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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O grande e os pequeninos

Quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 51 de 22 de dezembro de 2016

A «coragem apostólica de dizer sempre a verdade», o «amor pastoral» para acolher as pessoas «com o pouco que podem dar», a capacidade de «duvidar», de pôr em dúvida a vocação pessoal: nestes dias de Advento, em que a liturgia põe no centro João Batista, são estas as características — que foram do precursor — úteis para que cada pessoa se ponha «nos passos do Senhor».

Na missa o Papa meditou sobre a figura do primo de Jesus, «o grande João», que é grande porque «é o mais pequenino no reino dos céus». E dirigiu um pensamento especial precisamente aos pequeninos na conclusão da homilia quando, falando de uma criança presente na capela com os seus pais, recordou que «quando uma criança chora na missa, não devemos afastá-la» porque «é a melhor pregação», é «a ternura de Deus que nos visita». E no final da missa acrescentou que o choro foi a primeira pregação do Menino Jesus.

Uma atenção aos pequeninos, humildes e simples, que Francisco frisou também ao traçar o perfil de João Batista e, em especial, o seu esmero «de pastor» pelas pessoas à sua frente.

Todos procuravam João, «um homem no deserto», «atraídos pelo seu testemunho». Mas com certas diferenças, realçou o Papa: «Inclusive os fariseus e os doutores da lei iam à sua procura, mas desapegados». O Evangelho frisa que também eles estavam presentes mas, «sem se deixar batizar por ele — ou seja, não ouviam com o coração, só com os ouvidos, para o julgar — tornaram vão o desígnio de Deus sobre eles». Um desapego semelhante ao dos doutores da lei em relação aos profetas: «Não ouviam nem seguiam os profetas».

Citando o Evangelho de Lucas (7, 24-30), o Pontífice recordou que Jesus, aludindo a João, dizia ao povo: «O que fostes ver no deserto? Um espetáculo? Um caniço agitado pelo vento? Um homem com vestes de luxo? Quantos se vestem com ostentação e vivem no luxo estão nos palácios reais»; e «alguns» — comentou — até «nos paços episcopais». Mas aquela multidão procurava um profeta. Na realidade, explicou, «o último dos profetas, o último da multidão que começou a caminhar, desde o nosso pai Abraão até àquele momento». E, a propósito, sugeriu também a leitura do capítulo 11 da carta aos Hebreus. Portanto, trata-se de um profeta, do «último», porque depois dele chega o Messias. E dele Jesus diz: «“Fostes ver um profeta, mais que um profeta”, um grande: “Digo-vos, mais que um profeta. Digo-vos que dos nascidos de mulher não há ninguém maior que João”». Era precisamente «este grande» que atraía o povo.

Um aspeto que o Papa quis aprofundar, perguntando: «Onde estava a grandeza de João para pregar e atrair o povo?». Antes de tudo, respondeu, ela está «na fidelidade à sua missão»: João «era um homem fiel àquilo que o Senhor lhe pedira». Portanto, «grande porque fiel». E esta grandeza, acrescentou, fazia-se notar na sua pregação. Com efeito, João tinha a coragem de dizer «coisas desagradáveis aos fariseus, aos doutores da lei, aos sacerdotes. Não lhes dizia: “Queridos, comportai-vos bem”. Não! Só lhes dizia: “Raça de serpentes”». Com os que «se aproximavam para controlar e ver, nunca com o coração aberto», não usava «matizes», falava diretamente: «Raça de serpentes». Assim, «arriscava a vida, mas era fiel». Agiu do mesmo modo com Herodes, a quem disse «na cara»: «Adúltero, não te é lícito viver assim, adúltero!». Certamente, «se um pároco hoje na homilia dominical dissesse: “Entre vós alguns são uma raça de serpentes, e há muitos adúlteros”», o seu bispo «receberia cartas de protesto: “Mandai embora este pároco que nos insulta!”». Na realidade, João insultava porque era «fiel à sua vocação e à verdade».

De outro tom era a sua atitude em relação às pessoas com as quais «era muito compreensivo». E a quem lhe perguntava: «O que devemos fazer para nos converter?», respondia simplesmente: «Quem tiver alimento, dê a quem não o tem. Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem». Ou seja, frisou, «começava com pouco», comportava-se como um verdadeiro pastor: «grande profeta e pastor». Assim, «aos publicanos, que eram os pecadores públicos, porque exploravam o povo», sugeria simplesmente: «Não peçais mais do que é justo». Começava com «um pequeno passo» e batizava-os. Do mesmo modo, aos soldados recomendava: «Não ameaceis, nem denuncieis ninguém. Contentai-vos com o vosso pagamento, com o vosso salário». Com palavras simples, acrescentou, é preciso prestar atenção a fim de «não entrar no mundo dos subornos», como acontece quando um polícia se deixa corromper e não faz uma multa. Portanto, João «era concreto, mas prudente» e, para batizar «todos esses pecadores», só pedia um «pequeno passo em frente, pois sabia que após este passo o Senhor fazia o resto». E eles «convertiam-se».

Não só. Este «grande profeta», o único ao qual foi dada a graça de anunciar Jesus, este «pastor que entendia a situação do povo e o ajudava a caminhar com o Senhor», embora fosse «grande, forte, certo da sua vocação, tinha também momentos obscuros, duvidava, tinha dúvidas». Lê-se no Evangelho, onde se explica que João «na prisão começou a duvidar». Com efeito, aos olhos de João, Jesus «não era um salvador como ele tinha imaginado. E talvez alguém lhe insinuasse ao ouvido: “Não é ele! Não faz isto, isso, aquilo...”. E no cárcere, angustiado, o grande, certo da sua vocação, duvidou». De resto, disse, «os grandes podem permitir-se duvidar, porque são grandes».

João Batista recebeu uma resposta esclarecedora de Jesus, com as palavras explícitas «que depois repetirá na sinagoga de Nazaré: “Ide e dizei a João o que vistes. Os cegos recuperam a vista, os coxos caminham, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam. Aos pobres é anunciada a boa notícia e feliz é aquele que não encontra em mim motivo de escândalo”».

O que fazia Jesus com os pequeninos, explicou o Papa, «também João o fazia na pregação, com os soldados, com a multidão, com os publicanos». Não obstante, «no cárcere começou a duvidar». E este, frisou, é um aspeto «bonito», ou seja, que «os grandes se podem permitir duvidar». Com efeito, eles «estão certos da vocação, mas cada vez que o Senhor lhes mostra uma nova senda, entram em dúvida». E chegam as perguntas: «Este não é ortodoxo, esse é herege, aquele não é o messias que eu esperava... O diabo age assim, e alguns amigos também ajudam, não?». Esta é «a grandeza de João, um grande, o último desta multidão de crentes que começou com Abraão, aquele que prega a conversão, que não usa meios-termos para condenar os soberbos, que no final da vida se permite duvidar». O Papa concluiu: «Este é um bom programa de vida cristã».

Por isso o Pontífice convidou todos a pedir «a João a graça da coragem apostólica de dizer sempre tudo com verdade»; a «do amor pastoral», ou seja, «de receber as pessoas com o pouco que podem dar, o primeiro passo»; e «inclusive a graça de duvidar». Pois pode acontecer que «no fim da vida», nos perguntemos: «Mas é verdade tudo aquilo em que acreditei, ou são fantasias?»: é «a tentação contra a fé, contra o Senhor». Então, é importante que «o grande João, que é o mais pequenino no reino dos céus e por isso é grande, nos ajude neste caminho nos passos do Senhor».

 



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