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INAUGURAÇÃO DOS "ESTADOS GERAIS DA NATALIDADE"

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

Auditório della Conciliazione, Roma
Sexta-feira, 14 de maio de 2021

Multimídia]


 

Estimados irmãos e irmãs!

Saúdo-vos cordialmente e agradeço ao Presidente do Fórum das associações familiares , Gianluigi De Palo, o convite e as suas palavras de introdução. Agradeço ao Dr. Mario Draghi, Presidente do Governo, as suas palavras claras e esperançosas. Agradeço a todos vós, que hoje refletis sobre o urgente tema da natalidade, basilar para inverter a tendência e levar a Itália a reiniciar, a partir da vida, a partir do ser humano. E é bom que o façais juntos, envolvendo as empresas, os bancos, a cultura, os meios de comunicação, o desporto e o espetáculo. Na realidade, há muitas outras pessoas aqui convosco: há sobretudo os jovens que sonham. Os dados dizem que a maioria dos jovens deseja ter filhos. Mas os seus sonhos de vida, rebentos de renascimento do país, colidem com um inverno demográfico ainda frio e escuro: apenas metade dos jovens considera que conseguirá ter dois filhos durante a vida.

Assim, a Itália encontra-se há dois anos com o menor número de nascimentos na Europa, no que se torna o velho  Continente não já pela sua história gloriosa, mas pela sua idade avançada. Este nosso país, onde todos os anos é como se desaparecesse uma cidade com mais de duzentos mil habitantes, em 2020 atingiu o número mais baixo de nascimentos desde a unidade nacional: não somente por causa da Covid, mas devido a uma contínua e progressiva tendência decrescente, um inverno cada vez mais rigoroso.

No entanto, tudo isto ainda não parece ter chamado a atenção geral, centrada no presente e no imediato. O Presidente da República reiterou a importância da natalidade, que definiu «o ponto de referência mais crítico desta época», afirmando que «as famílias não são o tecido conetivo da Itália, as famílias são a Itália» (Audiência ao Fórum das associações familiares,  11 de fevereiro de 2020). Quantas famílias nestes meses tiveram que trabalhar horas extraordinárias, dividindo a casa entre trabalho e escola, com os pais que desempenharam o papel de professores, técnicos de informática, operários, psicólogos! E quantos sacrifícios são exigidos dos avós, verdadeiros salva-vidas das famílias! Mas não só: eles constituem a memória que nos abre para o futuro!

Portanto, para que o futuro seja bom, devemos cuidar das famílias, especialmente das jovens, atormentadas por preocupações que correm o risco de paralisar os seus projetos de vida. Penso na perplexidade causada pela incerteza do emprego, penso no receio provocado pelos custos cada vez menos suportáveis para crescer os filhos: são receios que podem engolir o futuro, são areias movediças que podem afundar uma sociedade. Penso também, com tristeza, nas mulheres que, no trabalho, são desencorajadas a ter filhos ou que devem esconder a barriga. Como é possível que uma mulher se tenha que envergonhar do dom mais bonito que a vida pode oferecer? Não se deve envergonhar a mulher, mas a sociedade, pois uma sociedade que não acolhe a vida deixa de viver. As crianças são a esperança que faz renascer um povo! Na Itália, finalmente decidiu-se transformar em lei um subsídio, definido único e universal, para cada filho que nasce. Manifesto apreço às autoridades e desejo que este subsídio vá ao encontro das necessidades concretas das famílias, que fizeram e fazem tantos sacrifícios, e marque o início de reformas sociais que coloquem no centro os filhos e as famílias. Se as famílias não estiverem no fulcro do presente, não haverá futuro; mas se as famílias recomeçarem, tudo recomeçará.

Agora gostaria de considerar precisamente o reinício e oferecer-vos três pensamentos que espero sejam úteis em vista de uma almejada primavera, que nos tire do inverno demográfico. O primeiro pensamento gira em volta da palavra dom . Cada dom é recebido, e a vida é o primeiro dom que cada um recebeu. Ninguém o pode dar a si próprio. Em primeiro lugar, houve um dom. Trata-se de um antes  que no decurso da vida esquecemos, sempre tencionados a olhar para o depois, para o que podemos fazer e possuir. Mas antes de mais, recebemos um dom e somos chamados a transmiti-lo. E um filho é o maior dom para todos e vem em primeiro lugar. A um filho, a cada filho liga-se esta palavra: antes . Tal como um filho é esperado e amado antes de vir à luz, de igual modo devemos colocar antes os filhos, se quisermos ver a luz novamente após o longo inverno. Ao contrário, «a falta de filhos, que provoca o envelhecimento da população, exprime implicitamente que tudo acaba connosco, que só contam os nossos interesses individuais» (Carta Encíclica, Fratelli tutti, 19). Esquecemos a primazia do dom  — a primazia do dom! — código nascente da vida comum. Aconteceu sobretudo nas sociedades mais abastadas, mais consumistas. Com efeito, vemos que onde há mais riqueza, muitas vezes há mais indiferença e menos solidariedade, mais fechamento e menos generosidade. Ajudemo-nos a não nos perdermos nas coisas da vida, para reencontrar a vida como sentido de tudo.

Caros amigos, ajudemo-nos a reencontrar a coragem de doar, a coragem de escolher a vida. Há uma frase do Evangelho que pode ajudar quem quer que seja, até quem não crê, a orientar as suas escolhas. Jesus diz: «Onde estiver o teu tesouro, ali estará também o teu coração» (Mt  6, 21). Onde está o nosso tesouro, o tesouro da nossa sociedade? Nos filhos ou nas finanças? O que nos atrai, a família ou o lucro? Devemos ter a coragem de escolher o que vem antes, pois é ali que se porá o coração. A coragem de escolher a vida é criativa, porque não acumula nem multiplica o que já existe, mas abre-se à novidade, às surpresas: cada vida humana é a verdadeira novidade, que não conhece um antes nem um depois na história. Todos nós recebemos este dom irrepetível, e os talentos que temos servem para transmitir, de geração em geração, a primeira dádiva de Deus, o dom da vida.

O segundo pensamento que gostaria de vos oferecer está ligado a esta transmissão. Gira em volta do termo sustentabilidade , palavra-chave para construir um mundo melhor. Fala-se muitas vezes de sustentabilidade económica, tecnológica e ambiental, e assim por diante. Mas também temos que falar de sustentabilidade geracional . Não conseguiremos alimentar a produção e tutelar o meio ambiente, se não prestarmos atenção às famílias e aos filhos. O crescimento sustentável passa por aqui. É a história que o ensina. Durante as fases de reconstrução após as guerras, que nos séculos passados devastaram a Europa e o mundo, não houve reinício sem uma explosão de nascimentos, sem a capacidade de infundir confiança e esperança nas jovens gerações. Também hoje nos encontramos numa situação de reinício, difícil e cheia de expetativas: não podemos seguir modelos de crescimento míopes, como se para preparar o amanhã só fossem necessárias algumas apressadas adaptações. Não, os números dramáticos da taxa de natalidade e os números assustadores da pandemia exigem mudança e responsabilidade.

Sustentabilidade faz rima com responsabilidade: é o tempo da responsabilidade para fazer florescer a sociedade. Aqui, para além do papel primário da família, a escola é fundamental. Não pode ser uma fábrica de noções que se derramam sobre os indivíduos; deve ser o tempo privilegiado para o encontro e o crescimento humano. Na escola não se amadurece apenas mediante as notas, mas através dos rostos que se encontram. E para os jovens é essencial entrar em contacto com modelos elevados, que formem os corações e as mentes. Na educação, o exemplo faz muito, penso também nos âmbitos do espetáculo e do desporto. É triste ver modelos que só se preocupam em aparecer, sempre bonitos, jovens e em forma. Os jovens não crescem graças aos fogos de artifício da aparência; amadurecem se forem atraídos por aqueles que têm a coragem de seguir grandes sonhos, de se sacrificar pelos outros, de praticar o bem no mundo em que vivemos. E permanecer jovem não depende de selfies  nem de retoques, mas de poder um dia espelhar-se nos olhos dos próprios filhos. Ao contrário, às vezes passa a mensagem que realizar-se significa ganhar dinheiro e ter sucesso, enquanto os filhos parecem quase uma distração, que não deve impedir as aspirações pessoais. Esta mentalidade é uma gangrena para a sociedade e torna o futuro insustentável.

A sustentabilidade precisa de uma alma, e esta alma — a terceira palavra que vos proponho — é solidariedade . Também a ela associo um adjetivo: tal como é necessária uma sustentabilidade geracional , assim ocorre uma solidariedade estrutural. A solidariedade espontânea e generosa de muitas pessoas permitiu que numerosas famílias, nestes tempos difíceis, fossem em frente e enfrentassem a crescente pobreza. Contudo, não se pode permanecer no âmbito da emergência e do provisório, é necessário dar estabilidade às estruturas de apoio às famílias e de ajuda à natalidade. São indispensáveis uma política, economia, informação e cultura que promovam corajosamente a natalidade.

Em primeiro lugar, há necessidade de políticas familiares clarividentes e de grande alcance: não baseadas na busca de consenso imediato, mas no crescimento do bem comum a longo prazo. Eis a diferença entre gerir os assuntos públicos e ser bons políticos. É urgente oferecer aos jovens garantias de emprego suficientemente estável, a segurança de uma casa e incentivos para não deixar o país. Trata-se de uma tarefa que diz respeito diretamente também ao mundo da economia: como seria bom ver aumentar o número de empresários e empresas que, além de produzir lucros, promovam a vida, que tenham o cuidado de nunca explorar as pessoas com condições e horários insustentáveis, que cheguem a distribuir parte dos lucros aos trabalhadores, em vista de contribuir para um desenvolvimento inestimável, o das famílias! Trata-se de um desafio não só para a Itália, mas para numerosos países, muitas vezes ricos de recursos, mas pobres de esperança.

A solidariedade deve manifestar-se também no precioso serviço de informação, que tanto incide sobre a vida e o modo de a narrar. Estão na moda surpresas e palavras fortes, mas o critério para formar informando não é a audiência , nem a polémica, mas o crescimento humano. Precisamos de “uma informação tamanho família”, onde as pessoas falem dos outros com respeito e delicadeza, como se fossem os próprios parentes. E que, ao mesmo tempo, traga à luz os interesses e as tramas que prejudicam o bem comum, as manobras que giram em volta do dinheiro, sacrificando as famílias e as pessoas. Além disso, a solidariedade convoca o mundo da cultura, do desporto e do espetáculo a promover e valorizar a natalidade. A cultura do futuro não pode fundamentar-se no indivíduo e na mera satisfação dos seus direitos e necessidades. É urgente uma cultura que cultive a química do conjunto, a beleza do dom, o valor do sacrifício.

Queridos amigos, para concluir gostaria de vos dizer a palavra mais simples e sincera: obrigado! Obrigado pelos Estados Gerais da natalidade , obrigado a cada um de vós e a quantos acreditam na vida humana e no porvir. Às vezes tereis a impressão de gritar no deserto, de lutar contra moinhos a vento. Mas ide em frente, não vos rendais, porque é bom sonhar, sonhar o bem e construir o futuro. E sem natalidade não há futuro. Obrigado!

 



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