta é simples, e encontra-se no Evangelho: «desde os primeiros dias da Igreja» há «um sinal: dai esmola». Porém, não é suficiente. Com efeito, se eu der aos que necessitam «é um bom sinal», mas devo também questior-me: «Quanto dou? O que me sobra?». Neste caso «não é um bom sinal». Ou seja, devo dar-me conta ao doar se me privo de algo «que talvez me seja necessário». Naquele caso o meu gesto «significa que é maior o amor a Deus que o apego às riquezas».

Portanto, sintetizou Francisco, «primeira pergunta: «Dou?»; segunda: «Quanto dou?; terceira: «Como dou?», ou seja, comporto-me como Jesus doando «com a carícia do amor ou como quem paga uma taxa?». E entrando mais no pormenor perguntou: «Quando ajudas uma pessoa, olhas directamente para ela? Tocas a sua mão?». Não se deve esquecer, disse o Pontífice, que quem temos à nossa frente «é a carne de Cristo, é teu irmão, é tua irmã. E tu naquele momento és como o Pai que não deixa faltar a comida aos passarinhos do céu».

Portanto, concluiu, «peçamos ao Senhor a graça de estar livres desta idolatria, do apego às riquezas»; peçamos-lhe «a graça de olhar para ele, tão rico de amor e de generosidade, e de misericórdia»; e também a graça «de ajudar os outros com a prática da esmola, mas como ele faz». Alguém poderia dizer: «Mas, padre, ele não se privou de nada...». Na realidade, é a resposta, «Jesus Cristo, sendo igual a Deus, privou-se disto, abaixou-se, aniquilou-se».

 



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