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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO MUNDIAL PROMOVIDO
PELA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA COM O TEMA:
"EDUCAR HOJE E AMANHÃ. UMA PAIXÃO QUE SE RENOVA"

Sala Paulo VI
Sábado, 21 de Novembro de 2015

[Multimídia]


 

[Prof. Roberto Zappalà, dirigente escolar do Instituto Gonzaga de Milão]

As instituições educativas católicas estão presentes numa grande diversidade de nações e contextos: nações mais ricas, nações em vias de desenvolvimento, nas cidades, nas zonas rurais, nações de maioria católica e em países nos quais o catolicismo, ao contrário, é minoria. Nesta grande variedade de situações o que, na sua opinião, faz com que uma instituição seja deveras cristã?

[Papa Francisco]

Também nós cristãos somos minoria. E vem-me à mente o que disse um grande pensador: «Educar é introduzir na totalidade da verdade». Não se pode falar de educação católica sem falar de humanidade, porque a identidade católica é precisamente Deus que se fez homem. Ir em frente nas atitudes, nos valores humanos, plenos, abre a porta à semente cristã. Depois vem a fé. Educar cristãmente não é só fazer uma catequese: esta é uma parte. Não é só fazer proselitismo — nunca façais proselitismo nas escolas, nunca! — Educar cristãmente é levar por diante os jovens, as crianças nos valores humanos em todas as realidades, e uma destas realidades é a transcendência. Hoje há a tendência a um neopositivismo, ou seja, a educar para as coisas imanentes, para o valor das coisas imanentes, e isto tanto nos países de tradição cristã como nos países de tradição pagã. O que não significa introduzir os jovens, as crianças na realidade total: falta a transcendência. Para mim, a maior crise da educação, na perspectiva cristã, é este fechamento à transcendência. Somos fechados à transcendência. É preciso preparar os corações para que o Senhor se manifeste, mas na totalidade; ou seja, na totalidade da humanidade que tem também esta dimensão de transcendência. Educar humanamente mas com horizontes abertos. Nenhum tipo de fechamento beneficia a educação.

[Frei Juan Antonio Ojeda, professor da Universidade de Málaga]

Santo Padre, nos seus discursos, Vossa Santidade faz referência à ruptura dos vínculos entre a escola, a família e as outras instituições da sociedade. Vossa Santidade convida-nos com frequência também a promover e a viver pessoalmente uma cultura do encontro. Que significa isto para quantos estão comprometidos na promoção da educação?

[Papa Francisco]

É verdade que não se romperam só os vínculos educativos, mas a educação tornou-se também demasiado selectiva e elitista.. Parece que só os povos e as pessoas com um certo nível ou capacidade têm direito à educação; mas sem dúvida nem todas as crianças e jovens têm direito à educação. Esta é uma realidade mundial que nos faz envergonhar. É uma realidade que nos leva a uma selectividade humana, e que em vez de aproximar os povos, afasta-os; afasta também os ricos dos pobres; afasta uma cultura da outra... Mas isto acontece também em pequeno: o pacto educativo entre a família e a escola, interrompeu-se! Deve-se recomeçar. Também o pacto educativo entre a família e o Estado: interrompeu-se. A não ser que haja um Estado ideológico que quer aproveitar a educação para levar por diante a sua ideologia: como aquelas ditaduras que vimos no século passado. É mau. Entre os trabalhadores mais mal pagos encontram-se os educadores: que significa isto? Significa simplesmente que o Estado não tem interesse. Se tivesse a situação não seria assim. O pacto educativo interrompeu-se. E aqui devemos intervir, procurar novos caminhos.

O testemunho do Senegal, tu... [dirige-se directamente a Frei Juan] disseste: procurar fazer o que fez dom Bosco. Dom Bosco, na época da pior maçonaria do Norte da Itália, procurou uma «educação de emergência». E hoje é necessária uma «educação de emergência», é preciso apostar na «educação informal», porque a educação formal se empobreceu por causa da herança do positivismo. Concebe apenas um tecnicismo intelectualista e a linguagem da mente. E por isso empobreceu-se. É preciso interromper este esquema. E há experiências, como a arte, o desporto... A arte e o desporto educam! É preciso abrir-se a novos horizontes, criar novos modelos... Há tantas experiências: conhecestes a que vós apresentastes, «Scholas occurrentes», que procura precisamente abrir, abrir horizontes a uma educação que não se limite apenas a inculcar conceitos. Há três linguagens: da mente, do coração e das mãos. A educação deve mover-se nestes três caminhos. Ensinar a pensar, ajudar a ouvir bem e acompanhar no fazer, ou seja, que as três linguagens estejam em harmonia; que a criança, o jovem, pense aquilo que sente e faz, sinta aquilo que pensa e faz, e faça aquilo que pensa e sente. E deste modo, a educação torna-se inclusiva porque todos têm um lugar; inclusiva também humanamente. O pacto educativo foi interrompido devido ao fenómeno da exclusão. Encontramos os melhores, os mais selectivos — quer sejam os mais inteligentes, quer os que têm mais dinheiro para pagar a escola ou a melhor universidade — e pomos de lado os outros. O mundo não pode ir em frente com uma educação selectiva, porque não há um pacto social que iguale todos. E este é um desafio: procurar caminhos de educação informal. O da arte, do desporto, muitos... Um grande educador brasileiro — há aqui brasileiros? — um dos vossos dizia que na escola — na escola formal — se devia evitar cair apenas num ensino de conceitos. A verdadeira escola deve ensinar conceitos, hábitos e valores; e quando uma escola não é capaz de fazer isto, esta escola é selectiva e exclusiva e para poucos.

Penso que a situação de um pacto educativo interrompido, como o de hoje, é grave, é grave. Porque leva a seleccionar «super-homens», mas unicamente com o critério da mente e do interesse. Por detrás disto está sempre o fantasma do dinheiro — sempre! — que arruína a verdadeira humanidade. Um aspecto que ajuda é também uma certa e sadia informalidade respeitadora; e isto faz bem, na educação. Porque se confunde formalidade com rigidez. E volto à primeira pergunta: onde há rigidez não há humanismo, e onde não há humanismo, Cristo não pode entrar! As portas estão-lhe fechadas! O drama do fechamento começa nas raízes da rigidez. E o povo quer outra coisa, e quando digo «povo» digo pessoas, todos nós, as famílias... Querem convivência, diálogo — o cardeal Versaldi frisou este aspecto: querem diálogo. Mas quando o pacto educativo está interrompido e há rigidez, não há lugar para o diálogo: eu tenho uma ideia, tu tens outra e não há lugar para uma universalidade e uma fraternidade. Nas duas experiências que eu fiz aqui, no Vaticano, falando, pondo-me em contacto com estudantes dos cinco continentes — foi organizado por «Scholas occurrentes» — vi a necessidade de unidade; e hoje o projecto que é oferecido é precisamente o projecto da separação, não da unidade. Também da selectividade.

«Que significa isto para os agentes comprometidos na promoção da educação?»: assim terminava a pergunta. Significa arriscar. Um educador que não sabe arriscar, não serve para educar. Um pai e uma mãe que não sabem arriscar, não educam bem o filho. Arriscar de modo razoável. Que significa isto? Ensinar a caminhar. Quando tu ensinas uma criança a caminhar, ensinas-lhe que uma perna deve estar firme no pavimento que conhece, e com a outra procurar ir em frente. Assim se escorrega, pode defender-se. Educar é isto. Tu tens a certeza neste ponto, mas isto não é definitivo. Deves dar outro passo. Talvez escorregues, mas levantas-te, e vais em frente... O verdadeiro educador deve ser um mestre de risco, mas de risco razoável, é claro. Como procurei explicar agora. Não sei. Penso que respondi à pergunta...

[Irmã Pina Del Core, presidente da Faculdade de Ciências da educação Auxilium de Roma]

Santo Padre, que desafios se apresentam aos educadores no tempo da «terceira guerra mundial aos pedaços», a fim de não nos fecharmos em nós mesmos mas ser e tornar-nos pacientes construtores de paz? Que encorajamento pretende oferecer a todos os educadores que se dedicam com paixão a uma missão tão delicada?

[Papa Francisco]

Antes de tudo, gostaria de dar um testemunho em relação ao que a Madre-geral da Congregação de Jesus e Maria acabou de dizer. Quando eu era reitor da Universidade, a minha secretária era uma irmã daquela Congregação — ainda vive, a madre Asunción, velhinha — mas esta irmã fazia o trabalho de secretária na universidade, e depois, de tarde, comia algo, e de carro ia à periferia, porque era directora de uma escola de pobres. A secretária de uma universidade, da faculdade de teologia, ia ao encontro dos pobres. Tantas congregações como esta nunca perderam tal ideia. Talvez nalguns momentos tenham frisado mais o trabalho entre as elites da cidade, mas têm a vocação para ir às periferias, onde nasceram... E quantas fundadoras, quantas fundadoras de congregações religiosas nasceram para ajudar as jovens, ou quantos fundadores para ajudar os jovens de rua, os jovens pobres! Falei de dom Bosco... Deu-se a coincidência que a madre estivesse aqui, e gostaria de agradecer publicamente à sua Congregação e a todas as congregações, masculinas e femininas, que nunca esqueceram as ruas de periferia!

Alguém pode dizer: «Mas não devemos formar dirigentes! Nós temos que formar pessoas que pensem, que façam... Isto é verdade, deve ser feito. Mas quando fui ao Paraguai, a uma escola de periferia tinham feito um encontro de alguns dias, os jovens, não diria jovens de rua, mas de periferia, pobres, sem o essencial; e estes jovens, rapazes e moças entre 14 e 16 anos, escolheram falar sobre alguns temas, alguns temas fortes. E eu ouvi o debate entre eles, e as suas conclusões sobre um dos temas: a gravidez de adolescentes. E pensei: como podem eles, que vivem nestas condições, nas margens de um rio que vai e vem [muitas vezes transborda], que têm pouco de comer, pensar assim? Porque tiveram um método e um educador, ou uma educadora que os guiou pela mão. Ninguém, ninguém pode ser excluído da possibilidade de receber valores, ninguém! E por isso, eis o primeiro desafio que vos digo: deixai os lugares onde há muitos educadores e ide às periferias. Procurai ali. Ou pelo menos, deixai metade deles! Procurai lá os necessitados, os pobres. E eles têm uma coisa que os jovens dos bairros mais ricos não possuem — não por culpa deles, mas porque é uma realidade sociológica: têm a experiência da sobrevivência, também da crueldade, da fome, das injustiças. Têm uma humanidade ferida. E penso que a nossa salvação vem das feridas de um homem ferido na cruz. Daquelas feridas, eles obtêm sabedoria, se houver um bom educador que os leve em frente. Não se trata de ir lá fazer beneficência, ensinar a ler, dar de comer..., não! Isto é necessário, mas é provisório. É o primeiro passo. O desafio — e eu encorajo-vos — é ir lá para os fazer crescer em humanidade, em inteligência, em valores, em hábitos, para que possam ir em frente e levar aos outros experiências que não conhecem.

Nesta mesma sala, há quinze dias — penso — recebemos, como hoje, 7.000 ciganos, de toda a Europa. Rom. E a apresentação foi feita por um que cresceu num bairro rom e agora é um parlamentar eslovaco. E pode levar uma experiência diversa aos que não conhecem as periferias. E as realidades compreendem-se melhor a partir das periferias que do centro, porque no centro se está sempre protegido, no centro é-se sempre defendido...

Pacto educativo interrompido, selectividade, exclusão, herança de um positivismo selectivo: devem-se resolver estas coisas. E ir em frente, ir em frente com este desafio. A uma congregação de irmãs com uma vocação especial na Argentina, para o Sul da Argentina, para a Patagónia, disse: «Por favor, fechar metade dos colégios da capital, de Buenos Aires, e enviai para lá as irmãs, para aquela periferia da Pátria»; porque de lá virão os novos contributos, os novos valores, e virão também as pessoas capazes de renovar o mundo. Ir à periferia. Mas pretendo frisar isto: ir à periferia não é só fazer beneficência. Na educação, é levar pela mão pelo caminho até onde podem. Aos Salesianos, em Turim, disse: «Fazei o que fez Dom Bosco, naquele tempo, em que havia tantas crianças de rua, tantas. Educação de emergência. Educação variegada».

Outro aspecto, porque na pergunta a irmã questionava acerca «dos desafios que se abrem aos educadores no tempo da “terceira guerra mundial aos pedaços”». Qual é a maior tentação das guerras, neste momento? Os muros. Defender-se, os muros. A maior falência que um educador pode sofrer, é educar «dentro dos muros». Educar dentro dos muros: muros de uma cultura selectiva, muros de uma cultura de segurança, muros de uma camada social abastada e que não vai além.

Desejo terminar convidando, precisamente sobre esta questão, os educadores e as educadoras a reconsiderar — é uma tarefa para fazer em casa, em comunidade! — a reconsiderar as obras de misericórdia, as 14 obras de misericórdia; reconsiderar como as pôr em prática na educação. Eu não vos pediria para levantar a mão, aqueles que as conhecem bem, de cor, não. Fiz isto uma vez nesta sala: estava cheia... E só uns vinte levantaram a mão... Mas reflecti: neste ano da Misericórdia, misericórdia é apenas dar esmola, ou na educação, como posso eu fazer obras de misericórdia? Ou seja, são as obras do Amor do Pai; a primeira palavra proferida pelo cardeal Versaldi: as obras do Amor. Como posso fazer para que este Amor do Pai, que é ressaltado especialmente neste Ano da Misericórdia, chegue às nossas obras educativas?

E agradeço-vos tanto, educadores e educadoras — mal pagos — agradeço-vos o que fazeis. Devemos educar de novo tantas civilizações. Devemos reeducar a Europa. O reitor jesuíta de um colégio dizia-me quanto lhe custa mudar de mentalidade, para reeducar pelo caminho que a Igreja quer hoje. E assim podem-se alcançar também os que não crêem. E desejo agradecer também a um educador que se tornou educador através do caminho do direito canónico — não sei como se pode, mas ele conseguiu — o cardeal Grocholewski. Ele está aqui. E ele é um exemplo que responde à primeira pergunta: ele fez acordos com universidades de todo o mundo, católicas e não católicas. Porquê? Porque a paixão da educação leva a isto: a «humanizar» o povo. E também a ele, digo publicamente: Obrigado, Eminência.

Não sei como continua o programa... Acabou? Muito obrigado pelo vosso trabalho. E desejo-vos bom almoço.

E agora rezemos juntos a Nossa Senhora: Ave Maria...

[Bênção]

 



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