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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O nome e o adjetivo

Quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 09 de 03 de Março de 2016

Estamos abertos aos outros, somos capazes de misericórdia ou vivemos fechados em nós mesmos, escravos do nosso egoísmo? A parábola evangélica de Lázaro e do homem rico, apresentada pela liturgia, guiou o Papa Francisco numa reflexão sobre a qualidade da vida cristã. Evocando a antífona de entrada tirada do salmo 139 (23-24), o Pontífice frisou a importância de pedir ao Senhor «a graça de saber» se percorremos «o caminho da mentira» ou «da vida».

Estamos, explicou Francisco, no sulco da reflexão feita nos dias precedentes, quando se falava da «religião do fazer» e da «religião do dizer». A sugestão é dada pelos dois personagens evangélicos: o homem rico, descrito como alguém «que vestia roupas de púrpura e de linho finíssimo» e que «todos os dias dava banquetes de luxo». Ou seja, uma caraterização até um pouco forçada que quer mostrar-nos uma pessoa que «tinha tudo, todas as possibilidades». Diante dele há «um pobre chamado Lázaro» que «estava à sua porta, coberto de chagas, desejoso de matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico; mas eram os cães que vinham lamber as suas feridas».

O Papa analisou a descrição dos personagens e realçou que o rico — como «se vê no diálogo final com o pai Abraão» — era «um homem de fé», que «tinha estudado a lei, conhecia os mandamentos» e que «certamente todos os sábados ia à sinagoga e una vez por ano ao templo»; em síntese: «um homem que tinha uma certa religiosidade». Ao mesmo tempo, da narração evangélica sobressai que ele era também «um homem fechado no seu pequeno mundo, o mundo dos banquetes, das roupas, da vaidade, dos amigos». Fechado na sua «redoma de vaidade», ele «não conseguia ver além» e não se «dava conta do que acontecia fora do seu mundo fechado». Por exemplo, «não pensava nas carências de muita gente, nem na necessidade de os doentes terem companhia», mas só pensava em si mesmo, «nas suas riquezas, na sua vida sossegada: dava-se à boa vida». Era — concluiu — um homem «religioso, aparente». Sim, um exemplo perfeito «da religião do dizer».

O rico epulão «não conhecia periferia alguma, mas vivia fechado em si mesmo». Contudo, «precisamente a periferia» estava «perto da porta da sua casa», mas ele «não a conhecia». Esta, explicou o Papa, «é a vida da mentira», da qual na antífona pedimos ao Senhor que nos liberte.

Diante desta descrição, o Pontífice aprofundou a análise interior do homem rico, que «só confiava em si mesmo, nos seus bens», e «não em Deus»; absolutamente distante do «homem bem-aventurado que confia no Senhor», que lhe é contraposto no salmo responsorial tirado do salmo 1. «Que herança — interrogou-se — deixou este homem?». Certamente, disse citando o mesmo salmo, «não é como uma árvore plantada na margem do regato», mas «como a palha que o vento leva».

Aquele homem tinha uma família, irmãos; na narração evangélica lê-se que pede ao pai Abraão que lhes envie alguém para os avisar: «Parai, não é este o caminho!». Mas depois da morte, explicou o Papa, ele «não deixou herança nem vida, porque vivia fechado em si mesmo».

Uma aridez de vida ressaltada, recordou o Pontífice, por um pormenor: quando fala deste o homem o Evangelho «não diz como se chamava, só diz que era rico». Detalhe significativo, pois «quando o teu nome só é um adjetivo, é porque perdeste: perdeste substância e força». Assim, diz-se: «este é rico, esse é poderoso, aquele pode fazer tudo, este é um sacerdote de carreira, um bispo de carreira...». Muitas vezes, explicou, somos levados a «mencionar as pessoas com adjetivos, não com nomes, porque não têm substância». Era esta a realidade do rico da narração de hoje.

Neste ponto Francisco interrogou-se: «Deus que é Pai não teve misericórdia deste homem? Não bateu à porta do seu coração para o sensibilizar?». E a resposta foi imediata: «Sim, estava à porta, na pessoa de Lázaro». E Lázaro tinha um nome. «Aquele Lázaro — acrescentou o Papa — com as suas necessidades, misérias e doenças, era precisamente o Senhor que batia à porta, para que aquele homem abrisse o coração, e a misericórdia pudesse entrar». E no entanto, o rico «não via», «estava fechado» e «para ele fora da porta não havia nada».

O trecho evangélico, comentou, é útil para todos nós, a meio do caminho quaresmal, para despertar em nós algumas perguntas: «Percorro a vereda da vida ou da mentira? Quanto egoísmo ainda tenho no coração? Onde está a minha alegria: no fazer ou no dizer?», e ainda: a minha alegria está «no sair de mim mesmo para ir ao encontro do próximo para ajudar», ou «no manter tudo arrumado, fechado em mim mesmo?».

Enquanto pensamos nisto, concluiu, «peçamos ao Senhor» a graça «de ver sempre os Lázaros que estão à nossa porta, os Lázaros que batem à porta do nosso coração», e a graça de «sair de nós mesmos com generosidade e atitude de misericórdia, para que a misericórdia de Deus possa entrar no nosso coração».

 


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