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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Contra o veneno da maledicência

Quinta-feira, 17 de maio de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 21 de 24 de maio de 2018

Com a técnica da «unidade fingida» engana-se desde sempre o povo para fazer, ainda hoje, golpes de Estado, condenar os justos — a começar por Jesus — mas também para destruir a vida nas comunidades cristãs, eliminando as pessoas com bisbilhotices. Eis a «atitude assassina» contra a qual o Papa alertou durante a missa, voltando a propor a essência da verdadeira unidade testemunhada por Cristo na sua oração ao Pai: «para que todos sejam um».

E precisamente «na liturgia de hoje — observou o Pontífice — podemos ver dois caminhos, dois pesos, duas medidas para chegar à unidade». Trata-se de «dois tipos de unidade». E «a primeira», explicou referindo-se ao trecho do Evangelho (Jo 17, 20-26), é aquela pela qual «Jesus reza ao Pai por nós, “para que todos sejam um”, um, “como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti, para que o mundo creia”».

Em síntese, é «a unidade à qual nos leva Jesus», afirmou o Papa, «a unidade no Pai, como Ele está com o Pai». E é «uma unidade construtiva, uma unidade que cresce sempre; uma unidade entusiasmante, que une a Igreja». E «o Espírito Santo — insistiu o Papa — leva-nos sempre para esta unidade: uma unidade de salvação, pois Jesus quer salvar todos e nos leva rumo a esta unidade».

Ela é também «uma unidade que não acaba: vai até à eternidade, ou seja, tem amplos horizontes». E «assim cresce a unidade, e quando nós, na vida, na Igreja ou na sociedade civil, trabalhamos pela unidade, percorremos esta senda». Conscientes de que «quem trabalha pela unidade está no caminho traçado por Jesus». Precisamente «esta é a grande unidade, que o Pai nos revela e que nos faz ver o próprio núcleo da revelação que Jesus nos trouxe».

«Mas há outro tipo de unidade que chamaria “fingida” ou conjuntural: a dos acusadores de Paulo na primeira leitura», afirmou o Pontífice, referindo-se ao trecho dos Atos dos Apóstolos (22, 30; 23, 6-11). Com efeito, estes acusadores, explicou o Papa, «apresentam-se em grupo para acusar Paulo: “Vai contra a lei, vai contra isto, é blasfemo”». Por sua vez, «o procurador romano vê essa gente e diz: “mas todo o povo está unido”». Contudo «Paulo, que era esperto — porque o Espírito Santo também nos permite ser humanamente espertos, pede-nos isto — e sabia que aquela unidade era fingida, era só conjuntural, lança a pedra de divisão». Com efeito, na página dos Atos lê-se: «Consciente de que uma parte do sinédrio era de saduceus e a outra de fariseus, Paulo disse em voz alta” — lança a pedra — “irmãos, sou fariseu, filho de fariseus; sou julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos”». Eis «a pedra que Paulo lança contra a unidade falsa que o acusa».

A tal ponto que, «continua o texto: “Assim que pronunciou estas palavras, começou uma discussão entre fariseus e saduceus”. Dissolve-se a unidade, discutem entre si. Antes discutiam contra Paulo para o acusar e condenar à morte; mas com esta frase Paulo destrói aquela unidade porque era falsa, inconsistente. “Começou uma discussão entre fariseus e saduceus e a assembleia dividiu-se. Pois os saduceus afirmam que não existe ressurreição, nem anjos, nem espíritos, mas os fariseus professam tudo isto”». Em síntese, «com a sabedoria humana que tinha e com a sabedoria do Espírito Santo, Paulo conseguiu destruir este bloco de unidade».

De resto, «vimos a mesma coisa nas perseguições de Paulo, por exemplo em Jerusalém». Com efeito, «o texto dos Atos diz que todos os que estavam ali reunidos gritavam contra Paulo, mas ninguém conhecia nem ouvia o outro, não sabia o que gritavam: foram convocados para fazer barulho, fazer uma unidade que era barulho». E «o mesmo, por exemplo», aconteceu «com os agentes da imagem da Ártemis dos efésios, em Éfeso, quando ninguém sabia o motivo pelo qual gritava», como narra o capítulo 19 dos Atos. Na realidade, explicou o Papa, assim «o povo torna-se massa, anónimo: faz uma unidade anónima e os dirigentes dizem: “Deves gritar contra ele” e gritam». Embora «não saibam por que gritam, o que querem».

«Esta instrumentalização do povo é também um desprezo pelo povo, porque o transforma de povo em massa», disse Francisco, observando que «é um elemento que se repete frequentemente, desde os primeiros tempos até hoje. Pensemos nisto: no Domingo de Ramos todos aclamam: “Bendito és Tu, que vens em nome do Senhor”» mas na «sexta-feira seguinte a mesma gente grita: “Crucifica-o”». A resposta é que o cérebro foi lavado e assim a situação mudou: na realidade, «transformaram o povo em massa destruidora». Mais ainda, «pensemos em Estêvão: procuram imediatamente duas testemunhas falsas e assim o povo vai apedrejar Estêvão». E «no Antigo Testamento pensemos na mesma técnica» atuada «pela rainha Jezabel com Nabot», segundo quanto cita o livro dos Reis. É sempre «o mesmo: criam-se condições obscuras, “nebulosas”, para condenar uma pessoa». Sim, «depois aquela unidade» construída acaba por se dissolver; entretanto «a pessoa é condenada».

«Até hoje este método é muito usado», alertou o Papa. «Por exemplo, na vida civil e política, quando se quer fazer um golpe de Estado, os mass media começam a falar mal das pessoas, dos dirigentes e, com a calúnia e a difamação, mancham-nos. Depois chega a justiça, condena-os e no fim faz-se o golpe de Estado. É um dos sistemas mais vergonhosos». Mas precisamente «com este método perseguiram Paulo, Jesus, Estêvão e depois todos os mártires». Sem dúvida, acrescentou o Pontífice, no final é «o povo que vai ao circo e grita para ver como se trava a luta entre os mártires e as feras ou os gladiadores, mas sempre, o elo da cadeia para chegar à condenação, ou a outro interesse após a condenação é este ambiente de unidade fingida, falsa».

Mas o Papa recordou que «de modo mais restrito», tudo isto «acontece nas nossas comunidades paroquiais, por exemplo quando dois ou três começam a criticar o outro, a falar mal dele, e fazem uma unidade fingida para o condenar». Juntos, disse Francisco, «sentem-se seguros e condenam-no: condenam-no mentalmente, como atitude; depois separam-se e falam uns contra os outros, porque estão divididos». E por isso, frisou, «a tagarelice é uma atitude assassina porque mata, elimina as pessoas, anula a sua “fama”». E «a bisbilhotice foi também o que fizeram com Paulo, com Jesus: desacreditá-lo» e «uma vez desacreditado, eliminam-no». «Pensemos na grande vocação para a qual fomos chamados: a unidade com Jesus, o Pai», exortou o Pontífice. E «por este caminho devemos prosseguir, homens e mulheres que se unam e sempre procurem ir em frente na senda da unidade». Mas «não unidades falsas, inconsistentes, que só servem para dar um passo além e condenar as pessoas, levando em frente interesses que não são nossos: interesses do príncipe deste mundo, que é a destruição». O Papa concluiu a homilia, desejando «que o Senhor nos conceda a graça de percorrer sempre o caminho da verdadeira unidade».

 



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