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ENCONTRO DO PAPA FRANCISCO
COM OS ESTUDANTES DOS COLÉGIOS PONTIFÍCIOS
E INTERNATOS ECLESIÁSTICOS DE ROMA

Sala Paulo VI
Sexta-feira, 16 de março de 2018

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[Louis] Santo Padre, chamo-me Louis, sou um seminarista francês e, em nome de todos os que estão aqui e provêm da Europa, gostaria de lhe fazer uma pergunta. Estamos convictos de que a vida de discipulado e missionária é o fundamento da configuração a Cristo servo e pastor; como perseverar no caminho do discipulado, sem jamais separar o ministério presbiteral de uma humilde atitude pastoral e fraterna? Obrigado!

Discípulos, missionários e também fraternos, não é verdade? Pois ninguém caminho sozinho. Há pessoas que caminham sós, mas o discípulo missionário não pode caminhar sozinho. E direi algumas palavras-chave que talvez vos ajudem a pensar. A primeira: a caminho. O missionário está a caminho. Se és presbítero, não podes ser um sacerdote “quieto”, um padre de sacristia, de escritório paroquial, um sacerdote que escreveu na porta: “Recebe-se à segunda, quarta e sexta-feira, de tal hora a tal hora” e “Confessa-se em tal dia, de tal hora a tal hora”: pecai antes, porque depois não se confessa. [riem]. Não se pode! Tu estás a caminho. E vem-me à mente um bom sacerdote, bom, que era pároco num bairro de lata. E certo dia, quando fui visitá-lo, ele disse-me: “Há dias em que gostaria de cobrir as janelas e a porta com cimento armado, porque ‘toc toc’, ‘toc toc’, ‘Padre’, ‘toc toc’, um atrás do outro”. E o dia é a caminho, sempre a caminho, à espera dos telefonemas, cumprindo o serviço... a caminho.

E ao longo do caminho há surpresas; é necessário descobrir as surpresas; por isso, “a caminho” significa também “à escuta”. Tu és missionário, mas também discípulo, e o discipulado leva-te à escuta. À escuta do Senhor. Sim, no seminário é fácil porque, segundo o horário, de tal hora a tal hora, a oração; de tal hora a tal hora, a escuta do Senhor; de tal hora a tal hora, o estudo... Mas assim não funciona! A vida inteira deve ser à escuta, pelo menos aberta à escuta. E se tu não entendes, se não compreendes o que ouves, faz aquilo que fez Samuel: vai [Eli, o idoso sacerdote]. “Que significa esta voz?” — “Tu diz’: fala, que o teu servo te ouve”. Sempre à escuta. Escuta não apenas das palavras, não só daquilo que diz o povo de Deus, não somente das necessidades da humanidade, dos problemas, mas também escuta na oração. “O senhor sabe, Padre, que Deus não fala, parece que a Palavra se apagou, como no tempo de Samuel...”. Não, a Palavra não se apagou! Tu apagaste o zelo, mudaste um pouco de registo e só aprendeste a ouvir determinadas coisas. Não me digas que és surdo, não! Todos nós ouvimos. Mas onde está o teu registo de escuta? É uma pergunta que deveis formular: “Onde está o teu registo de escuta? O que escuto com mais facilidade?”.

Homens a caminho, homens à escuta. E, quer a caminho, quer à escuta, nunca sozinhos. Três situações: a caminho, à escuta e em fraternidade, em companhia. “Mas isto é fácil!”. Não é fácil. Agora é fácil, porque estais todos reunidos, todos num colégio com muitos sacerdotes ao vosso serviço que vos ajudam; mas quando estiverdes numa paróquia, quando estiverdes numa universidade para ensinar, não será fácil, porque a comodidade, a mundanidade vos levarão a não estar a caminho. Porque estar a caminho é cansativo. “Sim, mas trata-se de um caminho curto, breve, até aqui...”, e assim a vida começa a diminuir. Levar-te-á a ouvir somente aquilo que quiseres escutar, como aqueles surdos que não ouvem certas coisas, mas escutam outras, não é? Surdos por escolha. Mas ninguém dirá: “Quero ser surdo somente para não ouvir”, não! Ninguém o diz. Mas se não fores vigilante, a vida levar-te-á a isto; levar-te-á a isto. E depois, “sozinho”. “Sim, vou com os amigos sacerdotes...”. Mas és capaz de falar com os teus amigos presbíteros sobre os problemas que tens na paróquia, na diocese, na tua comunidade, com Deus? Muitas vezes nós partilhamos com os amigos as coisas divertidas, e isto é bom. Apenas [mencionamos] algum problema que houve... mas depois, se não levarmos a sério esta partilha, a partilha da vida como ela é, acabaremos na bisbilhotice, a qual é um pouco como o ar que faz mal... Então estaremos acompanhados, mas mal acompanhados.

Por isso, à tua pergunta, responderei: sempre a caminho. Mas discerne o caminho: que seja a vereda certa. Sempre à escuta, e pede a graça de discernir aquilo que sentes, para encontrar a vontade de Deus; também para te corrigires, quando houver situações desagradáveis, algo que não funciona. E nunca sozinhos: sempre acompanhados. E há a fraternidade — vi que outra das perguntas se refere a este tema — há a fraternidade com os amigos, com os sacerdotes mais próximos; mas existe outra fraternidade, que vós deveis preservar: a fraternidade para com o sacerdote, ou com o monge, ou com o leigo, com aquele que Deus colocar perto de ti, no acompanhamento espiritual. Pois a direção espiritual é um carisma laical, não é? Não é necessariamente presbiteral, é laical. Também presbiteral, mas enquanto laical. E é preciso ter a coragem de contar com uma pessoa que te acompanhe: na tua vida interior, na tua vida de fidelidade e de infidelidade. “Sim, Padre, confesso-me sempre”. Não, uma coisa é o confessor: onde fores, diz os teus pecados, ele perdoa-te e acaba ali. E outra coisa é quem te acompanha: são duas situações diferentes. E é melhor que não seja a mesma pessoa. Um é o confessor, e o outro é quem te acompanha, e não deve ser necessariamente sacerdote: pode ser um monge, qualquer pessoa. Mas que tenha o carisma para te acompanhar. Contudo, se estiveres parado, se andares sozinho ou escolheres somente aqueles que te divertem um pouco e nada mais, e depois se não tiveres a capacidade de te unires em comunidade, nem de te deixares acompanhar por outrem, e se não ouvires, ficarás ali parado. A capacidade de ouvir é um pouco como uma oração. E como rezas tu? Como o papagaio? Ou rezas com os teus pensamentos, seguindo os teus pensamentos, e confundes a oração com o seguimento dos teus pensamentos? Sabes rezar em silêncio, para escutar?

Acho que estas considerações ajudarão a responder à pergunta que me dirigiste: não, não é fácil! Hoje é facílimo para todos vós. Mas preparai-vos para quando vierem os demónios da vida, quando vier o demónio meridiano, o famoso “cuarentazo” [da meia-idade]; e quando chegarem muitas outras dificuldades, todas derivadas do pecado original e da tentação do diabo. A propósito do diabo, recentemente aproximou-se de mim um sacerdote que lera algo que eu escrevi sobre a vida espiritual, não me recordo do que se tratava, e disse-me: “Esteja atento, porque aquela vez o senhor mencionou o diabo, e ele vingar-se-á! É melhor não mencionar o diabo, fazer de conta que não existe”. Não, o diabo existe! E o diabo — como diz Pedro — faz a ronda, como “leo rugens” [leão que ruge]. Estou convicto de que se agora eu vos fizer uma pergunta, levantareis a mão: “Acreditais em Deus?” — “sim” — “acreditais em Deus Pai?” — “sim”, todos — “e em Deu Filho?” — “sim” — “e em Deus Espírito Santo?” — “sim” — “e no diabo?” — “mas... depende... é um mito, não é muito claro...”. [riem]. Ou então, com palavras direis: “Sim, sim, acreditamos!”, mas depois, tendes o ‘faro’ para o descobrir, quando se aproxima? E isto faz-se com o discernimento e com o acompanhamento espiritual. Mas não me quero deter muito neste assunto. Acho que respondi à tua pergunta, mais ou menos. Obrigado!

[Nebil] Bom dia, querido Santo Padre. Chamo-me Nebil, sou seminarista e venho da África, do Sudão. Estou aqui para representar aqueles que provêm do continente africano. A “Ratio fundamentalis” convida-nos sempre ao discernimento da nossa vocação, inclusive depois da ordenação presbiteral. Na sua experiência, como viveu este discernimento continuo? O que aconselha para discernir bem, para este discernimento ao longo de todo o percurso da nossa vida? Obrigado!

Sou eu que te agradeço. Disseste: “Querido Santo Padre”. Obrigado, querido filho! As más-línguas dizem que “hoje o discernimento está na moda: este Papa veio aqui com esta história... Que tem ele a ver com isto?”. Mas o discernimento está no Evangelho! precisamente no Evangelho e em toda a história da Igreja: é uma história de discernimento; e a história das almas é uma história de discernimento. Discernir, como a Ratio fundamentalis insiste muito. Saber entender na vida: isto sim, isso não; aquilo vem de Deus, isto vem de mim, isso vem do diabo. Isto é elementar, é elementar: trata-se de uma linguagem fundamental para a vida de cada cristão, ainda mais de um sacerdote. Discernir! Mas existem duas condições para que o discernimento seja certo e verdadeiro. Primeiro, que se faça em oração, isto é, perante Deus, na presença do Senhor. Saber entender bem aquilo que acontece no meu coração, na minha alma. “Devo fazer isto... mas isso não me deixa tranquilo...; está bem... porquê?” — na oração. E segundo, é preciso confrontar-se, ter alguém com quem se confrontar sobre aquilo que levo em frente; uma testemunha: uma testemunha próxima, que não fala mas ouve e depois dá as orientações. Não te resolve [o problema], mas diz-te: considera isto, isso, aquilo... esta não parece ser uma boa inspiração, por este motivo, aquela sim... Mas vai em frente e decide tu! Contudo ajuda-te, e é importante contar com ele desde o início. Esta foi a experiência que eu tive. Descobri o desejo do discernimento quando estudava filosofia. Frequentei dois anos de noviciado — sem discernimento [riem, ri] — sim, bem, rezava-se; eu ia ter com o padre espiritual, com o padre mestre e dizia: “Senti isto...”. E ele esclarecia-me as situações à maneira, digamos assim, daquela época... Refiro-me ao ano de 1958, e recentemente fiz 60 anos de noviciado. Mas quando cheguei à filosofia, depois de um ano de humanismo, ali havia um professor de metafísica, um jesuíta muito bom, padre Fiorito, que era também o decano de filosofia. Era um “adepto” da espiritualidade inaciana e um especialista, um especialista não apenas teórico, mas prático do discernimento. E ali ensinou-nos muito. E na teologia fiz com ele o mês de Exercícios espirituais; aquele homem ajudou-me muito a discernir. Além disso, quando eu estava para concluir o cargo de provincial, repeti o mês a fim de me preparar para assumir outra função; e foi ali que aprendi o discernimento. Comecei na filosofia, porque encontrei aquele homem que possuía este carisma. Era um filósofo, que obtivera a licenciatura, e fizera a tese de doutoramento sobre a vontade de Deus em S. Tomás; depois ensinou metafísica e em seguida foi decano e padre espiritual; foi o meu padre espiritual até ao fim, quando faleceu. Esta foi a minha experiência: ajudou-me sempre. Mas eu nem sempre a descrevia. Com o passar do tempo, quando fazes o discernimento, torna-se natural fazê-lo: “Isto é mau, é mau mas agrada-me”, e vou em frente. Mas tu sabes que vais em frente com algo negativo. Isto aconteceu comigo. Contudo, dizes a verdade diante de Deus. É preciso conhecer as situações: “Esta é uma porta aberta, acho que devo avançar e ver o que o Senhor me diz...”. Então começo a percorrer esta senda. E o discernimento é um pouco assim, leva consigo a vida. Mas é bom ter sempre uma testemunha, alguém com quem se confrontar no meu êxito, numa situação, noutra e noutra ainda... O discernimento é importante. Quando não há discernimento — prestai atenção a isto! — quando na vida sacerdotal não existe discernimento — porque o ideal, quando o sacerdote é maduro, é o discernimento feito quase com naturalidade, que deriva da prática constante, que vem sozinho, e depois vem o confronto, mas vai sempre em frente — mas quando não existe discernimento, há rigidez e casuística. Quando na vida não és capaz de progredir com aquilo que te acontece ou com as coisas que ocorrem fora e não as consegues julgar, serás rígido ou cairás na casuística, na lógica do “isto pode-se, isso não se pode”. E tudo permanece fechado. O Espírito Santo não trabalha! Pois Aquele que te ajuda no discernimento é o Espírito Santo, mas nós temos medo do Espírito Santo... Ou então muitas vezes não o inserimos na nossa vida, como companheiro de caminho. É precisamente Ele que realiza a nossa santidade; é exatamente Ele que nos impele rumo à missionariedade; é precisamente Ele que prepara a nossa alma para a escuta. E é exatamente Ele que cria em nós a emoção espiritual que nós mesmos devemos discernir. O Espírito Santo... Temos medo do Espírito Santo; sentimos sempre a tentação de o engaiolar, quer em gestos, quer em doutrinas, mas que não se mova demasiado. Mas na Igreja é Ele que se move. Discernir o Espírito: onde está o Espírito... Por exemplo, que fez Pedro quando foi visitar Cornélio (cf. At cap. 10)? Viu que ali o Espírito agia e entendeu, fez o discernimento espontâneo: “Este é o Espírito de Deus, e se o Espírito desceu, eu batizo”. Ponto! Toma a decisão num clima de discernimento. Que faz Filipe, quando o Espírito o envia àquela encruzilhada de estradas, por onde passava o ministro da economia da rainha (cf. At 8, 26-40)? Vai, escuta, ouve que ele lê Isaías e começa a conversa; e o outro diz-lhe que não entende nada disto; explica-lhe, mas sente que é o Espírito que o leva e, no final, o Espírito age no coração do ministro da economia: vê a água e pede o batismo... Não é fácil converter um ministro da economia! [riem]. Mas o Espírito Santo conseguiu fazê-lo. E como reagiu Filipe? Não disse: “Mas... eu não trouxe o livro de batismos... não trouxe o óleo para te batizar...”. Não! Dá ouvidos ao Espírito, vai e batiza-o; senão, o Espírito pega nele pelos cabelos e leva-o para outra parte. [riem]. Por que digo isto? Porque quando vives no Espírito, sais e libertas-te do “pode-se, não se pode”. Isto não quer dizer que podes fazer qualquer coisa, não! Mas sais da prisão da casuística, sais da prisão da rigidez. É outra linguagem, mas trata-se de uma linguagem mais difícil: é um modo de agir mais difícil, porque ali te envolves de uma maneira diferente. Não deixas que os livros digam isto ou aquilo. Mas para isto é necessário ter familiaridade com o Espírito Santo. Quando os Apóstolos, no primeiro Concílio de Jerusalém, devem decidir como agir com aqueles que provêm do paganismo, como começam a escrever a carta? “Pareceu-nos, ao Espírito e a nós...”. Realizaram o Concílio e deram a resposta no Espírito. Mas vós, na vida, devereis caminhar sempre no Espírito: no Espírito e na verdade. Com o Espírito Santo que, como Paulo nos narra quando foi àquela cidade [Éfeso] — não me recordo qual — que “nem sequer sabiam que existia um Espírito Santo” (cf. At 19, 1-7). E muitíssimos sacerdotes — digo-o com espírito positivo, com ternura e com amor — tantos sacerdotes vivem bem, na graça de Deus, mas como se o Espírito não existisse. Sim, sabem que existe um Espírito Santo, mas não faz parte da vida deles. Esta é a importância do discernimento: entender o que o Espírito faz em mim, mas também como age o espírito inimigo e o que faz o meu espírito. São três, o diálogo é a três, o discernimento é a três, não a dois. Há o tentador, aquele que traz a tentação, e há também o meu temperamento, os meus hábitos, porque o homem não é corpo e alma: é corpo, alma e espírito. Aqui há tudo!

Não sei se aqui escrevi algo sobre o discernimento... [consulta os seus apontamentos]. Sim, o discernimento, aquele que te confere um estilo espiritual... “Mas como é bom aquele sacerdote, é muito espiritual!” — “Por que o diz?” — “Mas é sempre assim...”. Não, a bondade está sempre na benevolência interior unida ao diálogo com o Espírito. Com o Espírito! Como é bom aquele sacerdote: sim, é bom porque dá ouvidos a todos, ouve Deus, caminha sempre, mantém sempre o coração aberto, ama, reza... aquele presbítero é bom! E é feliz. Há um amigo do Espírito Santo — isto parece ser uma blasfémia, mas não é; trata-se de uma minha reflexão — quando há o Espírito Santo, ele semeia sempre a alegria e também o sentido de humor. E para compreender se uma pessoa alcançou uma grande maturidade espiritual, questionemo-nos: “Ela tem sentido de humor?”. De um sacerdote que morava aqui em Roma, e depois voltou para o Líbano, onde faleceu — um homem com fama de santidade, faleceu idoso — dizia-se daquele homem: “ri de tudo: ri dos outros, ri de si mesmo e até da própria sombra”. Sentido de humor! E para mim o sentido de humor é a atitude humana — é humano! — mais próxima da graça. É aquele “relativismo” bom, o relativismo da alegria, o relativismo da espiritualidade, aquele relativismo que nasce do Espírito Santo!

Os jovens — todos vós sois jovens — os jovens narcisistas fitam-se no espelho, penteiam-se... Às vezes — aconselho-vos — olhai para o espelho e ride de vós mesmos. Ride de vós mesmos. Far-vos-á bem! [riem, aplausos].

[Jorge Moreno] Bom dia, Santo Padre. Sou Jorge Moreno, sacerdote mexicano, e com grande honra represento os meus irmãos presbíteros e seminaristas da América Latina. Então, formulo a pergunta: o Senhor Jesus chamou-nos com tudo o que somos, para uma formação integral, ou seja, humana, espiritual, intelectual e pastoral. A seu ver, quais são os meios fundamentais para salvaguardar o equilíbrio integral ao longo do percurso do ministério presbiteral? Obrigado!

Obrigado! Acho que a esta pergunta já respondi quando falei sobre ouvir, pôr-se a caminho, estar em comunidade, ter um guia espiritual, a oração... Um sujeito integral. Aqui só sublinhei a formação humana como parte integrante da totalidade. Existem sacerdotes bons, que amam Jesus Cristo, mas têm falta de desenvolvimento da personalidade, falta de educação. Encontras um presbítero assim, por exemplo um sacerdote triste mas que humanamente é incapaz de chorar; ou que é incapaz — quem me transmitiu este critério foi um sacerdote, quando eu era estudante — que é incapaz de brincar com as crianças. Ele disse-me para considerar isto: “Você brinca com os seus sobrinhos?” — “Sim!” — “Está bem!”. Este é um critério de maturidade, de integridade. Quando encontras alguém que não é capaz de fazer isto, que é incapaz de se alegrar e ou de passar tempo com outros sacerdotes amigos, ali falta algo: falta a formação humana, sobre a qual não falei. Tudo aquilo que eu disse sobre a parte espiritual é válido também aqui; mas inclusive a parte humana, a humanidade do sacerdote, o humanismo sacerdotal. Muitos presbíteros sofrem porque não são capazes de expressar o que têm dentro de si; ficaram bloqueados, eliminaram da própria personalidade aspetos muito positivos, grandes capacidades, e nisto não cresceram.

A formação humana: dela fazem parte a capacidade social, de sociabilidade, a capacidade de respeitar os outros, até aqueles que pensam de outro modo, a capacidade de se alegrar com os amigos, de jogar uma boa partida de futebol... destas coisas das quais [alguns pensam] “não, o sacerdote não pode...”. Tantas capacidades humanas que não se desenvolvem... Sobretudo a capacidade humana de se inserir educativa e harmoniosamente no contexto social. Por isso, eu disse que alguns são “educados mal”, neste sentido. Que não sabem inserir-se. E a capacidade humana de rejubilar: para mim isto é muito importante. Já falei antes sobre isto, mas retomo o assunto agora. A capacidade de se alegrar, de rejubilar por ser sacerdote, de se alegrar com os amigos presbíteros, com os fiéis, mas de rejubilar saudavelmente, de dar algumas gargalhadas, coisas boas... É verdade que nalguns lugares, em certos momentos, digamos também a capacidade humana de se inserir socialmente não foi ajudada na formação. Quando te dizem que te deves comportar assim, rigidamente, isto faz mal à capacidade humana da espontaneidade. É verdade que a espontaneidade te pode levar a alguma situação desagradável, mas este é um perigo que deves discernir, defendendo-te contra isto. Contudo, uma pessoa normal — digo normal, humana — que vai visitar um doente, que o escuta e pega na sua mão, em silêncio: isto é humano. Mas quem nada entende do humano vai visitar o doente e [diz:] “Estes sofrimentos são os padecimentos de Cristo e através deles você redime o mundo com Cristo, vá em frente...”, e o pobre enfermo, sem nada compreender, permanece mais só do que antes, pois pelo menos antes pensava: “Quando vier o sacerdote, pelo menos me dará alguma consolação”. A capacidade humana de perder tempo com os enfermos, ouvindo. A capacidade humana de acariciar bem... Ouvi bem isto: se não souberdes acariciar bem, como pais e irmãos, é possível que o diabo vos faça pagar para acariciar. Estai atentos! A capacidade humana de ser pais. Não se brinca com isto: ou és pai, ou és padrasto. A capacidade de ser pai é capacidade de fecundidade, é capacidade de dar vida ao próximo. A formação integral deve pensar em formar para a fecundidade. Não vos digo algo de novo, mas vós conheceis numerosos sacerdotes que não são pais, são “funcionários do sagrado”, como disse o Cardeal, são empregados de Deus — bons, cumprem a sua profissão — mas não são pais, não sabem dar vida, aliás, quantos de nós são solteirões, pois quando os ouvimos pregar ou falar, temos a vontade de perguntar: “Diz-me, o que tomaste hoje no pequeno-almoço? Café com leite, ou vinagre?”. [riem]. São incapazes de gerar a vida nos outros, não são fecundos.

Isto para responder à questão da integralidade. Eu já tinha falado antes sobre a parte espiritual, mas a parte humana... Interroguemo-nos acerca da fecundidade: “É ele um sacerdote fecundo?”. E existem muitos sacerdotes fecundos escondidos. O Senhor deseja que a fecundidade de alguns deles se manifeste. Na Itália existem muitos párocos bons: são padres de um povoado, conhecem a vida de todos e fazem-na crescer. Ao contrário, às vezes não se sabe, mas vê-se no coração, diariamente: quantos padres estão nos confessionários, e também quantos solteirões apavoram as pessoas: existem ambos. É uma fecundidade, a paternidade sacerdotal. Se algum de vós não deseja tornar-se sacerdote, por favor vá embora, é melhor. Pois ser solteirão faz mal à Igreja. Entendestes? Está bem. [aplausos].

[Luigi] Santo Padre, bom dia. Chamo-me Luigi, venho dos Estados Unidos e sou diácono: se Deus quiser, serei ordenado sacerdote na festa de São Filipe Neri, presbítero cheio de alegria. A “Ratio fundamentalis” revaloriza a espiritualidade do sacerdote diocesano como um caminho místico de identificação com Cristo e de humilde serviço ao povo de Deus. Gostaríamos de saber, Santidade, quais são os traços fundamentais da espiritualidade do sacerdote diocesano e como os pôr em prática no meio do trabalho pastoral diário.

Obrigado. Digo isto: é mais fácil para um religioso conhecer a própria espiritualidade, porque tem o fundador e percebe muito bem a sua espiritualidade; mas para o diocesano não é tão fácil descobri-la, e já ouvi alguém dizer: “Não, pertenço à ordem que São Pedro fundou”, diocesano, não é? [risos]. Mas ele tem uma espiritualidade. Sintetizo-a numa palavra: a espiritualidade do diocesano é a diocesanidade. Com tudo o que esta palavra significa: que não estás sozinho, estás num corpo que é a diocese, tens um pai que é o bispo e és pai de tantos fiéis. A diocesanidade. Caminhando na estrada da diocesanidade, começo a questionar-me sobre as relações da diocesanidade. A espiritualidade do sacerdote diocesano reconhece um pai: o bispo. “mas... é melhor nem falar do meu!”. Quantas vezes se estabelecem distâncias entre o sacerdote diocesano e o bispo. Compreendem-se algumas distâncias, talvez devido ao temperamento do bispo que não é fácil, mas mesmo que o bispo seja difícil, as distâncias não são justificadas. Podes aproximar-te do teu pai, não para conversar, mas só para lhe fazer sentir que é o teu pai, apenas por isto. E o teu coração permanecerá em paz. Mas se o teu coração não estiver em paz na tua relação com o bispo, algo não está bem em ti. Deixemos de lado o que não nos agrada no bispo: mas pensemos em ti, porque tu és diocesano e à tua diocesanidade falta a relação com o pai. Cada um de vós deve perguntar-se: como é o meu relacionamento com o bispo? “Mas ele é mau, é neurótico...”. Como está o meu relacionamento com o meu pai que é mau e neurótico? O que aconselharíeis a um jovem que vem ter convosco e vos diz que o pai está na prisão? Por exemplo. Ou que o pai maltrata a mãe — o bispo que maltrata a Igreja. Dareis um conselho: “Reza pelo teu pai, aproxima-te dele”, nunca diríeis: “Cancela o teu pai da tua vida”. O carisma do sacerdote diocesano é a diocesanidade e isto significa ter um pai.

Depois, significa ter irmãos, estar inserido num corpo presbiteral. E como te comportas com o presbitério? Comportas-te bem, a tua pertença ao presbitério é leal, aberta, sincera? Permites dizer tudo o que te vem à mente? Ou aprendeste a praticar a autocensura para não fazer má figura? Aprendeste a fazer de contas ou a olhar para o outro lado? Uma fraternidade assim não está bem! És irmão dos teus irmãos presbíteros e isto deve crescer sempre. Não digo amigo íntimo, não, não é possível, isto não é real. Irmão. “Sim, vou às reuniões”. E quando alguém do qual não gostas se pronuncia, o julgas imediatamente ou tentas ouvir e entender bem o que ele diz? As relações no presbitério: gosto deste, aquele prefiro não o encontrar... Examinai-vos sobre isto. É o vosso carisma! É um presbitério. E quando a reunião acaba, por exemplo, vou embora com dois ou três amigos e começamos a falar contra este e aquele... “Mas olha o que disse aquele parvo, o que disse aquele outro...”. O mexerico é a lepra! É a lepra de um presbitério! As bisbilhotices são a lepra! É uma maneira de dizer “dou-te graças, Senhor, porque não sou como aqueles”, e de se afastar deles.

A relação com o pai, com os irmãos. E depois, o padre diocesano tem filhos: o relacionamento com os teus fiéis, com aqueles da paróquia na qual trabalhas. Como é este relacionamento? O de olhar para o relógio para sair cedo? Não deixar que as pessoas falem? Manter as pessoas à distância? — a distância nociva não a distância boa. Porque o segredo do bom pai espiritual, do bom padre é aproximar-se bem e afastar-se bem. Sabeis que há alguns que se aproximam mal ou se afastam mal. Isto não é bom. O carisma é a diocesanidade e deveis permanecer em relações que estão inseridas na diocesanidade: os relacionamentos com o pai, com os irmãos e com os fiéis. Percorrendo estes três caminhos, se trabalhardes, tornar-vos-eis santos. Porque não é fácil manter uma boa relação com o bispo por toda a vida, não é fácil ter um bom relacionamento de fraternidade, de santidade com os irmãos sacerdotes e não é fácil ter uma boa relação com os filhos na paróquia. Não sei se respondi. Diocesanidade: este é o carisma da congregação religiosa que São Pedro fundou! Concordais? [risos, aplausos].

[Michael Aguilar] Bom dia, Santo Padre. Chamo-me Michael Aguilar, sacerdote das Filipinas: venho do continente da Ásia, onde nasceu Jesus, onde nasceu a Igreja. [risos]. Gostaria de lhe formular esta pergunta: nós sacerdotes presentes em Roma encontramos uma oportunidade para a formação permanente. Como cuidar da própria formação durante este período extraordinário, e inclusive face ao futuro? Obrigado!

Agradeço-te. Não entendi bem: Jesus nasceu em Manila? [risos, aplausos].

A formação permanente é muito importante, porque é o acompanhamento da vida. Vejamos primeiramente os quatro pilares da formação: formação espiritual, intelectual, apostólica e comunitária no presbitério: quatro. Na vida, estas relações devem amadurecer sempre e serem formadas cada vez mais. Por exemplo, na parte pastoral deve haver novidades pastorais, novas abordagens pastorais, estar atualizados sobre isto; o mesmo na parte intelectual e espiritual: os exercícios anuais, os encontros entre vós e o resto. E a parte comunitária, antes já falei um pouco a propósito do presbitério.

Agora, respondendo à tua pergunta direi algo que devemos compreender melhor. Antes de tudo, a formação permanente nasceu da experiência da própria debilidade; não te dão um certificado de santidade perpétua quando és ordenado: mandam-te trabalhar e que Deus te ajude e os corvos não te comam. Seja claro: estás ciente da tua debilidade? Formulai esta pergunta todos os dias. “Estou consciente da minha debilidade? E quais são os pontos onde sou mais frágil?”. Não é algo tetro, mas a verdade: somos débeis. Estás ciente do teu ponto fraco? É a primeira pergunta que deveis fazer sempre, e se não o encontrares hoje [o teu ponto fraco], será amanhã e se não o encontrares amanhã, será depois de amanhã. E se não encontrares o teu ponto fraco, se não o perceberes, procura alguém que te ajude a encontrá-lo, no diálogo espiritual.

Depois, há outro risco: o de [pensar] “Sim, celebro a Missa, faço isto, é uma paróquia...” — “E como está a paróquia?” — “Ah, está muito bem. estou a fazer isto, aquilo...”. O risco de se tornar empregado do sagrado. Não, tu és sacerdote. Não és empregado do sagrado. Aconteceu a mim certa vez que chegou um advogado — jovem, 26 anos, mais ou menos — e disse: “Padre, vou casar daqui a 15 dias — estava próximo — e fui procurar as certidões na paróquia onde fui batizado, deram-me imediatamente a certidão de batismo e até me felicitaram, então perguntei: devo pagar? Não, mas se quiser deixar uma oferta, deixe-a ali, contudo não se paga. Mas ontem fui à paróquia na qual devo pedir a autorização para me casar noutra paróquia e disseram-me: Sim, amanhã estará pronta, mas volte com tanto, deve pagar uma boa soma”. Seriam quase o equivalente a 70 dólares. E ele teve a coragem, dado que trabalhava no centro da cidade, de entrar no paço episcopal e perguntar se o bispo estava e se o recebia. Estava desolado e dizia: “Padre, queremos fazer tudo bem feito: não só dar início a uma convivência, mas preparamo-nos bem para o matrimónio... e vou à igreja e fazem-me isto...” — “Tranquilo, vais amanhã e quando te disserem para pagar diz que vieste ter comigo e eu disse que pago eu”. O sacerdote daquela paróquia era um empregado do sagrado. É um exemplo terrível mas aconteceu, isto acontece! Com o dinheiro e também com as atitudes. Por favor, prestai atenção para não vos tornardes empregados do sagrado.

Depois, a cultura contemporânea. Como me comporto com o meu telemóvel, nas minhas comunicações virtuais? Sabeis bem do que falo: o que procuro ver por curiosidade? E vós o sabeis. Há a cultura contemporânea que entra na minha alma e a contamina. Depois, a atração do poder e das riquezas: é sempre assim. Santo Inácio ensina nos Exercícios que há três degraus. O primeiro a riqueza, o segundo a vaidade e o terceiro a soberba, isto é, o poder. O diabo entra pelos bolsos, não é? Gosto do dinheiro? Gosto da vaidade? Esta é uma das dificuldades. Enumero algumas das dificuldades da vida sacerdotal, depois falarei um pouco da formação permanente.

O desafio do celibato. Sobre isto estai preparados porque: “Se tivesse conhecido esta mulher antes de me ordenar"”. Em espanhol dizemos: “tarde piaste”, isto é “percebeste tarde”. Mas sois homens normais, tendes o desejo de estar com uma mulher, para amar. E quando aparece esta possibilidade, como reagis? Sentis o desejo de gerar filhos? Não só espirituais, mas outros? Isto é algo que temos na nossa natureza e que nos foi dado por Deus. E depois, a comodidade no próprio ministério: “mas, se é mais cómodo não o faças com muito esforço...”. Estas situações que enumerei, agora que estais a estudar, são fáceis de resolver, mas na vida estareis mais sozinhos e encontrareis estas realidades. Umas são más, outras boas; mas estarão presentes. E por isso a formação permanente deve ser sempre importante. Não só para resolver as tentações mas também para estar na atualidade, no desenvolvimento da pastoral, da teologia, da vida da Igreja. Mas por favor ide sempre aos cursos espirituais da diocese, aos cursos de atualização e, se pensardes que é necessário, depois de alguns anos, pedi ao bispo para fazer um ou dois meses de formação; mas sempre, devido a todas essas coisas que acontecem.

É quase hora. Temos que concluir. Antes porém, farei um pouco de publicidade. [risos].

Há dois livros que vos ajudarão. O primeiro é uma Carta pastoral que o bispo de Albano escreveu recentemente: “Custodiamo il nostro desiderio”, falando do desejo sacerdotal, do modo como conservar o desejo. É uma jóia, recomendo-o, é bom. Procurai, é preciso lê-lo. Talvez o encontreis na internet, lede-o porque ajudará a conservar o desejo interior, o desejo de Deus, o desejo do apostolado, o desejo bom que nos dá. Então, recomendo este livro: é muito bom.

E outro que saiu há duas semanas: “10 cose che Papa Francesco propone ai sacerdoti”. [risos]. São simples. E pode ser um vade-mécum: é pequenino, lê-se bem mas é necessário relê-lo para não o esquecer.

Agradeço-vos esta reunião: gosto muito de me encontrar convosco; é uma das coisas que nos faz bem sempre, encontrarmo-nos para nos ajudarmos a ir em frente na comunicação da fé comum. Assim Paulo justifica a Carta aos Romanos, cap. 1, versículo 12: comunicar a própria fé para ir em frente.

Rezai por mim. Rezai uns pelos outros. Rezai pelos vossos superiores. Rezai pelo vosso bispo. Que o Senhor vos abençoe.

Convido-vos a recitar o Angelus:

Angelus Domini...

[Bênção].

Bom almoço!

 

 



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