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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

A Igreja precisa de profetas

Terça-feira, 17 de abril de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 17 de 26 de abril de 2018

«A Igreja tem necessidade de que todos nós sejamos profetas», isto é, «homens de esperança», sempre «diretos» e nunca «tíbios», capazes de dizer ao povo «palavras fortes quando é preciso» e de chorar juntos se for necessário. Eis o perfil do profeta delineado pelo Papa. O Pontífice propôs um verdadeiro «teste» para reconhecer o profeta autêntico. Que, explicou, não é um anunciador de «desventuras» nem «um juiz crítico», nem sequer «um recriminador de profissão». Mas é um cristão que «repreende quando é necessário», sempre «abrindo as portas de par em par» e pondo em risco pessoalmente inclusive «a pele» pela «verdade» e para «restabelecer as raízes e a pertença ao povo de Deus».

«Na primeira leitura ouvimos a narração do martírio de Estêvão», disse o Papa referindo-se ao trecho dos Atos dos apóstolos (7, 51 – 8, 1). «É o final de uma longa história que ocupa dois capítulos do livro» e «acaba desta forma». Uma história, explicou Francisco, que «começa quando alguns da sinagoga dos libertos, vendo a realidade, os prodígios e a sabedoria com a qual Estêvão falava, foram ter com ele para dialogar; e ele debatia com eles». Mas eles «não estavam à altura da sabedoria e do espírito com o qual falava, e em vez de reconhecer as argumentações, inventaram algumas calúnias e levaram Estêvão a tribunal».

«No tribunal — prosseguiu — quando acabou de entrar, as pessoas presentes viam o seu rosto como o de um anjo: transparente, forte, luminoso». E assim «Estêvão começou a falar com eles, mas desde o início, e narrou toda a história do povo judeu: Estêvão não queria discutir somente sobre o hoje; queria restabelecer as raízes daquele povo que era fechado, que tinha esquecido a história».

Por esta razão, «dá uma longa explicação no capítulo sete de toda a história de Israel, mas no final dá-se conta de que aquelas pessoas eram fechadas, não queriam ouvir». De facto, insistiu o Papa, «eram fechadas nos seus pensamentos e Estêvão repreende-as do modo como Jesus também repreendeu o povo e quase com as mesmas palavras: «teimosos e incircuncisos no coração — isto é, pagãos, porque esquecestes as raízes — e nos ouvidos, opondes sempre resistência ao Espírito Santo». Ou seja: «Vós não sois coerentes com a vida que provém das vossas raízes».

Estêvão «narra que também os profetas foram perseguidos pelos “vossos pais”, isto é, por aqueles que, como vós, tinham as raízes secas». O trecho dos Atos observa que «ao ouvir estas coisas, ficaram furiosos nos seus corações: enraiveceram-se ao máximo e rangiam os dentes contra Estêvão». Esta atitude, afirmou Francisco, «faz ver a paixão desencadeada: quando o profeta chega à verdade e toca o coração, ele ou se abre ou se torna pedra e desencadeia-se a raiva, a perseguição, e aconteceu o mesmo depois da morte de Estêvão, contra toda a comunidade de Jerusalém».

Os Atos narram também a reação de Estêvão: «Cheio do Espírito Santo, olhando para o céu, viu a glória de Deus e Jesus que estava à direita de Deus e disse: “Contemplo os céus abertos e o Filho do homem que está à direita de Deus”». Desta maneira, explicou o Papa, «aquele rosto de anjo que tinha no início transforma-se em contemplação e vê Deus».

Mas os Atos testemunham que, ao ouvir as palavras de Estêvão, os seus interlocutores «com grande clamor, taparam os seus ouvidos». «Era um gesto para dizer: “não quero ouvir isto”. Um gesto muito significativo» para afirmar; «não quero escutar estas palavras que parecem uma blasfémia, porque o meu coração não deseja ouvir, está fechado à escuta da palavra». E não acaba aqui, referem os Atos, porque «se atiraram todos juntos contra ele, lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo: acaba assim a vida de um profeta». De resto, prosseguiu o Pontífice, «os profetas enfrentam sempre estes problemas de perseguição por dizer a verdade, a verdade incomoda, muitas vezes não é agradável». Com frequência «os profetas começaram a dizer a verdade com doçura, para convencer, como Estêvão, mas no final não sendo ouvidos falaram com dureza». E «também Jesus disse quase as mesmas palavras de Estêvão: “hipócritas”».

«Qual é, na minha opinião, a prova de que um profeta quando fala com vigor diz a verdade?» foi a questão formulada pelo Papa. «É quando este profeta é capaz não só de dizer, mas de chorar sobre o povo que abandonou a verdade». De facto «Jesus, por um lado, repreendeu com palavras duras — “geração perversa e adúltera” por exemplo — e por outro chorou por Jerusalém». Precisamente «esta é a prova: um verdadeiro profeta é aquele capaz de chorar pelo seu povo e também de dizer palavras fortes quando devem ser ditas. Não é tíbio, é sempre direto».

Por isto, prosseguiu Francisco, «o verdadeiro profeta não é um “profeta de desventuras” como dizia São João XXIII», mas «um profeta de esperança: abre as portas, restabelece as raízes e a pertença ao povo de Deus para ir em frente». Portanto «não é um recriminador de profissão», aliás «é um homem de esperança: repreende quando é necessário e abre as portas de par em par olhando para o horizonte da esperança». Além disso, «o verdadeiro profeta, se desempenhar bem o seu ministério, arrisca a própria pele como Estêvão». Os Atos dos apóstolos narram que «no fim as testemunhas depuseram os seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo, que aprovava o assassinato de Estêvão». Na realidade «Saulo esqueceu o significado da própria raiz, conhecia bem a lei, mas aqui — disse o Papa batendo a mão no peito para indicar o coração — esquecera-a aqui».

E eis que «o Senhor toca o coração» de Saulo «e nós sabemos o que aconteceu depois». Uma história, repetiu o Pontífice, que «nos faz recordar uma bonita frase pronunciada por um dos primeiros padres da Igreja: “O sangue dos mártires é semente dos cristãos”». E «no final, Estêvão morre, apedrejado por ser coerente com a verdade e a pertença ao seu povo. E parece que passa a tocha» a Saulo, naquele momento «ainda inimigo, que estava presente mas ao qual o Senhor falará e fará ver a verdade». «Esta é a semente: a semente de Estêvão, a semente de um mártir, a semente dos novos cristãos».

«A Igreja precisa dos profetas» afirmou Francisco, acrescentando: «Direi mais, há necessidade de que todos nós sejamos profetas: não críticos, este é outro aspeto», porque não é correto um profeta que se elege sempre «juiz crítico, que não gosta de nada: “Não, isto não está bem, não pode ser, não fica bem; não dá...”». Ao contrário, «profeta é aquele que reza, olha para Deus, para o seu povo, sente dor quando o povo erra, chora — é capaz de chorar pelo povo — mas também é capaz de fazer o possível para dizer a verdade».

«Peçamos ao Senhor — concluiu o Papa — que não falte à Igreja este serviço da profecia e que nos envie profetas como Estêvão que ajudem a revigorar as nossas raízes, a nossa pertença, para irmos sempre em frente».

 



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