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COLÓQUIO DO PAPA FRANCISCO
COM SACERDOTES E SEMINARISTAS QUE ESTUDAM EM ROMA  

Sala Paulo VI
Segunda-feira, 24 de outubro de 2022

[Multimídia]

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Senhores Cardeais, senhores Bispos, sacerdotes!

Antes de mais nada, peço desculpa pelo atraso; peço-vos sinceramente desculpa! Foi uma manhã pesada, porque houve as visitas de dois Presidentes da República... Daí este atraso. Além disso, estamos já num momento em que não é fácil esperar [eram as 12h30…], porque a esta hora o estômago começa a rugir... Bem; vamos para diante!

Quando entrei e olhei, veio-me ao pensamento: aqui temos um monumento ao estado clerical! É que sois mesmo tantos, tantos padres juntos; ver-vos, é um prazer! Comecemos.

Pergunta:

Santo Padre, quero pedir-lhe um conselho sobre a direção espiritual dos sacerdotes jovens. Para os padres, é fácil ser guias espirituais dos leigos, das religiosas e daqueles que ainda estão em formação. Ao contrário – a meu ver –, para os sacerdotes, é difícil buscar uma direção espiritual junto doutro irmão sacerdote. Que conselhos daria aos presbíteros, sobretudo jovens, em ordem a procurarem esta ajuda espiritual para a sua formação? Obrigado.

Papa Francisco:

Começo por vos agradecer o interesse manifestado: fizestes 205 perguntas! Se houver tempo, faremos dez, porque todas são um pouco demais!

Obrigado, Dominique. O problema da direção espiritual: hoje prefere-se um termo menos diretivo – «acompanhamento» espiritual –, que me agrada. É obrigatório o acompanhamento espiritual, a direção espiritual? Não, não é obrigatório. Mas, se não tiveres alguém que te ajude a caminhar, cairás e darás escândalo. Às vezes é importante ser acompanhado por alguém que conheça a minha vida… E não é necessário que seja o confessor; às vezes, pode ser. Importante, porém, é que permaneçam distintos os dois papéis: vais ao confessor para que te perdoe os pecados e preparas-te sobre os pecados; vais ao diretor espiritual para lhe dizeres as coisas que sucedem no teu coração, as moções espirituais, as alegrias, as irritações… o que se passa dentro de ti. Se te relacionas só com o confessor e não com o diretor espiritual, não saberás crescer: não dá certo! Se te relacionas só com um diretor espiritual, um acompanhador, e não vais confessar os teus pecados… também isso não dá certo. São dois papéis diversos. E nas escolas de espiritualidade, como por exemplo na jesuíta, Santo Inácio diz que é melhor distingui-los: o confessor seja um, e o diretor espiritual outro. Às vezes é o mesmo, mas são duas coisas diversas, talvez feitas por uma única pessoa, mas duas coisas diversas.

Segundo. A direção espiritual não é um carisma clerical; é um carisma batismal. Os padres que dão direção espiritual têm este carisma, não porque são padres, mas porque são leigos, são batizados. Sei que há alguns da Cúria (talvez alguém de vós!) que recebem direção espiritual duma Irmã que é competente, ensina na Gregoriana: competente, é a diretora espiritual. Não há problema! É uma mulher de sabedoria espiritual, que sabe dirigir. Alguns movimentos, talvez tenham um leigo sábio, uma leiga sábia. Digo isto, porque não se trata de um carisma sacerdotal: pode ser um sacerdote, mas não é um carisma exclusivo dos sacerdotes. Entretanto, para ser diretor espiritual, requer-se uma grande unção. Por isso, à tua pergunta, responderia: em primeiro lugar, estar convicto de que devo ser acompanhado, sempre; porque, a pessoa que não é acompanhada na vida, cria bolor na alma, bolor que depois te molesta com doenças, solidões torpes, tantas coisas ruins. Preciso de ser acompanhado, de esclarecer as coisas, repassar as moções espirituais de modo que alguém me ajude a entendê-las, me ajude a ver o que o Senhor quer com isso, ver onde está a tentação (encontrei alguns estudantes de teologia que não sabiam distinguir uma graça de uma tentação). É necessário que alguém me acompanhe. Não é necessário fazê-lo todas as semanas. Vai ao diretor espiritual uma vez por mês, ou de dois em dois meses, quando tiveres assunto para conferir com ele ou com ela. Mas que isto seja claro para ti!

Como proceder para se encontrar um? Olhas com atenção e vês alguém que te atrai pelo modo como fala, ou sobre quem ouviste boas referências a fulano, a sicrano... Procura o diretor espiritual, sabendo porém que é importante, como disse, distingui-lo do confessor: são dois papéis diversos; é um carisma laical, pode fazê-lo um padre, um bispo, uma mulher, um homem leigo. E, depois, procura encontrar a pessoa que te dá confiança e simpatia espiritual. É muito importante – se compreenderdes bem o que quer dizer – esta sintonia, que ajuda tanto!

Não sei se respondi. É uma coisa importante. Isto que acabo de dizer sirva ao menos para que nenhum de vós permaneça, daqui para diante, sem direção espiritual, sem acompanhamento espiritual, porque não crescerá bem (digo-o, por experiência). De acordo? É claro para todos? Bem; vamos para diante.

Pergunta:

Santo Padre, ajude-nos a entender como, no ministério, se pode ser ponte entre o mundo da fé e o da ciência? Que conselho concreto nos pode dar a nós que, na prática pastoral, temos a responsabilidade de promover, não certamente uma contraposição, mas o diálogo entre estas duas áreas. Obrigado!

Papa Francisco:

É importante não negar o papel da ciência, mesmo da ciência que evolui, da ciência que indaga; é importante, muito importante! E os estudiosos, mas mesmo quantos não são investigadores de profissão, todas as pessoas – penso nos estudantes universitários –, todos devem estar abertos às inquietudes que vêm dos estudantes. Em primeiro lugar – diria – escutar, estar aberto às problemáticas. Se te situas dentro da problemática e te questionas: como é que pode ser? E te colocas a questão uma vez e outra. E renuncias a dar uma daquelas respostas de outrora que apareciam em livros feitos para responder a todas as dificuldades contra a Igreja, contra a nossa fé… Trata-se de respostas que não servem; são puramente teóricas e não podemos propô-las como resposta à altura dum universitário que está a estudar aquela especialidade. Ora nós temos de dar uma resposta à altura, digna do homem… Creio que isto seja muito importante: colocar diante dos seus olhos horizontes largos, amplos. E pode-se dizer: «Não conheço isso, mas tu reflete... O anúncio da fé é este; sobre este ponto, abrem-se estes horizontes, vê»! Horizonte sempre aberto, e guiá-lo... E podes dizer também: «Eu não sei como responder, mas vai encontrar tal pessoa, tal homem, tal mulher, tal padre, que é especialista nisso e poderá explicar-te». Não feches a porta; isto nunca! Mesmo que venham ter contigo com questões que intuis não serem coerentes com a moral… Se puderes responder, responde; caso contrário, procura alguém que o possa fazer e dá a indicação: «Sobre isto, podes falar com fulano, com sicrano». Mas continua sempre disponível, sempre aberto, porque uma atitude de defesa fecha o diálogo, fecha a porta. Atitude aberta: «Sim! Interessante…»

À maior parte das coisas, podemos responder nós, porque as sabemos. Quando os estudantes universitários vierem com uma dúvida, dou-vos um conselho: quando te põem uma dúvida respeitante à universidade, por exemplo os estudantes (talvez este seja o setor de maior trabalho), se for possível, responde com outra interrogação; provas assim que estás atento e cumpres com ele o mesmo gesto que teve para contigo, e fazes-lho a ele para que não se sinta demasiado seguro. «Perguntas-me isto, muito bem! E tu que achas disto?». Vemos no Evangelho que Jesus fazia isto muitas vezes. A uma pergunta que continha uma cilada, Jesus respondia com outra pergunta, e repunha o interlocutor em plena estrada intelectual. É importante responder assim ou, se não te ocorre, orientar para uma pessoa que possa responder sobre aquele aspeto científico, aquele aspeto que vai contra a fé e ao qual talvez tu não te sintas capaz de responder. Na maior parte dos casos, creio que se possa responder. Mas – não passa dum conselho que vos dou – não respondas «para o ar»: respondo a ti, a ti que me fazes a pergunta. Se te empenhaste até ao ponto de me fazeres esta pergunta, a ti eu digo isto. Era assim que fazia Jesus. Por exemplo, quando curava ao sábado, dizia: «E tu não soltas ao sábado a tua vaca da manjedoura para a levares a beber?» (cf. Lc 13, 15). Fazia-lhes ver a contradição subjacente à própria pergunta. Quando são coisas científicas sérias, que ultrapassam as nossas possibilidades, digamos que não podemos responder aquilo que não sabemos… Dizer: «Sobre isso, deves interrogar alguém que entenda mais desta ciência». Devemos ser humildes; possuir a fé não é ter resposta para tudo. O método de defesa da fé já não vale; é anacrónico. Possuir a fé, ter a graça de acreditar em Jesus Cristo é estar a caminho. E que o outro compreenda que tu estás a caminho, que não tens todas as respostas para todas as perguntas. Tempos houve em que estava na moda uma teologia de defesa, e existiam livros com perguntas e respetiva resposta para nos defendermos. Quando era jovem, usava-se tal método para nos defendermos. São respostas, umas boas outras fechadas, mas que não são de proveito para o diálogo. «Viste? Respondi-te, venci eu». Isto não! Não serve. O diálogo com a ciência deve ser sempre aberto. Responder: Isto, não to sei explicar; precisas de ir ter com tal cientista, uma pessoa que talvez te possa ajudar. Evitar a contraposição entre religião e ciência, porque esse é um mau espírito, não é o espírito verdadeiro do progresso humano. O progresso humano fará avançar a ciência e também conservar a fé.

Pergunta:

Caro Papa Francisco, neste tempo de preparação em Roma, como podemos viver o nosso ministério sem perder aquele «odor das ovelhas» próprio do nosso ministério sacerdotal? Obrigado.

Papa Francisco:

Tanto a vós que estudais, como àqueles que trabalham na Cúria ou ocupam algum cargo, não é uma coisa boa para a saúde espiritual a falta de contacto com o povo santo de Deus, o contacto presbiteral. Por isso aconselho, ou melhor, peço aos Prefeitos para verem se há alguém que não tenha um ministério, ao sábado e ao domingo, numa paróquia ou noutro lugar qualquer; se tal se verificar, convide a pessoa a fazer um ministério; e, se o não fizer, diga-lhe que tenha cuidado consigo mesma e que havemos de conversar sobre isso. É importante manter o contacto com a gente, com o povo fiel de Deus, porque há a unção do povo de Deus: são as ovelhas e – como dizias – pode-se perder o odor das ovelhas. Se as afastas, até poderás ser um teórico, um teólogo competente, um bom filósofo, um membro da Cúria utilíssimo que faz todas as coisas, mas perdeste a capacidade de sentir o odor das ovelhas. Antes, a tua alma perdeu a capacidade de se deixar reanimar pelo odor das ovelhas. Por isso creio que seja importante – diria necessário, ou melhor, obrigatório – que cada um de vós tenha ao menos uma experiência pastoral semanal: numa paróquia, numa casa de jovens ou de idosos, seja ela qual for, mas tenha contacto com o povo de Deus. Vo-lo recomendo – digo aos Prefeitos – que vejais se há alguém que não o faz: não para o punir, mas para lho propor, porque é importante. Está a perder uma grande força, uma grande força da vida sacerdotal.

Gosto de falar, aos padres, das «quatro proximidades». Proximidade com Deus: tu rezas? Proximidade com o bispo: como é a tua proximidade com o bispo? És um daqueles que critica o bispo ou pensa que «quanto mais longe [ele estiver], melhor»? Ou sentes-te próximo do bispo e vais dialogar com ele? Terceiro: proximidade entre vós. É estranho! Uma das coisas que sucede quer nos Seminários quer nos presbitérios é a falta de verdadeira proximidade fraterna entre os padres. Oh, todos com um grande sorriso! Mas, depois de sair, em pequenos grupos cortam na pele uns dos outros. Isto não é proximidade; é falta de fraternidade! E a quarta: proximidade com o povo de Deus. Se não há proximidade com o povo de Deus, não és um bom padre. E esta proximidade mantem-se e exercita-se com o ministério – neste caso – semanal.

Pergunta:

Bom dia, Santo Padre! O sacerdote é um sinal do amor de Deus pelos homens. Todavia muitas vezes tal sinal, infelizmente, é desfigurado por causa das nossas faltas. Santidade, como havemos de fazer para encontrar um equilíbrio entre a experiência da misericórdia para com as nossas faltas e o esforço por viver a virtude e alcançar a santidade? Quais são – segundo o Papa Francisco – os aspetos mais impelentes na formação dos Seminários que hão de ser destacados e tidos em consideração para que os seminaristas de hoje, como também os de amanhã, possam responder à chamada de Deus?

Papa Francisco:

Obrigado. Naquilo que disseste, queria destacar duas coisas diferentes. A primeira, usaste uma palavra de que não gosto (não estou a censurar-te! Usaste-la, mas eu não gosto dela): a palavra «equilíbrio». A vida não é um equilíbrio, meus amigos; não é um equilíbrio. E se tu encontrares alguém que pensa: «Eu sou perfeitamente equilibrado», eu dir-lhe-ia: Tu não és nada! Pois o equilíbrio, fá-lo aquele que trabalha no circo: ele faz aquelas coisas, faz o equilibrista. Mas a vida é um contínuo desequilíbrio, porque é caminhar e encontrar quer dificuldades quer coisas boas que te fazem avançar… Estas desequilibram-te sempre. Naturalmente se tens trabalhos a fazer, é verdade que precisas dum equilíbrio no trabalho, mas não deixes que falte também o teu equilíbrio afetivo – chamemos-lhes assim – que te faz balancear duma parte para a outra, dizendo: «Eu sinto-me desta parte». Mas o equilíbrio na vida passa também pela experiência de perdão e misericórdia pelo pecado. Amigos, graças a Deus que somos pecadores, e graças a Deus que temos necessidade de ir ao confessor todas as semanas ou de quinze em quinze dias (eu faço-o de quinze em quinze dias), para que nos perdoe. É um desequilíbrio grande, mas que te leva à humildade. A vida cristã é um contínuo caminhar, cair e levantar-se. Caminhar um pouco sozinhos, um pouco com os outros: não há uma tabela de marcha. Certamente colocando no carro o navegador, este ajuda-te a veres a estrada. Há conselhos de oração, de coisas que te ajudam a crescer, a vencer o desequilíbrio. Por isso, a tua pergunta, eu fá-la-ia ao contrário: Como viver no desequilíbrio, no desequilíbrio quotidiano? Não tenhais medo do desequilíbrio; somos humanos! E, no desequilíbrio, fazer o discernimento. Uma pessoa «equilibrada» não pode fazer o discernimento, porque não tem moções de espírito. No desequilíbrio, há moções de Deus que te convidam para qualquer coisa, para a vontade de fazer o bem, para te ergueres depois da queda no pecado... Sabei viver no desequilíbrio! Nele sois levados a um equilíbrio diverso; falaria dum equilíbrio dinâmico, que eu não posso sustentar; sustenta-o o Senhor: vai-te conduzindo com a unção do Espírito. Isto, a respeito do equilíbrio e do desequilíbrio.

Depois, a segunda coisa: a formação nos Seminários. Creio que, aqui, o Cardeal [Prefeito do Dicastério para o Clero] pode falar melhor do que eu dos Seminários porque são especialistas disso no Dicastério. Por exemplo, começo por dizer que o Seminário deve ter um certo número de seminaristas, para que, juntos, possam fazer «a comunidade». Dizer «nós somos cinco na diocese»: isto não é um Seminário, não passa dum Movimento paroquial. O Seminário deve contar com 25, 30… um número moderado. Se forem 200, que sejam divididos em pequenas comunidades: um número humano de grupo, de comunidade. Isto é importante. Os Seminários vultuosos – 300, todos juntos – já não são possíveis! Eram expressão doutra época. Isso não! Pequenas comunidades onde se trabalha, mas pequenas comunidades inseridas numa maior.

A formação dos seminaristas: estes devem ter uma boa formação espiritual. «Eu vou ao Seminário, estou a aprender filosofia, teologia...». Sim! Mas o espírito, onde está? Primeiro, uma boa formação espiritual, mesmo no Propedêutico. Hoje, a finalidade do Propedêutico é esta: habituar o seminarista ao discernimento espiritual, à formação espiritual, à ciência, ou melhor, às ciências do espírito. Segundo, uma séria formação intelectual. Isto não quer dizer que sejam mestres das ideias, não. Mas que saibam raciocinar e que saibam a teologia de base: isto já me deixa tranquilo; é que são necessários quatro anos para a teologia de base. Que saibam isso, mas com uma boa formação espiritual. Por isso, às vezes, é necessário agregar diversas pequenas comunidades de seminaristas numa só, para terem os professores e formadores adequados. Disse espiritual e intelectual; agora: comunitária. Em pequenos grupos, sim, mas vida comunitária: devem aprender a viver comunitariamente, para não cair depois na crítica um do outro, nos «partidos» dentro do presbitério, e tudo o mais. Isto aprende-se no Seminário. E depois, a vida apostólica. Cada Seminário possui a própria prática da vida apostólica. Habitualmente, no fim de semana, vão à paróquia: isto é muito importante, porque a vida apostólica dá-te também esta capacidade, «o odor das ovelhas» de que atrás se falava. Dá-te a capacidade de te situares na realidade. E pode acontecer encontrares um pároco neurótico, uma paróquia onde há problemas, e verás como gerir isso. Às vezes, a gente das paróquias aonde ides conhece-vos melhor do que os superiores. A minha experiência: quando pedia informações para elevar alguém às Ordens Sacras, tanto ao Diaconado como ao Presbiterado, se ele fosse jesuíta, perguntava aos irmãos coadjutores – a muitos outros, mas sempre aos irmãos coadjutores – e à gente da paróquia; e as melhores informações não me vinham dos professores: eram boas, mas as melhores vinham dos irmãos coadjutores e das mulheres das paróquias. É curioso: têm a intuição. Recordo-me dum caso: um jovem bom, inteligente, que devia ser ordenado diácono (recordo-o bem). Uma mulher da paróquia disse-me: «Eu fá-lo-ia esperar um pouco; é bom, tem todas as qualidades, mas há nele qualquer coisa que não me convence». Basta. E um irmão coadjutor disse-me: «Padre, faça-o esperar um ano; não lhe fará mal». Dos outros, só incenso. Segui aquela estrada e, depois de quatro meses, saiu por sua vontade: eclodiu uma crise. Isto é importante. O povo de Deus compreende-te bem. Portanto, a formação no Seminário tem quatro coisas: a formação espiritual deve ser séria, direção espiritual séria; formação intelectual séria, não de manual; formação comunitária entre os seminaristas; e formação apostólica.

Pergunta:

Santo Padre, a geração atual de sacerdotes e seminaristas está imersa no mundo digital e dos social media. Como podemos aprender a usar estes instrumentos de modo que sejam oportunidades para partilhar a alegria de sermos cristãos, sem esquecer a nossa identidade nem acabar muito expostos e arrogantes? Obrigado.

Papa Francisco:

Acho que tais coisas se devem usar, porque são um progresso da ciência, servem para se poder progredir na vida. Eu não as uso, porque cheguei tarde, sabeis? Há 30 anos, quando fui ordenado bispo deram-me de prenda um telemóvel, grande como um sapato. Disse para comigo: «Não! Isto não consigo usá-lo». Por fim, pensei: «Vou fazer uma chamada». Chamei a minha irmã, saudei-a. Depois, devolvi-o: «Dá-me qualquer outra coisa de prenda». Não consegui usá-lo, ou porque não se adaptava à minha psicologia ou porque era preguiçoso, não sei! A única coisa que consegui usar foi uma [máquina de escrever] olivetti com memória (só de uma linha!), que comprei, quando estava na Alemanha, num Angebot, 59 marcos. E… nada mais. Mas aquela ajudou-me; ficou em Buenos Aires tendo-a usado até vir para Roma. Não é o meu mundo. Mas vós deveis usá-los… Deveis usá-los apenas para isto, como ajuda a fim de levar a vida para diante, comunicar; para isso, está bem. Mas não posso deixar aqui de falar dos perigos: o perigo de estar a ver notícias dali e dacolá, divagando todo o dia nisso; ou o perigo de ver este programa que me interessa e depois outro, porque lá tens tudo à mão; ou o perigo de pôr uma determinada música que me interessa, mas não me deixa trabalhar... É preciso saber usá-los bem. E a propósito disto há outra coisa, que conheceis bem: a pornografia digital. Digo-a com todas as letras. Não vou pedir «levante a mão quem não teve ao menos uma experiência disso; isto não o direi. Mas cada um para si pense se teve a experiência ou teve a tentação da pornografia, no digital. É um vício que tem tanta gente, tantos leigos, tantas leigas, e também sacerdotes e religiosas. O diabo entra por aí. E não falo somente da pornografia criminosa como a de abusos das crianças (lá vês ao vivo casos de abuso), que é já degeneração; mas da pornografia digamos «normal». Queridos irmãos, tende cuidado com isto. O coração puro, o coração que recebe Jesus todos os dias, não pode receber estes dados pornográficos, que estão hoje na ordem do dia. E, se podes cancelar isso do teu telemóvel, cancela-o e assim não terás a tentação à mão; se não podes cancelá-lo, defende-te bem para não entrares nisso. Digo-vos: é uma coisa que debilita a alma. Debilita a alma. O diabo entra por aí: debilita o coração sacerdotal. Desculpai por descer a estes detalhes sobre a pornografia, mas é uma realidade: uma realidade que atinge os sacerdotes, os seminaristas, as irmãs, as almas consagradas. Compreendestes? Está bem. Isto é importante.

Pergunta:

Papa Francisco, nestes anos em Roma, eu e um meu confrade temos acompanhado um grupo de jovens depois do Crisma numa paróquia aqui perto. Vimos ambos doutros países. Um dia um jovem disse-me: «Já te deste conta de que ele – referindo-se ao meu confrade – fala o italiano melhor do que tu, mas tu usas melhor as mãos e os gestos?» Por esta observação dum jovem, compreendi que na evangelização tem valor não só o falar corretamente, mas também o acompanhar o discurso com as mãos. Importam tanto as palavras como os gestos, e talvez sejam ainda mais importantes, para os italianos, os gestos que acompanham as palavras. Na formação para o sacerdócio, ensinam-nos abundantemente como falar, como usar bem as palavras e a palavra, ensinam-nos a fazer um discurso filosófico coerente, a interpretar a Sagrada Escritura, a fazer um lindo sermão na igreja. Entretanto o Santo Padre fez-nos ver a importância dos gestos, das obras, da ternura concreta, e quão potentes são os gestos, quanto são eloquentes os nossos gestos. Vejo como o Santo Padre abraça os atribulados… e gostaria de fazer assim também eu! Vejo como beija os doentes… e quanto gostaria de fazê-lo também eu! Vejo como toca os indigentes… e gostaria de fazer igual também eu! Sei que não se aprendem os gestos da noite para o dia, e sei que nunca serei um sacerdote que prega com o exemplo, se não aprendo desde hoje a linguagem dos gestos. Santo Padre, como aprendeu estes gestos de misericórdia? Como podemos chegar a isso também nós no Seminário? Como podemos aprender esta linguagem tão importante?

Papa Francisco:

Obrigado. Onde é que eu aprendi os gestos!? Bem; os gestos, é a vida que tos ensina. Por exemplo, uma coisa que aprendi com a experiência pessoal: quando vais visitar um doente, que está mal, não deves falar muito. Pega-lhe na mão, olha-o nos olhos, diz duas palavras e permanece assim junto dele. Quando eu tinha 21 anos, na operação que me fizeram para me extrair uma parte do pulmão, vinham todos os amigos, as tias… e todos falavam: «Coragem! Depressa recuperarás, poderás falar, poderás jogar outra vez...» Eu gostava, mas cansavam-me. Um dia veio a irmã que me preparara para a Primeira Comunhão, irmã Dolores, uma velhinha boa; tomou-me a mão, olhava-me nos olhos e disse-me: «Estás a imitar Jesus». E não disse mais nada. Aquela consolou-me. Por favor, quando ides encontrar um doente, não o enchais de motivações e promessas do futuro. O gesto da proximidade fala mais com a presença do que com as palavras.

Viste gestos meus… Os gestos aprendem-se; os gestos de ternura hás de aprendê-los com os idosos, visitando os idosos. No primeiro dia, vais saudá-los mantendo a distância. Mas, depois de ires duas, três vezes encontrar os velhinhos, acabarás por os acariciar. Sente-te livre, deixa-te expressar espontaneamente. Deixa que a expressão seja total. E o mesmo, na pregação. Recordo isto que aconteceu com a minha irmã num domingo; às vezes ligo-lhe: «Como estás?» – «Estou bem, mas um pouco chateada, porque fui com o marido e os filhos à Missa fora da paróquia habitual e ouvi uma linda explicação filosófica de 40 minutos mas, da Palavra de Deus, nada!» Se não és humano com os gestos, a própria mente endurece-se e, na pregação, dirás coisas abstratas que ninguém compreende, e alguém deixar-se-á levar pela tentação de sair da igreja para fumar um cigarro e voltar, como acontece frequentemente. Há três linguagens que te fazem ver a maturidade duma pessoa: a linguagem da cabeça, a linguagem do coração e a linguagem das mãos. E nós devemos aprender a expressar-nos nestas três linguagens: pensar aquilo que sinto e faço, sentir aquilo que penso e faço, fazer aquilo que sinto e penso. Aqui uso a palavra «equilíbrio», de cima: um equilíbrio entre estas coisas. Às vezes tens vontade de oferecer uma palavra comemorativa a alguém, e preparas-lha, mas... que seja um gesto, com o pensamento, o coração e as mãos.

Quando vejo meninos doentes («quanto sofrem as crianças»: exclamava Dostoievsky), quando vejo meninos doentes, faço-lhes uma carícia... Alguém poderia acusar-te de seres pedófilo, mas não! Não te retraias com medo dessa possibilidade... E de igual modo com os velhinhos, que têm necessidade de carinho. Recordo que, em Buenos Aires, ia com frequência às casas de repouso e, às vezes, celebrava a Missa. Os velhinhos são geniais, porque te fazem as perguntas mais embaraçosas. Depois, na Missa, eu dizia: «Quem de vós comunga?» E porque muitas vezes não podem caminhar, são idosos, vão com a bengala… eu passava pelo meio deles: «Quem quer comungar, levante a mão». Todos levantavam a mão... Dou a comunhão a uma senhora, que, depois, me agarra a mão: «Obrigado, padre! Sou judia…» – «Olha que Este que te dei, também era judeu, não te preocupes!» Os idosos querem carícias, querem que os escutes, que os faças falar dos seus tempos passados, e tu aprenderás imenso.

A ternura. Aqui entramos no estilo de Deus. O estilo de Deus é a proximidade. Ele mesmo o diz no Deuteronómio: «Pensa! Qual povo tem os seus deuses assim próximo como tu Me tens a Mim?» (cf. cap. 4). A proximidade é o estilo de Deus. Fez-Se próximo na encarnação de Cristo. Está perto de nós. Sempre a proximidade. Mas uma proximidade com compaixão, porque perdoa sempre, e com ternura. Um padre bom faz-se próximo, é compassivo e terno. Com certeza é mais agradável acariciar uma jovem bonita do que uma velhinha (tende cuidado com isto!), mas a ternura cresce e exprime-se melhor nos opostos, seja nas crianças – com os pequeninos que te chamam – seja nos idosos; mas aprende-se...

O meu professor de filosofia, o padre Fiorito (era um grande padre espiritual; publicou muitos livros inclusive sobre os Exercícios inacianos, que estão traduzidos em italiano), um dia, deu uma conferência sobre os comportamentos, os fundamentos filosóficos, mas depressa se deixou resvalar para a espiritualidade e colocou esta pergunta que agora eu faria a todos vós, seminaristas, teólogos: Brincais com as crianças? Sabeis brincar com as crianças? O padre Fiorito fazia sempre esta pergunta aos pais, dizendo: «Tu, papá, quando voltas do trabalho, ou tu, mamã, brincas com os teus filhos?» A ternura aprende-se com as crianças e com os idosos. E o costume que existe de afastar os velhos, porque incomodam, priva-nos duma das fontes de ternura. O estilo de Deus – não te esqueças – é sempre proximidade, compaixão e ternura. E se te fazes próximo com compaixão e ternura, estás na boa estrada. A ternura não é «fazer o bonzinho». Às vezes, ao querer fazer o bonzinho, pode-se escorregar no papel de quem faz o estúpido. Não é isto... Ternura é aquilo que eu disse.

Pergunta:

Bom dia, Santo Padre! Quero fazer a minha pergunta partindo de dois acontecimentos importantes da Igreja Universal: os 400 anos de Propaganda fide ao serviço da missão e da evangelização e, depois, o Sínodo dos Bispos com o tema «Comunhão, participação e missão». Como poderemos nós, jovens seminaristas, sair do nosso «comodismo» para evangelizar os outros jovens? Quais são os desafios para nós, jovens que queremos tornar-nos sacerdotes no mundo de hoje? Obrigado.

Papa Francisco:

Não há um método para isso. Tu usas uma palavra muito clerical: «comodismo». Isto é, não incomodar o padre, o padre está ocupado… O comodismo leva muitas vezes os padres a procurar a sua própria tranquilidade: recebo das tantas às tantas... Uma vez um bom pároco dum bairro dizia-me que queria fazer um muro onde estava a janela, porque a gente vinha a qualquer hora e batia à janela: precisava disto, daquilo, daqueloutro, precisava duma oração, duma Missa... Disse-lhe: «E tu fizeste o muro na janela?» Respondeu-me: «Não! Não posso, padre. Sem a gente, não sou padre». Boa resposta aquela, boa! O comodismo. Há uma figura que sempre me impressionou: o sacerdote acomodado, um pouco o monsieur l’abbé das cortes francesas, um funcionário. Vós que trabalhais na Cúria, tende cuidado para não fazer o sacerdote funcionário. Este vive o sacerdócio como se fosse um emprego. É cómodo, tem os seus horários, isto compete a mim, aquilo não... E assim pouco a pouco transforma-se num «solteirão», com tantas manias: é um neurótico quotidiano. Atenção, cuidado com isto! Não devemos buscar as próprias comodidades; o sacerdócio é um serviço sagrado a Deus – serviço este no qual a Eucaristia é o grau mais alto – é um serviço à comunidade. Se não estás pronto para isso, fala com o bispo. Serás talvez um bom pai de família, mas, por favor, não sejas funcionário. Esse vive o comodismo de que falas.

Há outra coisa que acompanha este comodismo: a dimensão «escaladora», os padres escaladores, que fazem carreira. Penso que ainda se veem... Na Cúria, não; na Cúria, isto não sucede! Mas noutras partes, sim... Quando estás para proceder a uma mudança, lá chega ele... o escalador. Por favor, suspende… Com efeito o escalador, no fim de contas, é um traidor; não é um servidor. Procura a própria vantagem e, depois, não faz nada pelos outros. Eu tinha uma avó que gostava, por norma, de nos dar «catequese»: era migrante e as migrantes (com o tempo, chegaram as migrantes italianas) vinham para a América e cuidavam da casa e da educação dos filhos... E a avó ensinava-nos: «Na vida, deveis progredir», ou seja, imediatamente os tijolos, a terra, a casa; progredir, isto é, fazer-se uma posição, uma família… Ela ensinava-nos isto. Mas tende cuidado para não confundir o progredir com o escalar, porque o escalador é alguém que sobe, sobe, sobe e, quando está lá em cima, faz ver o... (e a avó dizia a palavra). Ele é assim, faz-te ver aquilo... A única coisa que os escaladores fazem é o ridículo. Sim, fazem o ridículo! Aquilo ajudou-me na vida. Mais, quando chegam as informações para os bispos – o senhor [dirigindo-se ao Cardeal Prefeito do Dicastério dos Bispos] sabe como se desenrolam as coisas –, vemos súbito as informações dos colegas: esse é um escalador, ambiciona o lugar... Tende cuidado com o comodismo e a escalada, com o fazer carreira. Quando eu era jovem costumava-se dizer, em espanhol (não sei se se usa em italiano): este escolheu a «carreira» sacerdotal. A carreira de médico, de advogado... Hoje já não é costuma falar assim, graças a Deus, mas o escalador faz carreira. Tende cuidado, estai atentos! Se tiverdes um colega assim, ajudai-o a parar, a não escalar, porque acabará por fazer ver o pior de si mesmo. E o escalador nunca está satisfeito.

Comunhão, participação e missão. É verdade! Com a comunhão, pensas nos outros; com a participação, partilhas com os outros; com a missão, pensas nos outros. Sempre o serviço: servir... A própria liturgia é um serviço. Servir os outros, e não a comodidade própria. Sobre isto, acho que não me lembra mais nada. Entendestes claramente o perigo de procurar o próprio prazer e a própria tranquilidade e o perigo de escalar? Na vida, infelizmente, há muitos carreiristas; muitos! Por favor, se algum de vós sentir esta tentação, pare. Peça conselho, para se afastar.

Pergunta:

Bom dia e muito obrigado, Santidade, por esta ocasião maravilhosa de estarmos juntos com o Santo Padre. O caminho vocacional dum seminarista está sempre marcado pelo discernimento da sua vocação. Pela minha experiência e por quanto sei da experiência dos outros, às vezes (ou mesmo na maioria dos casos) ao aperceber-se das próprias fraquezas, sente-se medo de não conseguir satisfazer as exigências da vocação sacerdotal, medo de não ser feliz no ministério; ou mesmo sente-se que não se é atraído principalmente pelo amor de Deus, mas por outros detalhes menos importantes que distinguem o sacerdócio, etc. Ao mesmo tempo, porém, sente-se fortemente a chamada de Deus quer no nosso íntimo quer através das circunstâncias que caraterizaram o próprio caminho. Neste tipo de situação, Santidade, qual poderia ser a estrada certa a seguir por um seminarista no seu processo de discernimento? E mais em geral: em que consiste um discernimento correto? Muito obrigado, Santo Padre.

Papa Francisco:

Obrigado. Antes de mais nada, digo-te que o discernimento correto não consiste num equilíbrio; não é nisto que consiste. Isto fá-lo a balança. O discernimento é sempre «desequilibrado»… Desculpa! A situação sobre a qual deves discernir é desequilibrada, porque te vêm moções de todo o lado: moções daqui, moções dali... O discernimento correto é indagar, não como se «encontra o equilíbrio», mas como aquele desequilíbrio emboca a estrada de Deus, porque o desequilíbrio resolve-se sempre num plano superior, e não no mesmo plano. E esta é uma graça da oração, uma graça da experiência espiritual. Com um desequilíbrio, ajudado por um irmão (se quiseres), vais ter com o Senhor e a oração, animada pelo anseio de fazer a vontade de Deus, leva-te a resolver o desequilíbrio, mas a um nível diferente. Sempre te leva para diante, tira-te da contradição do desequilíbrio – que não é uma contradição matemática, mas uma contradição humana – e leva-te a dar um passo em frente. Entretanto um desequilíbrio não se resolve só com uma das partes; ambas mudam para uma nova situação. E esta é a graça do acompanhamento espiritual, que nos ajuda a encontrar essa estrada para resolver os desequilíbrios.

«Neste tipo de situação, Santidade, qual poderia ser a estrada certa a seguir por um seminarista no seu processo de discernimento?» Aquela que acabo de dizer sobre o discernimento. A oração e o diálogo com a pessoa que te acompanha, seja ela um sacerdote, um amigo, uma religiosa ou um leigo, quem quer que seja. Oração e diálogo.

«Mais em geral: em que consiste um discernimento correto?» Um discernimento correto não consiste no facto de resultar dele um equilíbrio. Se é correto um discernimento, vê-lo-ás depois. Trata-se de ver, não se a decisão é «equilibrada», mas se é harmónica; uma coisa é o equilíbrio, outra coisa é a harmonia. São duas coisas diversas: o equilíbrio é uma coisa matemática, física; a harmonia é questão de beleza, se assim lhe quiseres chamar. O equilíbrio é confrontar as partes e encontrar um compromisso; a harmonia, no discernimento, é o dom do Espírito Santo. Pois o único que pode fazer a harmonia é o Espírito Santo. É um dom. São Basílio definia o Espírito Santo «Ipse harmonia est – Ele é harmonia». Já entramos no discernimento com o Espírito Santo dentro. Não podes fazer um discernimento cristão sem o Espírito Santo. E por isso o desequilíbrio entra em oração, emboca a estrada do Espírito Santo, e Ele leva-te a uma nova situação harmónica. Em seguida pode-se entrar noutra desarmonia, e será o Espírito a levar-te mais para diante. Não se trata duma realidade física, não é uma realidade intelectual, nem algo de sentimental: é a graça de receber o Espírito Santo, que é harmónico. E, com a oração, chegamos a esta graça de compreender a harmonia do Espírito. Não sei se respondi bem a isto. Diz-me: percebeste? No discernimento, não se trata de equilibrar como uma balança, mas de rezar, continuar para diante e deixar que seja o Espírito, com as moções interiores, a fazer-te avançar.

E depois, qual é o resultado dum discernimento correto? A consolação espiritual. O Espírito Santo, quando te dá a harmonia, consola-te. Diversamente, quando estás com um problema, não sentes consolação, mas desolação. Devemos aprender a usar, na nossa vida, as moções do Espírito, consolação e desolação: isto faz-me bem, aquilo deixa-me feliz, aquilo tira-me a paz... No coração, o que faz o Senhor e o que faz o diabo. Porque o diabo existe! São Pedro diz que anda em giro, gira em redor à procura de quem devorar. É o nosso perigo. Mas o Espírito é o guia. E esta é a estrada: seguir o Espírito Santo.

[depois, voltando-se para o Cardeal Lázaro You Heung-sik…] Queria ainda responder à décima pergunta, porque é de um ucraniano, e a sua pátria está a sofrer.

Pergunta:

Sim, Papa Francisco, sou um sacerdote ucraniano. Hoje vemos como há, no mundo contemporâneo, tantas guerras e conflitos armados, nomeadamente a guerra na Ucrânia. Queria perguntar-lhe: Qual é o papel que deve desempenhar a Igreja Católica a respeito dos territórios atingidos pelas guerras, e qual seria a tarefa dos sacerdotes em tais regiões? Obrigado.

Papa Francisco:

Obrigado. A Igreja Católica – a Igreja, a santa mãe Igreja – é mãe, mãe de todos os povos. E, quando estão em litígio os filhos, a mãe sofre. A Igreja deve sofrer à vista das guerras, porque as guerras são a destruição dos filhos. Como uma mãe sofre quando os filhos não se põem de acordo ou brigam e deixam de se falar (são as pequenas guerras domésticas!), a Igreja, a mãe Igreja perante uma guerra como esta no teu país, deve sofrer. Deve sofrer, chorar, rezar. Deve assistir as pessoas sobre as quais se abateram cruéis consequências como perda da casa, feridas de guerra, mortos... A Igreja é mãe e o papel primeiro é proximidade à gente que sofre. É a mãe, é como uma mãe.

Depois é também uma mãe criadora de paz: procura fazer a paz em certos momentos... Neste caso, não é muito fácil, mas deve permanecer aberto o coração da mãe Igreja... Vós, cristãos, nisto não tomeis partido. É verdade que temos a própria pátria. Isto é verdade! Devemos defendê-la. Mas é preciso ir mais além, mais além disso: um amor mais universal. E a mãe Igreja deve aproximar-se de todos, de todas as vítimas. Mais ainda, rezar pelo pecado do agressor, por este que vem aqui arruinar a minha pátria, matar os meus: eu rezo por ele? Isto é uma atitude cristã. O teu povo sofre tanto, eu sei! Estou-lhe próximo. Mas rezai pelos agressores, porque são vítimas como vós. Não se veem as feridas que têm na alma, mas rezai, rezai para que o Senhor os converta e permita que venha a paz. Isto é importante.

Pergunta:

Bom dia, Santo Padre, e obrigado! Recorda-nos a Ratio fundamentalis que o primeiro âmbito em que se desenvolve a formação permanente é a fraternidade presbiteral. De facto, um presbitério unido, no qual os sacerdotes e o seu bispo se apoiam mutuamente, celebram as alegrias e sofrem com as dificuldades alheias, contribuiria para fazer do presbitério um espaço de formação e comunhão. A partir da sua experiência de pastor, que conselho nos pode dar para se criar no presbitério relações mais fraternas, que nos ajudem a enfrentar os desafios do tempo presente? Obrigado, Santidade.

Papa Francisco:

Há tantas coisas a dizer… Em primeiro lugar, a proximidade e o dialogar uns com os outros, não criar distâncias. Aos bispos, digo: os padres são o vosso próximo primeiro, permanecei próximo dos padres. Quando ouço um padre dizer: «Liguei para a casa episcopal a fim de falar com o bispo, e a secretária respondeu-me que este mês a sua agenda estava cheia…, talvez no próximo mês!», penso que aquele bispo está a destroçar os sacerdotes. Proximidade. Por exemplo, o Arcebispo de Nápoles, há pouco nomeado, que fez? Deu o número do telemóvel a todos os padres (e os sacerdotes napolitanos são mais de mil!). – «Molestam-te?» – «Não! Mas, quando precisam, chamam-me diretamente». Esta proximidade vale tanto para o padre com o bispo como para os padres entre si. Não sei se aqui acontece isto, mas na minha pátria sucede: grupos de padres que falam mal dos outros, e há os de direita e os de esquerda, estes dum lado e aqueles do outro... isto é um veneno. É um veneno, um caruncho que corrói o corpo presbiteral. Unidade entre os presbíteros. E se tu não tens coragem para dizer as coisas na cara a alguém, engole-as. Mas não vás enganar a fome, criticando o teu irmão sacerdote. Isto não é de homens. O homem vai e diz as coisas como estão; com caridade e com amor. E se não as pode dizer concretamente ao interessado porque é um pouco violento, di-las ao bispo que é pai de todos. Mas não as digas a todos os outros. É preciso esta proximidade, para evitar que acabe mal o corpo sacerdotal. E, este e o bispo, apoiem-se reciprocamente. Às vezes o bispo é um pouco «maniento», tem as suas coisas, porque também os bispos são homens! E para terminar lembrando o modo como se deve proceder com o bispo, deixo-vos uma história que também contava a minha avó. Havia uma ótima família, mas o avô que morava com eles foi envelhecendo. Envelheceu e começava a babar-se enquanto comia e sujava-se. Um dia o pai disse à família: «a partir de amanhã, o avô comerá na cozinha. Fiz uma linda mesa e o avô sentar-se-á lá um pouco aparte, e assim já podemos convidar as pessoas de fora para comerem connosco». Passaram-se alguns dias e o pai, ao voltar do trabalho, viu o filho de seis anos que trabalhava com os pregos, a madeira... «Que estás a fazer?» – «Uma mesinha, papá!» – «Para quê?» – «Para ti, quando fores velho». É assim! Os velhos são postos aparte. Por favor, procurai conhecer o bispo como pai. E, se alguém tiver a possibilidade de lhe dizer os defeitos, que lhos diga como ao papá. É o pai; não é um inimigo nem o patrão da empresa.

Muito obrigado, amigos! Agora peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a todos: «Angelus Domini...» [Bênção]

E, quem sabe, na próxima vez veremos as 198 perguntas que sobraram.



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