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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

MISSA PARA AS FAMÍLIAS

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Madri, 2 de Novembro de 1982

 

1. Queridos irmãos e irmãs! Esposos e Pais!

Permiti-me que, seguindo a palavra de Deus proclamada na liturgia de hoje, vos recorde o momento em que, mediante o Sacramento da Igreja, vos tornastes esposos diante de Deus e dos homens. Em momento tão importante, a Igreja sobretudo convidou e invocou solenemente o Espírito Santo para estar convosco, conforme a promessa que os Apóstolos receberam de Cristo: "O Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito" (Jo 14, 26).

Ele traz consigo o amor e a paz e por isso diz Cristo: "Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou. Não vo-la dou como o mundo a dá" (Jo 14, 27).

Ele, o Espírito Santo, é o Espírito de fortaleza e por isso mesmo diz Cristo: "Não se turve o vosso coração, nem se atemorize" (Jo 14, 27).

Assim pois, ao mesmo tempo que, pela oração ao Espírito Santo, vos tornastes cônjuges em virtude do Sacramento da Igreja — e neste sacramento permanecereis durante os dias, as semanas e os anos da vossa vida. Neste Sacramento, como cônjuges, tornai-vos pais e formais a comunidade fundamental, humana e cristã, composta de pais e filhos, comunidade de vida e de amor. Hoje dirijo-me em primeiro lugar a vós, quero orar convosco e também abençoar-vos, renovando a graça na qual participais mediante o Sacramento do Matrimónio.

2. Antes de deixar visivelmente este mundo, Cristo prometeu-nos e concedeu-nos o seu Espírito, para que não esquecêssemos as suas palavras. Fomos confiados ao Espírito, para que as palavras do Senhor acerca do matrimónio permanecessem para sempre no coração de todo o homem e de toda a mulher unidos em matrimónio.

Hoje mais do que nunca é necessária esta presença do Espírito: uma presença que continue corroborando entre vós o tradicional sentido de família e que vos faça experimentar ditosamente, no mais profundo do vosso ser, um impulso constante a orientar o matrimónio e a mesma vida de família de acordo com as palavras e o dom de Cristo.

Hoje mais do que nunca torna-se necessário este impulso interior do Espírito. Para que com Ele, vós, esposos cristãos, embora vivendo em ambientes onde as normas de vida cristã não sejam tidas na justa consideração ou possam não encontrar o devido eco na vida social ou nos meios de comunicação mais acessíveis ao lar, sejais capazes de realizar o desígnio cristão da vida familiar. Resistindo e superando com o dinamismo da vossa fé qualquer pressão contrária que possa apresentar-se. Sabendo discernir entre o bem e o mal: não faltando à obediência devida aos preceitos do Senhor, continuamente recordados pelo Espírito mediante o Magistério da Igreja.

Ao falar do matrimónio, Jesus nosso Senhor referiu-se "ao princípio", isto é, ao desígnio original de Deus, à verdade do matrimónio (cf. Mt 19, 8).

Segundo este desígnio, o matrimónio é uma comunhão de amor indissolúvel. "Esta união íntima, já que ó o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união" (Gaudium et spes, 43). Por isso, qualquer ataque à indissolubilidade conjugal, do mesmo modo que é contrário ao desígnio original de Deus, vai também contra a dignidade e a verdade do amor conjugal. Compreende-se, pois, que o Senhor, proclamando uma norma válida para todos, ensine que não é lícito ao homem separar o que Deus uniu (cf. Mt 19, 6).

Confiados como estais no Espírito, que vos recorda continuamente tudo o que Cristo nos deixou dito, vós esposos cristãos, estais chamados a dar testemunho destas palavras do Senhor: "não separe o homem o que Deus uniu".

Estais chamados a viver sobretudo a plenitude interior da vossa união fiel e perseverante, embora diante de normas legais que possam ir em outra direcção. Deste modo contribuireis para o bem da instituição familiar, e dareis prova — contra o que alguém possa pensar — de que o homem e a mulher têm capacidade de se doar para sempre, sem que o verdadeiro conceito de liberdade impeça uma doação voluntária e perene. Por isto mesmo vos repito o que já disse na Exortação Apostólica Familiaris consortio: "Testemunhar o valor inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é uma das tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais cristãos do nosso tempo" (n. 20).

Além disso, segundo o plano de Deus, o matrimónio é uma comunidade de amor indissolúvel ordenado à vida, como continuação e complemento dos próprios cônjuges. Existe uma inabalável relação entre o amor conjugal e a transmissão da vida, em virtude da qual — como ensinou Paulo VI: "todo o acto conjugal deve permanecer aberto à transmissão da vida" (Humanae Vitae, 11, AAS 60, 1968, 448). Ao contrário — como escrevi na Exortação Apostólica Familiaris consortio —"à linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges, a contracepção impõe uma linguagem objectivamente contraditória, a do não doar-se ao outro; deriva daqui, não somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interior do amor conjugal" (n. 32).

Mas há outro aspecto, ainda mais grave e fundamental, que se refere ao amor conjugal como fonte da vida: falo do respeito à vida humana, que nenhuma pessoa ou instituição, particular ou pública, pode ignorar. Por isso, quer negasse a defesa à pessoa humana mais inocente e fraca, à pessoa humana já concebida mas ainda não nascida, cometeria uma gravíssima violação da ordem moral. Nunca se pode legitimar a morte de um inocente. Seria ameaçar o próprio fundamento da sociedade.

Que sentido teria falar da dignidade do homem, dos seus direitos fundamentais, se não se protege um inocente, ou se chega inclusivamente a facilitar os meios ou serviços, privados ou públicos, para destruir vidas humanas indefensas? Queridos esposos! Cristo vos confiou ao seu Espírito para que não esqueçais as suas palavras. Neste sentido as suas palavras são muito sérias: "ai de quem escandalizar um destes pequeninos... os seus Anjos no céu contemplam sempre a face do Pai". Ele quis ser reconhecido, pela primeira vez, por uma criança que vivia no seio da sua mãe, uma criança que se alegrou e saltou de alegria ante a sua presença.

3. Mas o vosso serviço à vida não se limita à sua transmissão física. Vós sois os primeiros educadores dos vossos filhos. Como ensinou o Concílio Vaticano II, "os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida" (Gravissimum educationis, 3).

Tratando-se de um dever fundado sobre a vocação primordial dos cônjuges a cooperarem com a obra criadora de Deus, compete-lhes o correspondente direito de educar os próprios filhos. Devido à sua origem, é um dever-direito primário em comparação com a incumbência educativa de outros; insubstituível e inalienável, isto é, que não pode delegar-se totalmente em outros nem outros podem usurpá-la.

Não há lugar para dúvidas de que no âmbito da educação, à autoridade pública competem direitos e deveres, enquanto deve servir o bem comum. Ela, portanto, não pode substituir os pais, uma vez que a sua tarefa é a de ajudá-los, para que possam cumprir o seu dever-direito de educar os próprios filhos de acordo com as suas convicções morais e religiosas.

A autoridade pública tem neste campo um papel subsidiário e não abdica os seus direitos quando se considera ao serviço dos pais; ao contrário, esta é precisamente a sua grandeza: defender e promover o livre exercício dos direitos educativos. Por isso a vossa Constituição estabelece que "os poderes públicos garantem o direito dos pais a que os seus filhos recebam a formação religiosa e moral que está em conformidade com as suas próprias convicções" (cf. Art. 27, 3).

Concretamente, o direito dos pais à educação religiosa dos seus filhos deve ser de modo particular garantido. De facto, por um lado, a educação religiosa é o cumprimento e o fundamento de toda a educação que tem por objecto — como diz também a vossa Constituição — "o pleno desenvolvimento da personalidade humana" (ibid. 2). Por outro lado, o direito à liberdade religiosa ficaria desvirtuado em grande medida, se os pais não tivessem a garantia de que os seus filhos, seja qual for a escola que frequentam, inclusivamente a escola pública, recebem o ensinamento e a educação religiosa.

4. Queridos irmãos e irmãs! Queridos esposos e pais! Recordei alguns pontos essenciais do plano de Deus sobre o matrimónio, com o fim de vos facilitar que escuteis no vosso coração as palavras dirigidas a vós por Cristo e que o Espírito vos recorda continuamente. .

"A lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma... instrui o simples. Os preceitos do Senhor são rectos"..A lei do Senhor, que deve governar a vossa vida conjugal e familiar, é o único caminho da vida e da paz. É a escola da verdadeira sabedoria: "aquele que a observa obterá grandes frutos". Contudo, não basta reconhecer como justa a lei sobre a qual se constitui o matrimónio e a família. Quem não vê descrita a própria experiência cristã, quando ouve São Paulo dizer: "Sinto prazer na lei de Deus, de acordo com o homem interior. Mas vejo outra lei nos meus membros, lutar contra a lei da minha razão" (Rom 7, 22-23)?

É necessária uma constante conversão do coração, uma constante abertura do espírito humano, para que toda a vida se identifique com o bem defendido pela autoridade da lei. Por isso, na liturgia de hoje, escutámos dos lábios do profeta Ezequiel estas palavras: "Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo; arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos" (36, 26-27).

O Espírito grava nos vossos corações a lei de Deus sobre o matrimónio. Não está escrita somente fora: na Sagrada Escritura, nos documentos da Tradição e do Magistério da Igreja. Está gravada também dentro de vós. É esta a Nova e Eterna Aliança, de que fala o profeta, que substitui a Antiga e restitui o seu primitivo esplendor à Aliança original com a Sabedoria criadora, inscrita na humanidade de cada homem e de cada mulher. É a aliança no Espírito, sobre a qual fala São Tomás que "a lei Nova é a mesma graça do Espírito Santo" (Suma Teológica, I, II, 9, 108, ou 109, a. 1).

A vida dos cônjuges, a vocação dos pais exige uma perseverante e permanente cooperação com a graça do Espírito que vos foi concedida mediante o sacramento do matrimónio, para que esta graça possa frutificar no coração e nas obras, a fim de poderem dar frutos sem cessar e não definhem por causa da nossa pusilanimidade, infidelidade ou indiferença.

Na Igreja da Espanha são numerosos os movimentos de espiritualidade familiar. A tarefa deles é precisamente a de ajudar os seus membros a serem fiéis à graça do sacramento do matrimónio, para realizarem a sua comunidade conjugal e familiar segundo o desígnio de Deus, protegido pela sua lei, gravada pelo Espírito nos corações dos esposos. Esta própria finalidade há-de conjugar-se em todos os momentos com a tarefa mais ampla de colaborar a tornar real e operante a comunhão eclesial. Neste sentido, torna-se necessário que toda a actividade de apostolado saiba assimilar e pôr em prática os critérios pastorais emanados da Igreja, e aos quais todos os agentes da pastoral devem ser fiéis.

5. Quando os esposos caminham na verdade do desígnio de Deus sobre o seu matrimónio, obtém-se a unidade de espírito, de comunhão na caridade, de que fala São Paulo aos cristãos de Filipe.

Faço agora minhas as palavras do Apóstolo: "Nada façais por espírito de partido ou por vanglória, mas, com humildade; considerai os outros superiores a vós mesmos, sem atender cada um a seus próprios interesses mas aos dos outros" (Fil 2, 3-4).

Sim, o marido não busque unicamente os seus interesses, mas também os da sua esposa e esta os do seu marido; os pais busquem os interesses dos seus filhos e estes, por sua vez, busquem os interesses dos seus pais. A família é a única comunidade na qual todo o homem "é amado por si mesmo", pelo que é e não pelo que tem. A norma fundamental da comunidade conjugal não é a da própria utilidade e do próprio prazer. O outro não é querido pela utilidade ou prazer que pode proporcionar: é querido em si mesmo e por si mesmo. A norma fundamental é, pois, a norma personalista: cada pessoa (a do marido, da esposa, dos filhos, dos pais) é afirmada na sua dignidade enquanto tal, é querida por si mesma.

O respeito desta norma fundamental explica, como ensina o mesmo Apóstolo, que nada se faz por espírito de rivalidade ou por vanglória, mas com humildade, por amor. E este amor, que se abre aos demais, faz que os membros da família sejam autênticos servidores da Igreja "doméstica", onde todos desejam o bem e a felicidade a cada um; onde todos e cada um dão vida a esse amor com a diligente busca de tal bem e de tal felicidade.

6. Compreendeis porque a Igreja vê diante de si, como um campo a cultivar com todo o empenho possível, a Instituição do matrimónio e da família. Quanto é grande a verdade da vocação e da vida matrimonial, segundo as palavras de Cristo e segundo o modelo da Sagrada Familia! Oxalá saibamos ser fiéis a esta palavra e a este modelo. Expressa-se contemporaneamente o verdadeiro amor a Cristo, o amor a respeito do qual Ele nos fala no Evangelho de hoje: "Se alguém Me ama, guardará a Minha Palavra; Meu Pai amá-lo-á e viremos a ele e faremos nele morada... a palavra que ouvistes não é Minha, mas do Pai que Me enviou" (Jo 14, 23-24).

Este amor a Deus a partir da família deve ir para mais além da morte. Hoje, dia dos Defuntos, recordamos os membros das nossas famílias que nos deixaram: pais, esposos, filhos, irmãos... Que eles animem no caminho para o Pai os órfãos, as viúvas, e todos os que choram a ausência dos seres queridos da sua família.

Queridos irmãos e irmãs! Esposos e esposas! Pais e Mães! Famílias da nobre Espanha: da Nação e da Igreja! Conservai na vossa vida os ensinamentos do Pai que vos anunciou o Filho; os ensinamentos que o Filho confirmou com a sua cruz e com a sua ressurreição. Conservai estes sagrados ensinamentos com a força do Espírito Santo que vos foi dado no Sacramento do matrimónio.

O Pai que veio a vós no Espírito, habite nas vossas famílias mediante este Sacramento, juntamente com Cristo, seu Eterno Filho. Mediante estas famílias espanholas, continue a desenvolver-se a grande causa Divina da salvação do homem sobre a terra. Amém.

 



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