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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

Cristãos? Sim, mas...

Terça-feira, 24 de Março de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 13 de 26 de Março de 2015 

Quantos se dizem cristãos mas não aceitam «o estilo» com o qual Deus nos quer salvar? O Papa Francisco definiu-os «cristãos sim, mas...», incapazes de compreender que a salvação passa pela cruz. E Jesus na cruz — explicou o Pontífice — é precisamente o «núcleo da mensagem da liturgia de hoje».

No trecho evangélico de João (8, 21-30), Jesus diz: «Quando elevardes o Filho do homem...» e, prenunciando a sua morte na cruz, recorda a serpente de bronze que Moisés elevou «para curar os israelitas no deserto», sobre a qual se lê na primeira leitura tirada do livro dos Números (21, 4-9). O povo de Deus escravo no Egipto foi libertado: «Eles viram verdadeiramente milagres. E quando sentiram medo, no momento da perseguição do faraó, quando estavam diante do Mar Vermelho, viram o milagre» que Deus realizou para eles. Portanto, o «caminho da libertação» começou na alegria. Os israelitas «estavam contentes» porque «tinham sido libertados da escravidão», contentes porque «traziam consigo a promessa de uma terra muito boa, só para eles» e porque «nenhum deles tinha morrido» na primeira parte da viagem. Também as mulheres estavam contentes porque tinham consigo «as jóias das egípcias».

Mas a um certo ponto no momento em que «se prolongava o caminho», o povo já não suportou a viagem e «cansou-se». Por isso começou a falar «contra Deus e contra Moisés: por que nos fizestes sair do Egipto para nos fazer morrer neste deserto?». Começou a «falar mal de Deus e de Moisés», dizendo: «Aqui não há pão nem água e estamos enjoados desta comida tão leve, o maná». Isto é, os israelitas «sentiam-se enjoados da ajuda de Deus, de um dom de Deus. E assim a alegria do início da libertação torna-se tristeza, murmuração».

Provavelmente preferiam «um mago que com uma varinha mágica» os libertasse e não um Deus que os fazia caminhar e que «de certo modo» os fazia «ganhar a salvação» ou «pelo menos merecê-la em parte».

Na Escritura vê-se «um povo descontente» e, frisou Francisco, «a maledicência é uma saída deste descontentamento». Na sua insatisfação «desabafam, mas não se dão conta de que com este comportamento envenenam a alma». Portanto, eis a chegada das serpentes, porque «assim, como as serpentes com o seu veneno, neste momento, o povo estava com a alma envenenada».

Também Jesus fala sobre a mesma atitude, deste «modo de estar descontente, insatisfeito». Referindo-se a excertos do Evangelho de Mateus (11, 17) e de Lucas (7, 32), o Pontífice evidenciou: «Jesus, quando fala desta atitude diz: “Mas quem vos compreende? Sois como os jovens na praça: tocámos músicas e não dançastes; entoámos cânticos de lamento e não chorastes. Mas nada vos satisfaz?”». Isto é, o problema «não era a salvação, a libertação», porque «todos queriam isto»; mas era «o estilo de Deus: não apreciavam o som de Deus para dançar; nem os lamentos de Deus para chorar». Então «o que queriam?». Queriam, explicou o Papa, agir «segundo o seu pensamento, escolher o próprio caminho de salvação». Mas aquela estrada «não levava para lugar algum».

Uma atitude que encontramos ainda hoje. Também «entre os cristãos», perguntou Francisco, quantos estão «envenenados» por este descontentamento? Ouvimos dizer: «Sim, é verdade, Deus é bom, mas cristãos sim, contudo...». São aqueles, explicou, «que não completam a abertura do coração à salvação de Deus» e «exigem condições»; os que dizem: «Sim, sim, sim, quero ser salvo, mas por este caminho». É deste modo que o «coração fica envenenado». O coração dos «cristãos tíbios» que têm sempre algo do qual se lamentar. «”Senhor, mas por que me fizeste isto?” — “Mas salvou-te, abriu-te a porta, perdoou-te muitos pecados” — “Sim, é verdade, mas...”». Assim o israelita no deserto: «Gostaria de água, pão, que é o que aprecio, não este alimento leve. Estou enjoado». E também nós «muitas vezes dizemos que estamos enjoados do estilo divino».

Francisco frisou: «Não aceitar o dom de Deus com o seu estilo é pecado; é veneno; isto envenena-nos a alma, tira-nos a alegria, não nos deixa caminhar».

E «como resolve isto o Senhor? Com o mesmo veneno, com o mesmo pecado»: isto é «ele próprio assumiu sobre si o veneno, o pecado e foi elevado». Deste modo cura «esta tibieza da alma, este ser cristão pela metade», este ser «cristão sim, mas...». A cura, explicou o Papa, só acontece se «olharmos para a cruz», olhando para Deus que assume os nossos pecados: «o meu pecado está ali». Mas «quantos cristãos morrem no deserto da própria tristeza, da murmuração, do não querer o estilo de Deus». Esta é a reflexão para cada cristão: enquanto Deus «nos salva e mostra como nos salva», eu «não sou capaz de tolerar um pouco uma estrada de que não gosto». É «este o egoísmo que Jesus repreende à sua geração», que dizia de João Baptista: «Mas, era um endemoninhado». Quando veio o Filho do homem definiram-no um «glutão» e um «bêbado». «Quem vos compreende?», disse o Papa, acrescentando: «Também eu, com os meus caprichos espirituais diante da salvação que me oferece Deus, quem me entende?»

Eis então o convite aos fiéis: «Olhemos para a serpente, o veneno no corpo de Cristo, o veneno de todos os pecados do mundo e peçamos a graça de aceitar os momentos difíceis; de aceitar o estilo divino de salvação; de aceitar também este alimento tão leve do qual se lamentavam os judeus»: a graça de «aceitar os caminhos pelos quais o Senhor me conduz». Francisco concluiu desejando que a Semana santa «nos ajude a sair desta tentação de sermos “cristãos sim, mas...”».

 



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