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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O estilo do cristão

 Quinta-feira, 13 de setembro de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 40 de 4 de outubro de 2018

Segundo a lógica do mundo, «amar os inimigos» é uma «loucura». Mas é precisamente a «loucura da Cruz» que deve orientar o comportamento de cada cristão, porque se quisermos viver «como filhos» temos que ser «misericordiosos como o Pai» e não nos deixar guiar pela «lógica de Satanás», o grande acusador que procura sempre «fazer o mal ao próximo».

Foi o «estilo do cristão» que esteve no centro da meditação do Papa. Um tema, recordou na homilia, que aparece «várias vezes no Evangelho», em muitos trechos nos quais o Senhor «nos diz como deve ser a vida do discípulo, do cristão. Dá-nos sinais para progredir no caminho». Acontece, por exemplo, no sermão das bem-aventuranças, do qual sobressai «algo revolucionário, porque parece a lógica do contrário»: é «a lógica do contrário em relação ao espírito do mundo». Nessa ocasião, «o Senhor ensina-nos como deve ser o cristão». E no capítulo 25 de Mateus, onde se fala das obras de misericórdia, «o Senhor ensina-nos o que uma pessoa deve fazer para ser cristã». Descreve-se um «estilo», diante do qual, frisou Francisco, «dizemos: “Não é fácil ser cristão”. Não! Mas torna-nos felizes. É o caminho da felicidade, da paz interior».

Também a liturgia do dia se inspirou num trecho evangélico (Lc 6, 27-38) dedicado a este tema. Trata-se de um trecho no qual «o Senhor entra em detalhes, propondo-nos quatro deles para levar uma vida cristã». As palavras de Jesus são claras: «Digo-vos, a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam». São, disse o Pontífice, «quatro “mandamentos”» diante dos quais o homem normalmente fica perplexo: «Como posso amar quem me faz mal? Não me vingar, pelo menos defendendo-me». A resposta é: «Amai os vossos inimigos». Poderíamos contestar: «Mas não os posso odiar? Tenho o direito de os odiar, porque eles me odeiam, e eu devo odiá-los...». E a resposta é sempre clara: «Não. Amai os inimigos, aqueles que vos querem destruir: amai. “Fazei o bem aos que vos odeiam”».

Há um contraste entre o que parece «normal» — «Se eu souber que alguém me odeia, digo a todos os amigos: “Ele odeia-me. Ele quer destruir-me”. Entro na bisbilhotice...» — e o que é pedido ao cristão: «Não. “Fazei o bem”. Se souberes que alguém te odeia e está em necessidade ou passa por uma situação difícil, pratica o bem».

A terceira indicação de Jesus é: «Abençoai os que vos maldizem». Aqui entramos na «lógica da resposta. Alguém te amaldiçoa e tu reages a alto nível; o outro faz aumentar o grau da maldição e o ódio cresce e acaba em guerra. É a lógica dos insultos. Insultando-se, acaba-se em guerra. Ao contrário, o Senhor diz: «Não! Espera, “abençoa”. Amaldiçoou-te? Abençoa-o».

Depois, «a mais difícil é a que vem agora: “Orai pelos que vos injuriam”». A tal propósito, Francisco pediu: «Quanto tempo de oração dedico a pedir ao Senhor pelas pessoas molestas, por quantos me incomodam ou até me tratam mal?». É bom fazer «um exame de consciência».

Tudo isto, resumiu o Papa, «é o estilo cristão, o modo de viver cristão». Poder-se-ia perguntar: «Mas se eu não praticar estas quatro ações — amar os inimigos, fazer o bem aos que me odeiam, abençoar os que me maldizem e rezar por quantos me injuriam — não sou cristão?». Até neste caso a resposta é clara: «Sim, és cristão porque recebeste o Batismo, mas não vives como cristão. Vives como pagão, com o espírito da mundanidade». E, acrescentou, «não se trata de imagens poéticas: é isto que o Senhor quer que façamos. Assim, direto». São indicações concretas, pois «é muito fácil reunir-nos para falar mal dos inimigos ou dos que pertencem a um partido diferente, ou ainda daqueles que não gozam da nossa simpatia. Mas a lógica cristã é o contrário».

E não há exceções: «“Mas padre, é preciso seguir sempre isto?”. Sim. “Mas é uma loucura” Sim. Paulo di-lo claramente: “A loucura da Cruz”. Se, como cristão, não te apaixonares por esta “loucura da Cruz”, não entendeste o que significa ser cristão».

Para confirmar o que disse, o Papa retomou o texto evangélico para frisar a diferença que o próprio Jesus faz entre cristãos e pagãos: «Usa a palavra “pecadores”. “pagãos”, “pecadores”, “mundanos”». A síntese deste raciocínio é oferecida pela própria Escritura, onde o Senhor, como que num «resumo», explica o motivo de certas indicações: «Amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem nada esperar, e sereis filhos do Altíssimo, porque ele é benévolo para com os ingratos e os malvados. Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso». Portanto, o fim de tudo, explicou Francisco, é «chegar a comportar-nos como filhos, filhos do nosso Pai, que sempre pratica o bem, que é “misericordioso”: esta é a palavra-chave».

Por isso, «lendo, ouvindo estas indicações de Jesus, podemos perguntar-nos: sou misericordioso?». Podemos «entrar no mistério da misericórdia» e questionar-nos: «O Senhor foi misericordioso para comigo? Senti a misericórdia do Senhor? Se sou misericordioso, sou filho do Pai». E assim como às vezes se diz de uma criança: «Como se parece com o pai!», de igual modo «somente os misericordiosos se assemelham a Deus Pai», porque este «é o estilo do Pai».

Mas este caminho, avisou o Papa, é contracorrente, «não acusa o próximo» e «vai contra o espírito do mundo». Com efeito, «no meio de nós está o grande acusador, que sempre nos acusa diante de Deus para nos destruir. Satanás: ele é o grande acusador. E quando entro nesta lógica de acusar, amaldiçoar, procurar fazer o mal ao outro, entro na lógica do grande acusador, que é destruidor, que não conhece a palavra “misericórdia”, não a conhece porque nunca a viveu».

Portanto, disse Francisco, o caminho do cristão está sempre perante uma encruzilhada: por um lado «o convite do Senhor» a «ser misericordioso, um convite que é uma graça, uma graça de filiação, para se assemelhar ao Pai». Por outro, «o grande acusador, Satanás, que nos impele a acusar os outros para os destruir». Não se pode, concluiu o Pontífice, «entrar na lógica do acusador»; aliás, «a única acusação que, a nós cristãos, é lícito fazer é acusar-nos a nós mesmos. Para os outros, unicamente a misericórdia, porque somos filhos do Pai, que é misericordioso».

 



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