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SANTA MISSA DA MEIA-NOITE DO NATAL DE 1981

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Basílica Vaticana, 24 de Dezembro de 1981

 

"... Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado, que tem a soberania sobre os seus ombros" (Is 9, 5).

1. Nasce um Menino.

Reunimo-nos nesta veneranda Basílica — como se reúnem tantos outros nossos irmãos e irmãs na fé, no dia de hoje à meia-noite, no mundo inteiro — porque nasce um Menino.

Ele vem ao mundo do seio da Mãe, assim como tantos meninos humanos desde o princípio e continuamente...

Nasce...

quando estava a decorrer o recenseamento ordenado em todo o Império romano por César Augusto, quando José da Galileia da cidade de Nazaré teve de deslocar-se a Belém, dado que era da casa e linhagem de David; e Belém era exactamente a cidade de David.

Estando lá, completaram-se para Maria os dias de ela dar à luz. Nasce, pois, o Menino — Filho primogénito de Maria de Nazaré. A Mãe envolveu-O em panos e depô-1'O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.

Embora único e irrepetível, pela Sua divindade e pela Sua concepção e nascimento virginal, o Menino nasceu como nascem os filhos dos pobres. E isso não havia sido predito por Isaías, embora ele tivesse prenunciado tal nascimento, no meio de uma noite profunda, quando escreveu: "O povo, que caminhava nas trevas, viu uma grande luz; aos que habitavam na região tenebrosa resplandeceu uma luz brilhante" (Is 9, 2).

2. Todos nós, aqui reunidos, como todos os nossos irmãos e irmãs espalhados pelo mundo inteiro, viemos ao encontro desta luz: Foi-nos dado um filho, Filho da luz: Deus de Deus, Luz da Luz. Sim, um filho nos é dado: "Porque Deus — Pai Eterno — amou de tal modo o mundo, que lhe deu o Seu Filho único..." (Jo 3, 16).

E eis chegado o momento em que se revela ao mundo o Dom do Pai: um Filho.

Das profundezas daquela noite de Advento, que Isaías descreve, Ele é já de há muito tempo esperado... E, ao mesmo tempo, é absolutamente "inesperado", dado que circundam o seu nascimento a noite silenciosa e o vazio da gruta-estrebaria destinada aos animais, nas proximidades de Belém; e apenas duas pessoas — Maria e José — quebram esse vazio e essa solidão.

Um tal vazio e uma tal solidão são penetrantes. Mas são majestosos por causa do nascimento de Deus: um filho nos é dado. E n'Ele tudo recebemos. O Eterno Pai mais não nos podia dar. Escreve o Apóstolo São Paulo: "De facto, manifesta-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens" (Tit 2, 11).

3. E o que é a Graça? É precisamente o amor que doa.

No vazio e na solidão daquela noite de Belém, o amor "que doa", o amor do Pai, vem ao mundo no Filho, nascido da Virgem Maria. Um Filho nos é dado!

Logo a partir do primeiro momento da Sua vinda, o Salvador ensina-nos — como escreve ainda o Apóstolo — "a renegar a impiedade e os desejos mundanos, e a vivermos neste mundo com temperança, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória" (Tit 2, 12-13).

Sim, é isto que nos ensina o Menino que nasceu — o Filho que nos é dado.

Contudo, nesse momento, ninguém parece ouvir a sua voz. Ninguém parece aperceber-se sequer do seu nascimento. Ninguém, entenda-se, para além de Maria e José.

Ninguém, mesmo? — Realmente, houve alguns que foram os primeiros a aperceber-se dele; os primeiros que acolheram a Boa-Nova. E foram eles os primeiros a vir:

os Pastores. O anjo havia-lhes dito: "encontrareis um menino envolvido em faixas e deitado numa manjedoura" (Lc 2, 12). E eles puseram-se a caminho, na direcção indicada.

E foram eles, de facto, os primeiros dentre os habitantes desta terra, que se uniram "à multidão dos exércitos celestes", a proclamar a descida do Filho Eterno e o início do Reino de Deus nos corações dos homens.

4. E qual é o poder que tem sobre os ombros este Menino que nasce na solidão e no vazio da noite de Belém?

O Profeta, de facto, diz-nos: "sobre os seus ombros tem a soberania" (Is 9, 5). E a seguir diz ainda: será "um grande principado, com uma paz sem fim... desde agora e para sempre" (Is 9, 6). Mas nada parece confirmar uma tal soberania e um tal domínio, no vazio e na solidão da noite de Belém. Ao contrário, tudo fala de pobreza e de "exerdação"...

Assim, esta primeira noite terrena do Filho do homem encerra já em si um como que longínquo presságio da noite derradeira, quando Ele "se humilhou, fazendo-Se obediente até à morte..." (Flp 2, 8).

Esta primeira noite, sem um tecto, do Filho que nos é dado, apresenta-se despojada de quaisquer sinais de poder ou de força humana. Muito ao contrário...

5. E contudo, esta noite de Belém, que nós recordamos todos os anos com a maior emoção, é suscitadora de esperança e é portadora de alegria:

- de uma alegria que o mundo não pode dar, apesar de todos os seus bem conhecidos meios de potência e força terrenas.

E é dessa alegria que está impregnada a Liturgia da Igreja, quando canta "ao Senhor um cântico novo" e convida para tal cântico "a terra inteira" (cf. Sl 96/95/, 1):

"Alegrem-se os céus e exulte a terra, / ressoe o mar e tudo o que ele contém; / regozijem-se os campos e tudo o que neles existe, / e exultem também todas as árvores das florestas" (Sl 96/95/, 11-12).

E o reino de Deus sobre a terra inicia-se durante esta noite da vigília, não já por entre sinais da potência e força humanas, mas no meio da alegria das almas e dos corações, que inunda todos aqueles que O acolheram.

Assim, há oito séculos atrás, essa alegria encheu a alma e o coração de São Francisco, o Pobrezinho de Assis.

6. Ó vós todos que me ouvis, aqui nesta Basílica, ou em qualquer parte do orbe terrestre:

Quanto eu vos desejo a revelação desta Graça!

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade! Amém!

 

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