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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

A corrupção é pior que o pecado

Terça-feira, 3 de abril de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 14 de 6 de abril de 2017

Na encruzilhada profundamente humana entre «inocência e pecado, corrupção e lei», Jesus pede que olhemos para os outros sempre com misericórdia, sem nos arvorarmos em juízes do seu coração. «A palavra de Deus que hoje a Igreja oferece à nossa meditação parece ser sobre duas mulheres colhidas em adultério: um adultério era fingido, fictício; o outro verdadeiro». A referência é à vicissitude de Susana, narrada no livro de Daniel (13, 1-9.15-17.19-30.33-62), e à da mulher surpreendida em adultério, descrita por João no seu Evangelho (8, 1-11). Através destas duas mulheres, «a mensagem é profunda» porque, nas duas leituras, «se encontram quatro pessoas, quatro situações diferentes». E é precisamente «isto que a Igreja quer que hoje pensemos e vejamos: encontram-se a inocência e o pecado, a corrupção e a lei». Com efeito, insistiu o Papa, da liturgia sobressai «um encontro entre estas quatro realidades: inocência, pecado, corrupção e lei».

Na sua meditação, o Papa começou pela «inocência desta mulher, Susana, acusada falsamente por dois juízes idosos: ela é obrigada a escolher: ou fidelidade a Deus e à lei, ou salvar a vida». Talvez «Susana tivesse outros pecados, pois somos todos pecadores». Com efeito, «a única mulher que não pecou é Nossa Senhora; todos os outros, todos nós, pecamos». Mas «Susana era uma mulher com pecados veniais, não era uma adúltera, era fiel ao marido»; e esta é «a inocência» apresentada pela liturgia. Depois, eis «o pecado: a outra mulher — João narra no Evangelho — foi surpreendida em pecado, realmente tinha pecado, era uma adúltera, fora infiel ao marido». No final chega «a corrupção»: a «dos juízes de ambos os casos, quer com Susana quer com a adúltera», porque «nos dois casos os juízes eram curruptos». E enfim há «a lei, a plenitude da lei: Jesus».

Portanto, na liturgia «encontram-se» estas quatro realidades: «inocência, pecado, corrupção e lei», ou seja, a «lei na sua plenitude». Sem dúvida, não é o único caso evangélico de «juízes corruptos»: com efeito, no cap. 18 de Lucas «Jesus fala de outro, que não temia a Deus, não se interessava por ninguém». De resto, «no mundo sempre houve juízes corruptos» e também «hoje, em todas as partes do mundo». A questão, disse, é «porque nasce a corrupção na pessoa».

Na realidade, a corrupção é pior que o pecado, porque posso pecar, «escorrego, sou infiel a Deus, mas depois procuro não pecar mais ou resolver a questão com o Senhor, ou pelo menos sei que não é correto». Ao contrário, «a corrupção é quando o pecado entra lentamente na tua consciência e não deixa espaço nem sequer para o ar, e tudo se torna pecado: isto é corrupção».

Por sua vez, os corruptos «creem que agem bem assim, julgam-se impuníveis», frisou Francisco. Além disso, «no caso de Susana», os dois anciãos «até confessam a sua corrupção» e «dizem a verdade: foram corrompidos pelos vícios da luxúria». E assim dizem a Susana: «Eis que as portas do jardim estão fechadas, ninguém nos vê e nós ardemos de paixão por ti; consente e concede-te a nós. Caso contrário, acusar-te-emos; diremos que um jovem estava contigo e por isso pediste às tuas servas para sair». Em síntese, dizem: «ou fazes isto ou daremos falso testemunho».

«Não é o primeiro caso que na Bíblia aparecem falsos testemunhos», afirmou o Papa. «Pensemos em Nabot, quando a rainha Jezrael dá todo aquele falso testemunho; pensemos em Jesus, que é condenado à morte com falso testemunho; pensemos em Santo Estêvão».

Mas, advertiu o Pontífice, citando o trecho evangélico de João, «são corruptos também os doutores da lei que levam esta mulher — escribas, alguns fariseus — e dizem a Jesus: “Mestre, esta mulher foi colhida em adultério. Na lei, Moisés mandou-nos lapidar mulheres como esta. Que dizes Tu?”». Se contra Susana «era um falso testemunho, este é verdadeiro». E se Susana «era inocente, esta era pecadora». E «também eles são juízes». Com Susana, os anciãos «perderam a cabeça, deixando que a luxúria se apoderasse deles». Estes, ao contrário, «perderam a cabeça fazendo crescer em si uma interpretação da lei tão rígida que não deixava espaço ao Espírito Santo: corrupção de legalidade, de legalismo, contra a graça».

«Além disso há a quarta pessoa, Jesus: a plenitude da lei», explicou Francisco. E «ele encontra-se como mestre da lei diante dos mestres da lei: “Que dizes Tu?”, perguntam-lhe». Aos «falsos juízes que acusavam Susana» Jesus responde «pela boca de Daniel: “Estirpe de Canaã e não de Judá, a beleza seduziu-te, a paixão perverteu o teu coração! Assim fazíeis com as mulheres de Israel e elas, amedrontadas, uniam-se a vós”». E «ao outro diz: “Ó homem envelhecido no mal! Eis que se revelam os pecados por ti cometidos no passado, quando emitias sentenças injustas, oprimindo os inocentes e absolvendo os malvados”».

«Eis a corrupção destes juízes», prosseguiu, referindo-se ao trecho do Antigo Testamento. Ao contrário, «aos outros juízes Jesus diz poucas palavras: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar uma pedra contra ela”». Depois, assim se dirige à pecadora: “Nem eu te condeno. Vai e não voltes a pecar”». E «esta — explicou o Papa — é a plenitude da lei; não a dos escribas e fariseus que tinham corrompido a sua mente fazendo muitas leis, sem deixar espaço à misericórdia: Jesus é a plenitude da lei e julga com misericórdia».

Assim o Senhor «liberta uma mulher inocente através do profeta do povo». E «aos juízes corruptos diz — ouvimos palavras duras da boca do profeta — “envelhecidos nos vícios”». Depois, «aos juízes corrompidos por uma atitude malvada diante da lei, diz: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar uma pedra contra ela”». Portanto «Jesus, o totalmente inocente, à inocente pode dizer “mãe”, porque a sua mãe é a única inocente».

Concluindo, o Papa convidou a pensar «naquele caminho, na maldade com que os nossos vícios julgam as pessoas», porque «também nós, no coração, julgamos os outros». E é oportuno interrogar-nos se «somos corruptos ou ainda não». Então, é bom parar e olhar para «Jesus, que julga sempre com misericórdia: “Nem eu te condeno. Vai e não voltes a pecar”».

 



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