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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Duas tentações

Quinta-feira, 14 de setembro de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 38 de 21 de setembro de 2017

Jesus não é um simples «mestre espiritual», dispensador de «bons conselhos» ou de um «pouco de consolação». Mas, certamente, segui-lo não significa abandonar-se a «um masoquismo espiritual» sem esperança, como se fôssemos protagonistas de uma «tragédia pagã». Foi contra estas «duas tentações» que o Papa Francisco alertou recordando que a «cruz é um mistério de amor» e que não pode existir «Cristo sem cruz» nem «cruz sem Cristo». Uma meditação proposta significativamente por ocasião da festa da exaltação da Santa Cruz, dia em que o Pontífice recomeçou a celebração da missa em Santa Marta depois da pausa do verão.

«Na oração dissemos que a cruz é mistério de amor, mistério que se compreende somente com o coração e o amor» realçou imediatamente Francisco, fazendo referência à coleta proposta pela liturgia. E «a liturgia, quando fala da cruz a vê como uma árvore e diz: “é uma árvore nobre, é uma árvore fiel”». É precisamente «este o mistério de amor: a nobreza do amor de Jesus Cristo, a fidelidade do amor de Deus».

Mas, admoestou o Papa, «nem sempre é fácil entender a cruz, porque só com a contemplação é possível ir em frente neste mistério de amor». Assim, acrescentou referindo-se ao trecho evangélico de João (3, 13-17), «Jesus, quando quer explicar este mistério de amor a Nicodemos, usa dois verbos: subir e descer ou descer e subir». Portanto, «este é o mistério de amor: Jesus que desceu do céu para levar todos nós a subir ao céu: este é o mistério da cruz».

Na segunda leitura, afirmou o Papa retomando os conteúdos da carta aos Filipenses (2, 6-11), «Paulo explica o que significa este subir e descer de Jesus; e sobre este descer de Cristo diz: “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e assemelhando-se aos homens. E humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”». Esta «é a descida de Jesus: até ao fundo, até à humilhação, aniquilou-se a si mesmo por amor, e por isso Deus exaltou-o e fê-lo subir». Portanto, explicou Francisco, «só se conseguirmos compreender esta descida até ao fundo poderemos compreender a salvação que este mistério de amor nos oferece».

«Mas não é fácil — relançou o Pontífice — porque sempre houve tentações na história e na nossa vida; explicar ou pegar a metade e não a outra metade, não é?». A este propósito, prosseguiu, «Paulo disse uma palavra forte aos Gálatas — “ó insensatos Gálatas” — quando eles cederam à tentação de não entrar no mistério de amor, mas de o explicar». Paulo repreende-os: “Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou? Como a serpente que tinha seduzido Eva, como a serpente no deserto tinha envenenado os israelitas. Quem vos fascinou a vós, ante cujos olhos foi apresentada a imagem de Jesus Cristo crucificado?”». Na realidade, explicou o Papa, «ficaram fascinados por uma ilusão de um Cristo sem cruz ou de uma cruz sem Cristo. Estas são as duas tentações: um Cristo sem cruz, ou seja, um mestre espiritual que te leva em frente tranquilo, não há sofrimentos ou então tu evitas os sofrimentos e vais em frente. Mas «um Cristo sem cruz que não é o Senhor: é um mestre, nada mais. É aquele que talvez Nicodemos, sem saber, procurava. E «é uma das tentações. Sim, Jesus, como é bom o mestre, mas sem cruz: quem vos fascinou com esta imagem?». É precisamente esta «a raiva de Paulo: apresentar Jesus Cristo mas não crucificado».

«Outra tentação — disse Francisco — é a cruz sem Cristo, a angustia de permanecer em baixo, rebaixados, com o peso do pecado, sem esperança. É uma espécie de “masoquismo” espiritual. Só a cruz, mas sem esperança, sem Cristo. É um mistério de tragédia, não é? Podemos pensar nas tragédias pagãs». Mas «a cruz é um mistério de amor, a cruz é fiel, a cruz é nobre».

«Hoje podemos dedicar alguns minutos — resumiu o Pontífice sugerindo as coordenadas para um exame de consciência — e cada um de nós pergunte a si mesmo: Cristo crucificado é, para mim, mistério de amor? Será que eu sigo Jesus sem cruz, um mestre espiritual que enche de consolação, de bons conselhos? Sigo a cruz sem Jesus, queixando-me sempre, com este “masoquismo” do espírito?». E ainda: «Deixo-me levar por este mistério do rebaixamento, aniquilação total e enaltecimento do Senhor?». Concluindo, o Papa fez votos a fim de que, na oração, «o Senhor nos conceda a graça, não quero dizer de entender mas de entrar, entrar — depois com o coração, com a mente, com o corpo, com tudo, compreenderemos algo — neste mistério de amor».

 



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