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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Para reconhecer o tempo

Quinta-feira 17 de novembro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 47 de 24 de novembro de 2016

A graça de reconhecer quando Jesus passa, quando «bate à nossa porta», «reconhecer o tempo no qual fomos, somos e seremos visitados». Eis a prece do Papa ao Senhor no final da homilia, para não cair no «drama» da história: «Não reconhecer o amor de Deus». Esta meditação inspirou-se no trecho lucano (19, 41-44) que descreve o pranto de Jesus sobre Jerusalém. «O que sentiu Jesus, no seu coração — perguntou o Papa — neste momento do seu pranto? Por que Jesus chora por Jerusalém?». E a resposta pode ser dada folheando a Bíblia: «Jesus faz memória e recorda toda a história do povo, do seu povo. E recorda a rejeição do seu povo pelo amor do Pai».

Assim «ao coração de Jesus, à memória de Jesus, naquele momento, vinham os textos dos profetas». Como o de Oseias — «Seduzi-la-ei, conduzi-la-ei ao deserto e falarei ao seu coração; torná-la-ei minha esposa» — no qual se encontram «o entusiasmo e a vontade de Deus para o seu povo», o seu «amor». Ou as palavras de Jeremias: «De ti recordo o tempo da tua juventude, o tempo do teu namoro, do teu amor jovem, quando me seguias no deserto. Mas afastaste-te de mim». E também: «O que encontraram os vossos pais para se afastarem de mim?»; «é uma desgraça para vós que os vossos pais se tenham afastado de mim...».

O Pontífice tentou imaginar o fluxo de memória que envolveu Jesus naquele momento e evocou de novo Oseias: «Quando Israel era menino amei-o, mas quanto mais o chamava tanto mais se afastava de mim». Evidenciou-se o «drama do amor de Deus, o afastar-se, a infidelidade do povo». Era «aquilo que Jesus tinha no coração»: por um lado a memória de uma «história de amor», de um «amor “louco” de Deus pelo seu povo, um amor sem medida», e por outro a resposta «egoísta, desmotivada, adúltera, idólatra» do povo.

Há também outro aspeto que emerge do trecho evangélico do dia. De facto, Jesus lamenta-se sobre Jerusalém, «porque — disse — não reconheceste o tempo no qual foste visitada por Deus, pelos patriarcas e pelos profetas». O Pontífice sugeriu que na memória de Jesus havia «a parábola divinatória, de quando o patrão envia um seu empregado a receber o dinheiro: é espancado; e depois outro que é assassinado. No final envia o seu filho e o que diz o povo? “Mas este é o filho! Este tem a herança... Matemo-lo! E a herança será nossa!”». É a explicação do que se entende por «hora da visita», isto é: «Jesus é o filho que vem e não é reconhecido. É rejeitado!». Com efeito, no Evangelho de João lê-se: «Veio até eles mas eles não o aceitaram», «a luz veio e o povo escolheu as trevas». Portanto é isto, explicou Francisco «que faz sofrer o coração de Jesus Cristo, esta história de infidelidade, de não-reconhecimento das carícias de Deus, o amor de Deus, de um Deus apaixonado» que quer a felicidade do homem. Jesus, disse o Papa, «viu naquele momento o que o esperava como Filho. E chorou “porque este povo não reconheceu o tempo no qual foi visitado”».

Neste ponto, a meditação do Pontífice dirigiu-se à vida diária de cada cristão, porque, disse, «este drama não aconteceu só na história e acabou com Jesus. É o drama de todos os dias». Cada um de nós pode perguntar-se: «Reconheço o tempo no qual fui visitado? Deus visita-me?».

Para fazer compreender melhor o conceito, Francisco fez referência à liturgia de terça-feira passada, na qual se falava de «três momentos da visita de Deus: para corrigir; para entrar em diálogo connosco; e para ser convidado à nossa casa». Naquela ocasião emergiu que «Deus, Jesus está diante de nós, e quando quer corrigir-nos diz-nos: “Desperta! Muda de vida! Isto não está bem!”. Depois, quando quer falar connosco, diz: “Bato à porta e chamo. Abre!”». Como quando disse a Zaqueu: «Desce!» para «ser convidado».

E hoje podemos perguntar: «Como está o meu coração diante da visita de Jesus?». E «fazer um exame de consciência: “Estou atento ao que acontece no meu coração? Sinto? Sei ouvir as palavras de Jesus, quando bate à minha porta, quando me diz: “Desperta! Corrige-te!”; ou quando me diz: “Desce, que quero cear contigo”?». É uma pergunta importante porque «cada um de nós pode cair no mesmo pecado do povo de Israel, no mesmo pecado de Jerusalém: não reconhecer o tempo no qual fomos visitados».

Diante de tantas nossas certezas — «Mas estou certo das minhas ideias. Vou à missa, tenho a certeza» — é preciso recordar que «todos os dias o Senhor nos visita, bate à nossa porta». Então, «devemos aprender a reconhecer isto para não acabar na situação tão dolorosa» descrita pelo profeta Oseias: «Quanto mais os amava, mais os chamava, mais se afastavam de mim». Portanto, repetiu o Papa: «Tu fazes todos os dias um exame de consciência sobre isto? Hoje o Senhor visitou-me? Recebi algum convite, alguma inspiração para o seguir mais de perto, para fazer uma obra de caridade, para rezar um pouco mais?», resumindo, para realizar tudo aquilo para o que «o Senhor nos convida todos os dias para se encontrar connosco?». Portanto, o ensinamento que nasce desta meditação é que Jesus «chora não só por Jerusalém, mas por todos nós» e que ele «dá a sua vida, para que reconheçamos a sua visita». Neste sentido, recordou «uma frase muito vigorosa» de Agostinho: «“Sinto medo de Deus, de Jesus, quando passa!” — “Mas porquê?” — “Tenho medo de não o reconhecer!”». Por isso, concluiu, «se tu não estiveres atento ao teu coração, nunca saberás se Jesus te visita ou não».

 



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