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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE
AO PAQUISTÃO, FILIPINAS, GUAM, JAPÃO E ALASKA
(16 DE FEVEREIRO - 27 DE FEVEREIRO DE 1981)

SANTA MISSA COM 77 BAPTIZADOS
E A COMEMORAÇÃO DOS MÁRTIRES

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Estádio Matsuyama, Nagasaqui, Japão
Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 1981

 

Caríssimos, vós todos e particularmente vós os meus irmãos e irmãs que recebestes há instantes os Sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

1. Agora que terminámos de ouvir a passagem do Evangelho de São Mateus, é fácil para todos nós subir com Jesus ao cimo do vizinho Nishizaka, a que os primeiros cristãos do Japão chamaram "colina santa" ou "colina dos Mártires". Poderíamos também chamar-lhe Monte das Bem-aventuranças de Nagasaqui. Contemplemos a figura do Mestre que chamou a Si tantos discípulos desta cidade, sede da Igreja Mãe no Japão. Jesus fala com amor, especialmente aos muitos discípulos que se reuniram lá, perto da Sua Cruz. Os 26 Santos Protomártires, os 205 mártires beatificados por Pio IX e os seus mais de 4 mil companheiros, cujo martírio está cuidadosamente documentado (cf. J. Laures, The Catholic Church in Japan, Tóquio 1954, pp. 178-179). Esta gloriosa multidão, como a dos cristãos dos primeiros séculos, recebeu recente reconhecimento da Igreja há alguns dias, em Manila, na cerimónia de beatificação de outros 16 mártires. Estes mártires sofreram em Nishizaka nos anos 10, 11 e 14 da Era Kwanei, correspondentes aos anos 1633, 1634 e 1637 do calendário cristão, que foi o período caracterizado pelo Édito Sakoku, promulgado pelo Shogum Tokugawa Iyemitsu.

Os novos Beatos, como todos aqueles que sofreram o martírio, são proclamados "beatos" por Jesus. Porque sofreram por amor da justiça (cf. Mt 5, 10), justiça que aperfeiçoa a simplesmente humana. É a justiça que pregou Cristo no Seu Sermão da Montanha, a qual é modelo de vida para aqueles que desejam imitar o Pai que está nos céus (cf. Mt 5, 7). Antes da morte deles, como todos aqueles que são justos aos olhos de Deus, eles eram pobres em espírito, mansos, perseguidos, sedentos de justiça, misericordiosos, puros de coração; eram agentes de paz.

2. Numa palavra eram portadores e arautos de um duplo mandamento de amor, como declarou Jordão Ansalone no seu processo: "Eu venho sobretudo por este motivo, e é a mesma coisa que deseja Cristo meu Rei: o motivo que nos reúne é o amor que Ele e eu temos por vós, em conformidade com a lei dos cristãos que é baseada totalmente no amor"' (Positio super Martyrio, Roma 1979, p. 334). E é exactamente nesta perspectiva e com estes sentimentos de amor que os 16 novos beatos sentiram ser japoneses com os japoneses, cristãos com os cristãos, irmãos com os irmãos.

O amor e a missão evangélica que motivou o martírio reuni-os de cinco nacionalidades: o seu grupo era composto não só de nove japoneses, da ilha de Kyushu e da antiga capital Kyoto, mas também de 4 espanhóis, um francês, um italiano e um filipino. Guilherme Courtet e Lourenço Ruiz foram, de facto, os primeiros e os únicos a vir da França e das Filipinas morrer como mártires.

O mesmo impulso de amor unia o humilde e o grande, os 13 membros da Família de São Domingos, e os outros três devotos leigos. Escutemos um dos seus testemunhos: "O dom de Deus que mais aprecio é o de me ter enviado a este país em companhia de tão numerosos e grandes servidores seus" (Positio, p. 216). Assim escreveu Lucas Alonso del Espiritu Santo que, com Domingos Ibánez de Erquicia, pregou o Evangelho por 10 anos, chegando até à longínqua ilha de Honshu. Igualmente dignos de admiração são Tiago Kyuhei Timonaga e Tomás Hioji Rokuzaiemon, missionários na Formosa e na ilha de Kyushu. A nossa admiração vai também para Vicente Shiwozuka e Lázaro de Kyoto que, embora exilados em consequência do Édito de 1614, decidiram em 1636 voltar à terra natal para viverem lá, até à sua última consumação, aquele baptismo que lá tinham recebido. Pensamos também em Madalena de Nagasaqui, a corajosa colaboradora dos Padres Agostinhos e Dominicanos, e em Marina de Omura, que é venerada pelas mulheres do Japão como advogada da fortaleza com o nome bíblico de "mulher forte" (cf. Positio, p. 331).

3. O amor generoso e as zelosas actividades dos mártires explicam-se com a fortaleza do Espírito Santo que trabalhava neles e os levava a obedecerem aos mandamentos do Sagrado livro do Sirácide (cf. 2, 1-18), que ouvimos na primeira leitura desta Missa. Assim podemos compreender plenamente o que disseram os intérpretes na corte de Nagasaqui aos dois Bugyo (juízes): "Senhores, dizer a estes que neguem a própria fé é como um remédio dado a um homem moribundo que o faz reviver; de facto, eles retomam vida e respondem com renovado vigor" (cf. Positio, p. 414).

4. A atitude por eles assumida como filhos da Igreja, que trabalhavam numa nação com religião diferente, era inspirada pelas palavras de São Pedro na segunda leitura desta Missa: desejavam que os seus irmãos vissem as suas boas obras para chegarem a "glorificar a Deus no dia do juízo" (1 Ped 2, 12). Esta apostólica indicação constitui a atitude clássica dos antigos mártires no tempo do Império Romano. Não menos significativo foi o género de vida que eles levaram, no contexto social e político do seu tempo, pois abraçaram o Evangelho "não somente com palavras mas também com poder, com o Espírito Santo e com convicção" (1 Tess 1, 5). Assim se tornaram eles, para todos, exemplo de fidelidade a Cristo, cujo regresso esperavam com esperança e amor.

Por outro lado, devemo-nos lembrar que o Édito promulgado pelo Shogum Tokugawa Iyeyasu, em 1614, ano 17 de Era Keichu, estabelecia: "O Japão é terra de origem divina" (cf. Positio, p. 49). Os cristãos de então e de hoje podem interpretar melhor esta afirmação na escola do Verbo encarnado, por meio do qual todas as coisas foram criadas, o qual veio ao mundo, luz verdadeira nascida do Pai, para iluminar cada homem com a plenitude da Graça e da Verdade (cf. Jo 1, 1-18).

5. Com esta esperança desejava visitar o Japão por motivo da recente beatificação. É um país que, de há mais de um século, goza da liberdade religiosa, concedida pelo Imperador Meiji. Vim aqui como bispo de Roma, um século depois da reabertura das fronteiras do Japão à mensagem cristã. Vim a Nagasaqui como peregrino. Aqui, os fiéis de há cem anos, cujos antepassados dos dois séculos precedentes conservaram secretamente a fé dos mártires, perseveraram com a força a eles conferida pelo Evangelho. Por graça de Deus os cristãos meditaram sobre o Evangelho por meio dos mistérios do Rosário. Sabiam que havia um homem que vivia muito longe deles e se chamava Papa. Hoje ele vem prestar homenagem à tradição dos cristãos de Nagasaqui e dizer pessoalmente aos descendentes deles que os ama, no coração de Cristo Jesus.

Na Catedral de Urakami, dedicada a Maria Imaculada, sublime modelo da Igreja, observei a nova Igreja japonesa, que se ergue diante do inundo como sinal da nova Jerusalém ataviada com vestuário de festa (cf. Apoc 21, 2-4). Igreja cujos membros atingem 400.000, quase o mesmo número dos cristãos do primeiro século (1549-1640). E com imensa alegria dou as boas-vindas, dentro da comunhão a Igreja, aos novos cristãos que o mesmo Cristo chamou neste dia: "à sua admirável luz" (1 Ped 2, 9).

Este laço entre o passado e o presente é fruto da bênção de Deus, da maternal assistência da Santíssima Virgem e da intercessão de inúmeras testemunhas do Evangelho. É garantia para um futuro ainda mais glorioso que se poderia comparar ao sol que, no seu nascer quotidiano, distribui a primeira luz, iluminando e reavivando esta belíssima terra, muitas vezes branca de neve, ou rosada com as cerejeiras em flor e os lótus. A sua antiga religião xintoísta indica o caminho no sentido da divindade; para nós cristãos, o caminho foi já traçado pelo próprio Cristo que é Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.

É Ele, Jesus Cristo, e é a Sua graça que nós louvamos e glorificamos, nestes novos gloriosos mártires de Nagasaqui.

 



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