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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Descarados

 Terça-feira, 11 de outubro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 42 de 20 de outubro de 2016

«Religião do aparecer» ou «estrada da humildade»? O Papa Francisco indicou uma escolha decisiva para a vida de cada cristão: de facto, até no «fazer o bem» podemos cometer um perigoso engano, que é o de pôr nós mesmos à frente e não «a redenção que Jesus nos concedeu». O objetivo é afirmar «a nossa liberdade interior» mostrando-nos ao mundo como realmente somos no nosso coração, sem fáceis ou astutas operações de «maquiagem» exterior.

A reflexão do Pontífice teve início precisamente do conceito de liberdade. A inspiração veio da primeira leitura do dia (Gálatas 5, 1-6), na qual o apóstolo Paulo convida a «permanecer firmes e a não se deixar impor de novo o jugo da escravidão, isto é, ser livres: livres na religião, livres na adoração a Deus». Eis o primeiro ensinamento: «nunca perder a liberdade». Mas qual liberdade? «A liberdade cristã — explicou o Papa — só vem da graça de Jesus Cristo, não das nossas obras nem das chamadas “justiças”, mas da justiça que o Senhor Jesus Cristo nos concedeu e com a qual nos recriou». Uma justiça, acrescentou, «que vem precisamente da Cruz».

Sobre o mesmo tema insiste também o trecho do Evangelho proposto pela liturgia (Lucas, 11, 37-41), no qual se lê que Jesus repreende um fariseu, um doutor da lei, porque — recordou o Papa — «este fariseu convida Jesus para almoçar e Jesus não faz as abluções, isto é não lava as mãos»: portanto, não realiza aquelas práticas «que eram habituais na lei antiga». Face a estas reclamações, o Senhor afirma: «Vós fariseus limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de avidez e de maldade». Um conceito, observou Francisco, que Jesus «repete muitas vezes no Evangelho», advertindo muitas pessoas com palavras claras: «O vosso interior é malvado, não é justo, não é livre. Sois escravos porque não aceitastes a justiça que vem de Deus». Que é «a justiça que Jesus nos ofereceu».

Noutro trecho lê-se que Jesus, depois de ter exortado à oração, ensina também como deve ser feita: «no teu quarto, onde ninguém te vêm de modo que só o teu Pai te veja». Por conseguinte, o convite consiste em «não rezar para aparecer», para se fazer ver, como fazia aquele fariseu que — narra o Evangelho — diante do altar do templo dizia: «Deus, dou-te graças, Senhor, porque não sou pecador». Quantos agiam assim, comentou o Pontífice, eram «atrevidos» e «não tinham vergonha».

Contra certas atitudes é útil a sugestão dada pelo próprio Jesus e que o Papa sintetizou assim: «Quando praticardes o bem e oferecerdes uma esmola não o façais para serdes admirados. A vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda. Fazei-o escondido. E quando fizerdes penitência, jejum, por favor, poupai-vos da melancolia, não sejais melancólicos para que todo o mundo saiba que estais a fazer penitência». Resumindo: o que importa «é a liberdade que a redenção nos concedeu, que o amor nos ofereceu, que a recriação do Pai nos deu». É uma liberdade interior que leva a praticar «o bem de forma escondida, sem fazer soar a tromba»: de facto, «o caminho da verdadeira religião é o mesmo de Jesus: a humildade, a humilhação». Dado que Jesus — recordou o Pontífice, citando a carta de Paulo aos Filipenses — se «humilhou a si mesmo, esvaziou-se a si mesmo». E acrescentou: «É o único caminho para eliminar de nós o egoísmo, a avidez, a soberba, a vaidade, a mundanidade».

Diante deste modelo, ao contrário, temos a atitude de quantos Jesus repreende: «pessoas que seguem a religião da maquiagem: a aparência, o aparecer, fazer de conta, mas dentro...». Para eles, frisou o Papa, Jesus usa «uma imagem muito forte: “Sois semelhantes aos sepulcros caiados, formosos por fora, mas por dentro cheios de ossos de mortos, e de toda a espécie de imundície”». Ao contrário, «Jesus chama-nos, convida-nos a praticar o bem com humildade», porque se não se cai num engano perigoso: «Tu podes praticar todo o bem que quiseres, mas se não o fizeres com humildade, como nos ensina Jesus, este bem não serve, por ser um bem que nasce de ti mesmo, da tua segurança, não da redenção que Jesus nos deu». Uma redenção que, disse Francisco, chega através da «estrada da humildade e das humilhações»: com efeito «nunca se chega à humildade sem as humilhações». Tanto é que «vemos Jesus humilhado na cruz».

Eis então a exortação que concluiu a homilia: «Peçamos ao Senhor que não nos cansemos de caminhar por esta estrada, que não nos cansemos de rejeitar esta religião do aparecer, do fazer de conta...». O compromisso deve ser, ao contrário, proceder «silenciosamente, praticando o bem, gratuitamente, assim como gratuitamente recebemos a nossa liberdade interior».

 


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