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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Face a face com Deus

Quinta-feira, 15 de março de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 12 de 22 de março de 2018

Quantas vezes acontece que a um cristão seja perguntado: “Rezas por mim”? E quantas vezes nos empenhamos a fazê-lo, conscientes do que isto realmente significa? Com efeito, para se pôr diante de Deus, «face a face» com Ele, para «bater à porta do seu coração», são necessárias grande «coragem» e igual «paciência». E uma «liberdade» interior que não se pode dar por certa, frisou o Papa, inspirando-se na primeira leitura do dia (Êx 32, 7-14).

O Pontífice repercorreu com grande atenção, ponto por ponto, o trecho bíblico no qual é apresentado um «diálogo entre Deus e Moisés» que discutem sobre «um problema que Moisés devia resolver»: ou seja, que o povo de Israel tinha construído para si um bezerro de ouro para o adorar. O Papa realçou: «O Senhor estava um pouco impaciente: irou-se contra o seu povo e no fim disse: “Fica tranquilo, eu resolvo esta questão, porque o teu povo se perverteu. E este povo tem a cerviz dura”, diz o Senhor. “Pois bem, deixa que a minha ira se acenda contra eles e que os devore. De ti, ao contrário, farei uma grande nação”». Portanto, encontramo-nos diante de uma posição dura do Senhor que «quer resolver este problema da apostasia do povo».

Antes de tudo, Francisco observou que Moisés fica surpreendido com as «duas propostas» de Deus: «Destruirei o povo: mas tu fica tranquilo. De ti, ao contrário, farei uma grande nação». Uma situação absolutamente particular para ele. A este propósito, a fim de facilitar a compreensão, o Papa sugeriu um exemplo tirado da «vida quotidiana». Com efeito, pode acontecer que «a um dirigente, a uma pessoa que tem responsabilidade numa empresa, num governo, numa firma, face a uma situação negativa, se perspetive a punição para muitos, e que este dirigente imaginário aceite em troca de algo para si mesmo («Está bem: quanto me dás?»). É, explicou o Papa, a «lógica do suborno», deixar fazer algo, contanto que se obtenha uma vantagem.

No diálogo com Moisés, o Senhor propõe-lhe uma alternativa: «Deixemos fazer isso, e a ti pago com isto: far-te-ei chefe de um grande povo!». Utilizando uma hipérbole, Francisco disse: «...quase um suborno!», para sublinhar a tomada de posição desnorteante para Moisés que, no entanto, tem uma reação iluminadora. Com efeito, este último «amava o Senhor: diz a Bíblia que falava cara a cara, como um homem com o seu amigo». E evidenciou como é «bom ouvir isto!», porque faz compreender que ele «tinha liberdade perante o Senhor». Uma liberdade que lhe permite «reagir»: com efeito, ele «suplicou» a Deus, ou seja, fez «uma prece de intercessão».

Precisamente sobre este tipo de oração meditou o Papa, consciente de que «não é fácil rezar pelos outros. E explicou que a quem pede: «Por favor, reza por mim, que tenho isto...», não se pode prometer oração e resolver tudo com «um Pai-Nosso e uma Ave-Maria» e depois esquecer-se. «Não: tu dizes que vai rezar pelo outro, a prece de intercessão empenha-te, como Moisés está comprometido com o seu povo». Moisés até com coragem — mas, disse Francisco, «é preciso ter coragem, não é? Mas a prece de intercessão exige coragem! Devemos dizer as coisas a Deus na cara...» — «refresca a memória a Deus» e objeta: «Senhor, ouve um pouco: a tua ira acender-se-á contra o teu povo... Tu, que o fizeste sair da terra do Egito com grande força e com mão poderosa»; e diz-lhe: «Tu fizeste tudo isto e agora destruirás tudo? Senhor, isto não é correto!».

Antes de tudo, é preciso observar que Moisés apresenta «argumentações». Francisco resumiu o discurso dirigido ao Senhor deste modo: «Pensa na má figura que farás, porque os egípcios dirão: “Fizeste-os sair com malícia, para os deixar morrer no meio das montanhas, levando-os a desaparecer da terra?”», e ainda: «Tu és o Deus da bondade e farás uma má figura diante dos egípcios... Não, Senhor, assim não pode ser!». E procura convencê-lo. Depois, insiste: «Desiste, Senhor, do ardor da tua ira; abandona este propósito de praticar o mal contra o teu povo». Ou seja: «Não faças esta má figura: recorda-te que Tu libertaste o povo». E, como se tivesse «medo de que as argumentações não fossem suficientes», acrescenta: «Senhor, recorda-te também: recorda-te de Abraão, Isaac, Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo, dizendo: “Tornarei a vossa posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e toda a terra da qual falei, dá-la-ei aos vossos descendentes, que a possuirão para sempre”. Recorda-te disto!».

Moisés, explicou o Pontífice, «apela-se à memória de Deus» e, é importante observar isto, «envolve-se». A ponto que — narra-se noutro trecho do Êxodo (32, 32) — diz: «E no final, Senhor, se quiseres eliminar este povo da terra, elimina também a mim».

Precisamente esta é a caraterística da «prece de intercessão: uma oração que argumenta», que tem a coragem de dizer as coisas «na cara do Senhor»; uma prece «paciente». Com efeito, acrescentou o Papa, «é preciso ter paciência: não podemos prometer a alguém que rezaremos por ele e depois limitar-nos a um Pai-Nosso e a uma Ave-Maria, e ir embora. Não! Se dizes que rezarás pelo outro, deves ir por este caminho. É preciso ter paciência». Trata-se da «mesma paciência da cananeia»: com efeito, a mulher pode até «sentir-se insultada por Jesus», mas «vai em frente, quer alcançar aquilo e prossegue». E é a mesma paciência insistente da mulher «que ia ter com o juiz iníquo, e um dia o juiz cansou-se e disse: “Não dou importância alguma a Deus, nem aos homens, mas para me livrar dela, farei o que me pede”, e a viúva venceu». É preciso, concluiu Francisco acrescentando outro exemplo, ter «constância, paciência de ir em frente. A paciência daquele cego à saída de Jericó: gritava tanto que o queriam silenciar... Mas clamava! E no fim, o Senhor ouviu-o e pediu que o trouxessem a Ele».

Portanto, resumindo, «para a prece de intercessão são necessárias duas coisas: coragem, ou seja, parrésia, coragem e paciência. Se eu quiser que o Senhor me ouça, devo insistir, bater à porta do coração de Deus», e fazê-lo «porque o meu coração está arrebatado por isto! Mas se o meu coração não se deixar interpelar por aquela necessidade, por aquela pessoa pela qual devo rezar, nem sequer será capaz de ter coragem e paciência».

Naturalmente, prosseguiu, é necessário ter uma «grande liberdade», como aquela que Moisés se permite. A ponto que se poderia pensar: «Mas Moisés foi mal-educado» ao rejeitar a proposta de Deus. Ao contrário, embora respeite a Deus, Moisés não falta ao «seu amor pelo povo. E isto agrada a Deus». Então, acontece que «quando Deus vê uma alma, uma pessoa que reza insistentemente por algo, Ele comove-se» e «concede a graça».

De tudo isto surge o conselho para cada cristão que se encontra numa situação semelhante. Seria bom interrogar-se: «Quando me pedem para ajudar com a oração a resolver um problema, uma situação difícil, uma dor na família, deixo-me envolver por isto?». Pois se não formos capazes disto, é melhor dizer «a verdade» e confessar: «Não posso rezar, direi apenas um Pai-Nosso». Se, ao contrário, nos comprometermos e dissermos: «Rezarei», sugeriu o Pontífice, o «caminho da prece de intercessão» é bem claro: «empenha-te, luta, vai em frente, jejua, pensa em David, quando o menino adoeceu: jejum, oração para alcançar a graça da cura da criança. Lutou com Deus. Não conseguiu vencer, mas o seu coração estava tranquilo: arriscou a própria vida pelo filho».

Por isso, concluiu o Papa, é preciso pedir ao Senhor «a graça de rezar diante de Deus com liberdade, como filhos; de orar com insistência, de rezar com paciência. Mas sobretudo, rezar consciente de que falo com o meu Pai, e que o meu Pai me ouvirá».

 



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