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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

MISSA PARA OS LEIGOS EMPENHADOS NO APOSTOLADO

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Praça principal de Toledo
4 de Novembro de 1982  

 

Senhor Cardeal
Queridos irmãos e irmãs

1. Nas palavras do Evangelho que proclamámos, Cristo mesmo coloca em evidência ao mesmo tempo a dignidade e a responsabilidade do cristão. Quando o Senhor exclama: "Vós sois o sal da terra" (Mt 5, 13), sublinha contemporaneamente que o sal não deve perder o seu sabor para que seja útil ao homem. E quando afirma:. "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,14), indica como consequência a necessidade de que esta luz "alumie a todos os que estão em casa" (Mt 5, 15). E ainda insiste, logo em seguida: "Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus" (Mt 5, 16).

É difícil encontrar metáfora evangélica mais adequada e bela para expressar a dignidade do discípulo de Cristo e a sua consequente responsabilidade. O próprio Concilio Vaticano II inspirou-se neste texto evangélico, ao falar do apostolado dos leigos, ou seja, da sua missão com a qual participam na vida da Igreja e no serviço à sociedade (cf. Apostolicam actuositatem, 6).

Vós sois o sal da terra!
Vós sois a luz do mundo!
"A vocação cristã é também, por sua própria natureza, vocação ao apostolado"
(ib., 2).

2. À luz desta dignidade e responsabilidade, proclamadas pelo Evangelho e o Magistério da Igreja, desejo saudar a todos os representantes do laicado da Espanha e dirigir-lhes desta histórica sede primacial de Toledo uma mensagem que ilumine os caminhos do apostolado leigo nesta hora de graça.

Saúdo, em primeiro lugar, o Senhor Cardeal Arcebispo desta diocese, bem como os Pastores e todo o Povo de Deus de Toledo e da sua Província Eclesiástica, aqui presentes.

A Sé de Toledo é lugar propício para este encontro, por estar intimamente vinculada a importantes momentos da fé e da cultura da Igreja na Espanha. Não podemos esquecer os Concílios de Toledo que souberam encontrar fórmulas adequadas para a profissão da fé cristã nos seus fundamentais conteúdos trinitários e cristológicos.

Toledo foi um centro de diálogo e de convivência entre povos de diversas raças e religiões. Foi também ponto de encontro de culturas que superaram as fronteiras da Espanha, para influírem poderosamente na cultura do Ocidente europeu. É cidade de grande tradição cristã, que se reflecte nos seus monumentos artísticos e na expressão pictórica de artistas de estatura universal como El Greco.

Estes valores tradicionais continuam influindo de modo positivo na vida do povo toledano, que mantém a lembrança dos seus grandes pastores medievais, como Santo Eugénio e Santo Ildefonso. É a memória de uma tradição que se alarga através de muitas gerações de cristãos que se difundiram por todo o país, e participaram em generosos movimentos por todo o país, e participaram em generosos movimentos missionários em outros continentes.

A propósito, não posso deixar de saudar aqui, nesta cidade imperial, a sua ilustre comunidade moçarábica, herdeira dos heróicos cristãos de há séculos, cujos paroquianos mantêm vivo, sob a directa responsabilidade do Senhor Cardeal Primaz, o património espiritual da sua venerável liturgia de grande riqueza teológica e pastoral, sem esquecer que na liturgia pós-conciliar o canto do Pai Nosso de toda a Espanha é precisamente o da liturgia moçarábica.

3. Dessa viva tradição que alimenta a vossa fé e impulsiona a vossa responsabilidade de cristãos, voltamos às fontes da Palavra proclamada nesta celebração. É o mesmo Apóstolo das gentes que nos fala para nos ensinar o que significa ser apóstolo de Cristo, nos interpela para nos indicar o que exige a participação na missão da Igreja.

Paulo ensina com especial vigor que somos testemunhas de Deus em Jesus Cristo, e Cristo "crucificado" (1 Cor 2, 1-3). Aquele que por ele é reconhecido e confessado como Senhor, está sob a manifestação e o poder do Espírito (cf. ib., v. 4).

Todos os cristãos são chamados a renovar constantemente a sua profissão de fé, com a palavra e com a vida, como uma adesão total a Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, crucificado para a nossa a salvação e ressuscitado pelo poder de Deus.

Tal é a "sabedoria divina, envolta em mistério, encoberta, que, antes dos séculos, foi destinada por Deus para nossa glória" (ib., v. 7). Este é o núcleo fundamental do Evangelho confiado por Cristo à sua Igreja e que esta transmite na viva tradição e ensina no magistério da sucessão apostólica, enriquecendo deste modo o património do Povo de Deus que possui o "sentido da fé", sob a solícita assistência do Espírito Santo.

Aqui está enraizado o centro do anúncio e do testemunho da fé cristã. Por isso, a primeira atitude da testemunha da fé é professar esta mesma fé que anuncia, deixando-se converter docilmente pelo Espírito de Deus e conformando a sua vida com essa Sabedoria divina.

4. Como testemunhas de Deus, não somos proprietários arbitrários do anúncio que recebemos; somos responsáveis de um dom que deve ser transmitido com fidelidade. Com o temor e tremor da própria fragilidade, o apóstolo confia "na manifestação do Espírito", na força persuasiva do "poder de Deus" (1 Cor 2, 4-5).

Não se trata de adaptar o Evangelho à sabedoria do mundo. Com palavras que poderiam traduzir a experiência de Paulo, hoje poder-se-ia afirmar: Não são as análises da realidade, ou o uso das ciências sociais, ou o manejo da estatística, ou a perfeição de métodos e técnicas organizativos — meios úteis e instrumentos valiosos às vezes — que determinarão os conteúdos do Evangelho recebido e professado. E tanto menos será a convivência com ideologias secularizadas que abrirá os corações ao anúncio da salvação. Como tão-pouco o apóstolo deverá deixar-se seduzir pela pretendida sabedoria "dos príncipes deste século", baseada no poder, na riqueza e no prazer, que ao propor a ilusão de uma felicidade humana, de facto conduz a uma total destruição os que sucumbem ao seu culto.

Só Cristo! Proclamamo-l'O agradecidos e maravilhados. N'Ele já se encontra a plenitude do que "Deus preparou para aqueles que O amam" (ib., v. 9). É o anúncio que a Igreja confia a todos os que são chamados a proclamar, celebrar, comunicar e viver o Amor infinito da Sabedoria divina. É esta a sublime ciência que preserva o sabor do sal a fim de não se tomar insípido; que alimenta a luz da lâmpada para que alumie o mais profundo do coração humano e oriente as suas secretas aspirações, as suas buscas e esperanças.

5. O Papa exorta todos os leigos a assumirem com coerência e vigor a sua dignidade e responsabilidade. O Papa confia nos leigos espanhóis e espera grandes coisas de todos eles para glória de Deus e para o serviço do homem! Sim, como já recordei, a vocação cristã é essencialmente apostólica; só nesta dimensão de serviço ao Evangelho o cristão encontrará a plenitude da sua dignidade e responsabilidade.

De facto, os leigos "incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo" (Lumen gentium, 31), são chamados à santidade e são enviados a anunciar e realizar o Reino de Cristo até que Ele volte.

Se quereis ser fiéis a essa dignidade, não é suficiente acolher passivamente as riquezas de fé que vos legaram a vossa tradição e a vossa cultura. Um tesouro vos é confiado, talentos vos são dados, que devem ser assumidos com responsabilidade para que justifiquem com abundância.

A graça do Baptismo e da Confirmação que a Eucaristia renova e a Penitência restaura, possui vivas energias para revivificar a fé e para orientar, com o criador dinamismo do Espírito Santo, a actividade dos membros do Corpo místico. Também os leigos são chamados a esse crescimento espiritual interior que leva à santidade, e a essa consagração apostólica criadora, que os torna colaboradores do Espírito Santo, que com os Seus dons renova, rejuvenece e leva à perfeição a obra de Cristo (cf. Lumen gentium, 4).

6. Será necessário comprovar, uma vez mais, que o crescimento na afirmação da identidade cristã do leigo não diminui ou limita as suas possibilidades, mas antes define, alimenta e reforça essa presença e essa actividade especifica e original que a Igreja confia aos seus filhos nos diversos campos da actividade pessoal, profissional, social?

O próprio Evangelho impele-nos a compartilhar todas as situações e condições do homem, com um amor apaixonado por tudo o que se refere à sua dignidade e aos seus direitos, fundados na sua condição de criatura de Deus "feito à sua imagem e semelhança" (Gén 1, 26), participante da filiação divina pela graça de Cristo.

O Concílio Vaticano II sublinhou justamente que a tarefa primordial dos leigos católicos é a de impregnar e transformar todo o conjunto da convivência humana com os valores do Evangelho (cf. Lumen gentium, 36), com o anúncio de uma antropologia cristã derivada destes valores.

Paulo VI, na sua Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi (n. 70) especifica assim os campos do apostolado leigo: "O campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos "mass media" e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento... "Não há actividade humana alguma que seja estranha à solidária tarefa evangelizadora dos leigos.

7. De entre os empenhos mais urgentes do apostolado dos leigos quero salientar alguns de maior importância.

Penso concretamente no testemunho de vida e no esforço evangelizador exigidos pela família cristã: que os cônjuges cristãos vivam o sacramento do matrimónio como uma participação na união fecunda e indissolúvel entre Cristo e a Igreja; que sejam os fundadores e animadores da igreja doméstica, a família, com o compromisso de uma integral educação ética e religiosa dos seus filhos; que abram aos jovens os horizontes das diversas vocações cristãs, como um desafio de plenitude às alternativas do consumismo hedonista ou do materialismo ateu.

Dirijo o meu olhar para o vasto campo do apostolado leigo no mundo do trabalho, sacudido por fortes crises e movido de maneira nobre por aspirações de dignidade, de solidariedade, de fraternidade, que estão chamadas, a começar das suas inegáveis e talvez inconscientes raízes cristãs, a dar frutos de justiça e de desenvolvimento autenticamente humanos.

Vejo também aberto ao leigo católico o campo da política, no qual com frequência se tomam as decisões mais delicadas referentes aos problemas da vida, da educação, da economia; e, portanto, da dignidade e dos direitos do homem, da justiça e da convivência pacifica na sociedade. O cristão sabe que a partir dos luminosos ensinamentos da Igreja, e sem necessidade de seguir uma forma política unívoca ou partidária, ele deve contribuir para a formação de uma sociedade mais digna e respeitosa dos direitos humanos, baseada nos princípios de justiça e de paz.

Penso, finalmente, no mundo da cultura. Os leigos católicos, nos seus trabalhos de intelectuais e de cientistas, de educadores e de artistas, são chamados a criar de novo, a partir da imensa riqueza cultural dos povos da Espanha, uma autêntica cultura da verdade e do bem, da beleza e do progresso, que possa contribuir para o diálogo fecundo entre ciência e fé, cultura cristã e civilização universal.

8. Nenhum cristão está isento da sua responsabilidade evangelizadora. Ninguém pode ser substituído nas exigências do seu apostolado pessoal. Cada leigo tem um campo de apostolado na sua experiência pessoal.

O Concílio Vaticano II recomendou vivamente as formas associativas do apostolado leigo (cf. Apostolicam actuositatem, 18-20).

O apostolado associativo torna-se fundamental para solidificar e desenvolver as energias inseridas na vocação cristã, para despertar e fortalecer a presença e o testemunho da vida cristã nos diversos espaços e ambientes da sociedade. A este apostolado associativo incumbe a sensibilização e educação de todas essas energias vitais, ricas de fé e religiosidade, existentes na alma e na cultura do vosso povo.

Sei que entre vós estão sendo superadas situações críticas de identidade associativa. Chegou a hora de superar definitivamente essas situações com uma lúcida análise que permita conhecer as causas, e sobretudo afastar os erros que se tenham podido infiltrar entre vós. Penso, todavia, que são muito mais fortes as fidelidades e os renovados entusiasmos cristãos das vossas associações, que o Papa quer encorajar hoje com a sua presença, com o seu afecto e a sua oração.

9. Numerosos e vários são os grupos hoje aqui presentes, sinal da vitalidade e fecundidade da fé desta terra da Espanha. Está presente a Acção Católica nas suas várias expressões; estão representados os movimentos de espiritualidade, os grupos familiares e os juvenis... Um vasto panorama que enriquece a vitalidade do Corpo de Cristo. Saúdo a todos e a cada um dos movimentos e das associações aqui representados. E devido à impossibilidade de dizer uma palavra específica a cada um, quero oferecer-vos umas reflexões centradas naquilo que vos caracteriza e ao mesmo tempo vos une: a vossa eclesialidade.

Sois Igreja! Dessa característica fundamental promanam as de uma vida, de um amor, de um serviço e de uma presença que têm de ser autenticamente eclesiais. Daí a necessidade de uma comunhão sem rupturas com a da Igreja, de uma vida nutrida nas fontes dos sacramentos, de uma obediência impregnada de amor e responsabilidade para com os pastores da Igreja.

Sois Igreja! Deveis demonstrar isto também numa aberta comunhão e colaboração entre os vossos diversos carismas, apostolados e serviços, promovendo a vossa integração nas Igrejas particulares e nas comunidades paroquiais, onde se reúne e congrega de modo visível a família de Deus.

Os sacerdotes, aos quais se confia o dever de animação espiritual dos grupos e movimentos, devem ser no meio de vós essa garantia de eclesialidade e de comunhão A vós, conselheiros e assistentes do apostolado leigo, caríssimos sacerdotes que trabalhais em fraterna comunhão com os leigos, digo-vos: Senti-vos plenamente identificados com a associação ou grupo a vós confiados, participai nos seus afãs e nas suas preocupações; sede sinal de unidade e de comunhão eclesial, educadores da fé, animadores do autêntico espírito apostólico e missionário da Igreja.

10. Quero terminar com uma recomendação especial que confio ao coração cristão de todos os leigos da Espanha.

Não existe, não pode existir apostolado algum (tanto para os sacerdotes como para os leigos) sem a vida interior, sem a oração, sem uma perseverante aspiração à santidade. Esta santidade, nas palavras que proclamámos nesta celebração, é o dom da Sabedoria, que para o cristão é uma particular actuação do Espírito Santo recebido no Baptismo e na Confirmação: "Que Deus me permita falar como desejo e ter pensamentos dignos dos dons que recebi, porque é Ele o guia da sabedoria e o que corrige os sábios. Porque nós estamos nas Suas mãos, nós e as nossas palavras, toda a nossa inteligência e a nossa habilidade" (Sáb 7, 15-16).

Sois todos chamados à santidade! Assim como floresceram magníficos testemunhos de santidade na Espanha do Século de Ouro pela reforma católica e pelo Concilio de Trento, floresçam agora, na época da renovação eclesial do Vaticano II, novos testemunhos de santidade, especialmente entre os leigos da Espanha.

Tendes necessidade da abundância do Espírito Santo para realizar com a sua Sabedoria o trabalho novo e original do apostolado leigo! Por isso, deveis estar unidos a Cristo, para participar da Sua função sacerdotal, profética e real, nas difíceis e maravilhosas circunstâncias da Igreja e do mundo de hoje.

11. Sim. Devemos estar nas Suas mãos, para podermos realizar a própria vocação cristã!

Nas Suas mãos para levarmos todos a Deus!

Nas mãos da Sabedoria eterna para participarmos frutuosamente da missão do mesmo Cristo!

Nas mãos de Deus para construirmos o Seu reino nas realidades temporais deste mundo!

Queridos irmãos e irmãs:

Peço hoje ao Senhor, para todos vós, para todos os leigos, uma santidade que floresça num apostolado original e criador, impregnado de sabedoria divina.

Imploro-Lhe pela intercessão da Virgem, Nossa Senhora, que aqui em Toledo tem, entre outras denominações, o formoso título evangélico da Paz, que sejais no mundo construtores da paz de Cristo.

Com Ele vos recordo a vossa dignidade e responsabilidade.

Vós sois o sal da terra!

Vós sois a luz do mundo!

Antes de terminar as minhas palavras, quero convidar-vos a elevar a nossa oração pela última vítima e por todas as vítimas do terrorismo na Espanha, para que a Nação, que se sente ferida nas suas profundas aspirações de paz e concórdia, obtenha do Senhor ver-se livre do doloroso fenómeno do terrorismo, e todos compreendam que a violência não é caminho de solução aos problemas humanos, além de sempre ser anticristão.

Amém.

 



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