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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Derrota e vitória

Quinta-feira, 14 de Janeiro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 03 de 21 de Janeiro de 2016  

A força da oração do homem de fé esteve no centro da homilia do Papa, o qual comparou a primeira leitura com o evangelho da liturgia do dia, observando que nestes textos se fala «de uma vitória e de uma derrota». No trecho tirado do primeiro livro de Samuel (4, 1-11) lê-se como o povo de Deus «foi derrotado na batalha, na guerra contra os Filisteus» enquanto no Evangelho de Marcos (1, 40-45) se narra, ao contrário, a vitória sobre a doença do leproso que confia em Jesus. Dois êxitos opostos, devidos à diferença de fé dos protagonistas.

Francisco começou meditando sobre os eventos que levaram ao desastre para Israel, que «foi derrotado, fugindo cada um para a sua tenda. Houve um massacre espantoso, tendo caído trinta mil homens de Israel. Trinta mil! Apoderaram-se da arca de Deus e pereceram os dois filhos de Heli, Ofni e Fineias». Ou seja, o povo «perdeu tudo, até a sua dignidade...». Ma por que, perguntou o Papa, «aconteceu isto?». O Senhor estava sempre com o seu povo: «O que levou a esta derrota?». O facto é, explicou, que o povo «passo a passo, lentamente, se tinha afastado do Senhor; vivia mundanamente» e chegou a construir ídolos para si. É verdade que os israelitas iam ao santuário de Silo, mas faziam-no «de um modo um pouco... como se fosse um hábito cultural: tinham perdido a relação filial com Deus». Eis, portanto, o ponto central: «já não adoravam a Deus». Por isso, «o Senhor deixou-os sozinhos». Afastaram-se e Deus permitiu que o fizessem.

Mas não é tudo. Com efeito, o Pontífice continuou a análise do comportamento dos israelitas. Quando perderam a primeira batalha, «os anciãos interrogaram-se: “Por que permitiu hoje o Senhor que os filisteus nos derrotassem? Resgatemos a arca da aliança!”». Naquele momento de dificuldade, ou seja, «recordaram-se do Senhor», mas mais uma vez sem uma fé verdadeira. Com efeito, reiterou o Papa, «foram resgatar a arca da aliança como se fosse algo — perdoai-me a palavra — um pouco “mágico”». Diziam: «Resgatemos a arca, porque ela nos salvará!». Mas na arca — frisou Francisco — «havia a lei», a lei «que eles não observavam e da qual se tinham afastado». Tudo isto significa que «já não havia uma relação pessoal com o Senhor: esqueceram-se do Deus que os tinha salvo».

Assim aconteceu que os israelitas resgataram a arca e que os filisteus primeiro se assustaram mas depois disseram: «Mas não! Somos homens, vamos em frente!». E venceram. O massacre — comentou o Papa — «foi total: trinta mil homens! E além disso, os filisteus apoderaram-se da arca de Deus; pereceram os dois filhos de Heli, aqueles sacerdotes criminosos que exploravam o povo no santuário de Silo, Ofni e Fineias». Um balanço desastroso: «O povo sem soldados, sem jovens, sem Deus, sem sacerdotes. Uma derrota total!».

O salmo responsorial (tirado do Sl 43) frisa a reacção do povo quando compreende o que aconteceu: «Senhor, rejeitaste-nos e cobriste-nos de vergonha». O salmista reza: «Desperta, acorda, não nos rejeites para sempre! Por que escondes o teu rosto? Esqueceste a nossa miséria e opressão?». Esta — concluiu o Papa — «é a derrota: um povo que se afasta de Deus acaba assim». E é uma lição válida para todos. Também hoje. Inclusive nós, aparentemente, somos devotos, «temos um santuário, temos muitas coisas...». Mas, perguntou Francisco, «está o teu coração com Deus? Sabes adorar a Deus?». E se crês em Deus, mas «num Deus um pouco nebuloso, distante, que não entra no teu coração, e se tu não obedeces aos seus mandamentos», então significa que estás diante de uma «derrota».

Por outro lado, o evangelho fala de uma vitória. Também neste caso, Francisco quis evocar a Escritura, na qual se narra que «se aproximou de Jesus um leproso, suplicando-lhe de joelhos — precisamente com um gesto de adoração — e disse-lhe: “Se quiseres, podes purificar-me”».

O leproso, explicou o Papa, num certo sentido «desafia o Senhor dizendo: sou um derrotado na vida». Sim, «era um derrotado, porque não podia viver com os outros; era sempre “descartado”, posto de lado». Mas insiste: «Tu podes transformar esta derrota em vitória!». E «diante disto, Jesus teve compaixão, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: “Quero, sê purificado!”». Portanto, trata-se de outra batalha: mas esta «acaba em dois minutos, com a vitória», enquanto a dos israelitas durou «o dia inteiro» e acabou com a derrota. A diferença está no facto de que «aquele homem tinha algo que o impelia a ir ter com Jesus» e a lançar-lhe um desafio. Em síntese, «tinha fé!».

Para aprofundar a reflexão, o Pontífice citou também um trecho do capítulo 5 da primeira carta de João, onde se lê: «Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé». A fé, disse Francisco, «vence sempre. A fé é vitória». E foi precisamente o que aconteceu com o leproso: «Se quiseres, podes fazê-lo». Os derrotados descritos na primeira leitura, ao contrário, «oravam a Deus, carregavam a arca mas não tinham fé, esqueceram-na».

Nesta altura o Papa entrou no cerne da sua reflexão, frisando que «quando pedimos com fé, o próprio Jesus nos disse que podemos mover as montanhas». E recordou as palavras do Evangelho: «Qualquer coisa que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-la dará. Pedi e ser-vos-á dado; batei e ser-vos-á aberto». Tudo é possível, mas só «com a fé. Esta é a nossa vitória».

Por isso, disse Francisco concluindo a homilia, «peçamos ao Senhor que a nossa prece tenha sempre aquela raiz de fé»: peçamos «a graça da fé». Com efeito, a fé é um dom que «não se aprende nos livros». Uma dádiva do Senhor que deve ser pedida. «“Concedei-me a fé!”. “Creio, Senhor!” disse aquele homem, pedindo que Jesus curasse o seu filho: “Creio Senhor, ajuda a minha pouca fé”». Portanto, devemos pedir «ao Senhor a graça de rezar com fé, de estarmos certos de que tudo o que lhe pedirmos nos será dado, com a segurança que nos dá a fé. Esta é a nossa vitória: a fé».

 


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