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CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA INAUGURAL
DA XXXIII CONGREGAÇÃO GERAL DA COMPANHIA DE JESUS

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Capela da Cúria Generalícia dos Jesuítas
Sexta-feira, 2 de Setembro de 1983

 

Obsecro vos ut digne ambuletis vocatione qua vocati estis, solliciti servare unitatem Spiritus in vinculo pacis”.

1.Caríssimos Irmãos

Estou feliz de me encontrar hoje no meio de vós, como desejastes, para concelebrar o Sacrifício Eucarístico e suplicar deste modo a abundância dos dons do Espírito Santo sobre a Congregação Geral, que inaugurais.

Nesta ocasião, as palavras de Paulo aos Efésios, escutadas na primeira Leitura, adquirem um significado profético. E com estas mesmas palavras eu me dirijo a vós, com toda a efusão do coração. Também eu como o Apóstolo, exorto-vos a compartar-vos de maneira digna da vocação recebida, a conservar com solicitude a unidade do espírito no vínculo da paz.

Em vós saúdo todos os jesuítas do mundo, empenhados em todas as frentes da vida da Igreja: é uma grande família chamada por uma particular vocação a servir o Nome de Cristo, com uma total disponibilidade aos interesses do seu Reino. Neste momento, sinto-a aqui presente, unida pelos mesmos ideais, pelo mesmo chamamento do Espírito, que do seu coração Cristo faz derramar sobre vós, como sobre toda a Igreja: Ilumina de ventre eius fluent aquae vivae.

Neste espírito de fusão dos corações, na docilidade à acção divina, tem início hoje a Congregação Geral. Ela é um acto oficial da vida da vossa Família Religiosa, um momento forte para viver na unidade do espírito. Unidade do espírito eclesial porque estais de modo vital inseridos na Igreja, una, santa, católica e apostólica, em cujo serviço vos empenhastes com total fidelidade, conscientes que ela é sacramento universal de salvação, pela riqueza da verdade e da vida divina por ela comunicada aos homens. Unidade do espírito inaciano, porque o particular carisma que faz da Companhia um instrumento privilegiado da acção da Igreja a todos os níveis, é o elemento totalizante e característico, querido pelo próprio Fundador, da vossa actividade e da vossa missão.

E esta unidade nasce da única fé, do único baptismo, da única vocação cristã e religiosa, que da primeira é o lógico e austero florescimento. Ela é alimentada pela realidade ontológica trinitária, isto é, pela vida do único Pai, do único Senhor e do único Espírito. E hoje experimentamo-la de modo particular: unum corpus et unus Spiritus, sicut vocati estis in una spe vocationis vestrae.

Eis as raízes teológicas e espirituais da presente circunstância. Por me terdes oferecido a consolação de a viver convosco, de coração vos agradeço, meus caríssimos irmãos.

2. Esta Congregação Geral reveste depois uma importância particular por um dúplice objectivo. Ela deve dar em primeiro lugar um sucessor, ao venerado Padre Arrupe, sendo-me grato saudá-lo aqui presente ao exprimir-lhe o comum reconhecimento por ter continuado a suster a Companhia com o seu exemplo, com a sua oração, com os seus sofrimentos.

A vossa Congregação tem além disso a tarefa de estabelecer as orientações, de traçar as normas a serem seguidas nos próximos anos para que seja cada vez melhor posto em prática, nas particulares circunstâncias do momento presente, o ideal da Companhia, descrito na Fórmula do vosso Instituto: "Combater por Deus sob a bandeira da cruz e servir só a Cristo Senhor e a Igreja sua esposa, submisso ao Romano Pontífice, Vigário de Cristo na terra" (Carta Apost. Exposcit debitum, 21 de Julho de 1550).

Este dúplice dever é sem dúvida grave; e é importante que recordeis as directrizes e as recomendações que os meus venerados Predecessores, Paulo VI e João Paulo I, vos comunicaram por ocasião das vossas últimas Congregações, que eu mesmo vos manifestei por ocasião da reunião dos vossos Provinciais em Fevereiro do ano passado. São directrizes e recomendações que mantêm todo o seu valor e que deveis ter presentes nos trabalhos da Congregação Geral para lhe garantir o feliz êxito, de que depende a vitalidade e o desenvolvimento do vosso Instituto. Daqui a necessidade de implorar o Espírito Santo: Veni Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium.

3. A vossa Congregação Geral é um acontecimento destinado também a ter repercussões importantes na vida da Igreja. Eis porque ela  me interessa vivamente. A Companhia de Jesus é ainda a Ordem religiosa mais numerosa; ela está espalhada por todas as partes do mundo; empenha-se pela glória de Deus e pela santificação dos homens, mesmo nos campos mais difíceis e nas funções de realce, que são de grande utilidade para o serviço da Igreja. Por isso muitos olhos estão fixos em vós, tanto sacerdotes como leigos, religiosos ou religiosas; o que fazeis tem com frequência repercussões que não podeis imaginar.

Além disso, os meus predecessores salientaram muitas vezes a vasta influência que a acção da Companhia exerce na Igreja. Em particular, Paulo VI, de venerada memória, não hesitava em declarar que "uma solidariedade muito especial une a vossa Companhia à Igreja católica; a vossa sorte atinge, em certa medida, à da família católica inteira" (Discurso de 21 de Abril de 1969; cf. AAS 61, 1969, p. 317). Se é verdade que esta responsabilidade pesa sobre todos os membros da Companhia de Jesus, hoje pesa de modo particular sobre vós que fostes escolhidos como membros desta Congregação geral. Por isso o Papa vos está neste momento especialmente próximo com a oração, com os seus votos, com o seu paterno encorajamento.

E fá-lo mais uma vez com as palavras da carta aos Efésios: Recomendo-vos..., que andeis de maneira digna do chamamento que recebestes, com toda a humildade e mansidão..., solícitos em conservar a unidade de espírito mediante o vínculo da paz.

4. Com este propósito, estou certo que mantereis bem presentes no espírito a natureza providencial e o fim específico da Companhia. Como eu disse, ela está empenhada em mistérios múltiplos, difíceis. Durante o encontro com os Provinciais, no mês de Fevereiro do ano passado, tracei rapidamente um quadro das actividades que sois chamados a exercer: o empenho pelo renovamento da vida cristã, pela difusão da verdadeira doutrina católica, pela educação da juventude, pela formação do clero, pelo aprofundamento das ciências sagradas e em geral da cultura mesmo profana, de modo especial no campo literário e científico, pela evangelização missionária (cf. AAS 74, 1982, pp. 551-565).

Para este conjunto de tarefas apostólicas tão diversas, nas suas formas quer tradicionais quer novas, em correspondência com as exigências dos tempos, salientadas pelo Concílio Vaticano II, dirijo-vos de novo os meus encorajamentos, com total confiança, sicut vocati estis in una spe vocationes vestrae.

O Papa conta convosco, espera muito de vós.

5. Por isto, o laço muito particular que a Companhia tem com o Papa, responsável da unidade da Igreja no seu conjunto, assegura à Companhia mesma fecundidade e segurança quando ela se aplica, com plena disponibilidade e total fidelidade, a militar em todas estas frentes da acção eclesial. Hoje como nos inícios.

Naquele tempo, o vosso Fundador, desejoso de se consagrar de modo total ao serviço de Cristo Senhor, juntamente com os seus primeiros companheiros, guiado misteriosamente pela Providência, veio a Roma, junto do Papa Paulo III, para se pôr à sua inteira disposição e realizar as missões que o Papa indicasse e no lugar que ele determinasse; sabeis que Paulo III acolheu de muito bom grado esta oferta, vendo nela um sinal particular da acção divina.

Nesta perspectiva, o "quarto voto" adquire um significado particular. Não tende decerto a deter a generosidade, mas unicamente a assegurar-lhe uma esfera de acção mais profunda e mais vasta, na certeza de que o motivo mais íntimo e mais secreto desta obediência religiosa, deste laço com o Papa, é o de poder responder, de maneira mais incisiva e com maior dedicação, "imediatamente, sem tergiversar e sem se escusar de modo algum", às necessidades da Igreja, nos campos do apostolado, antigos e novos.

Ao exprimir-vos o meu reconhecimento por tudo o que a Companhia realizou durante mais de quatro séculos de actividade fecunda, estou certo de poder continuar ainda no futuro a contar com a Companhia para exercer o meu ministério apostólico, e a contar sempre com a vossa fiel colaboração para o bem de todo o povo de Deus. Sabei que o Papa vos acompanha e reza por vós, a fim de que, na fidelidade constante à voz do Espírito, a Companhia de Jesus continue a haurir da graça de Deus a força e o impulso para o seu apostolado amplo e multiforme.

6. A Igreja sempre considerou a vossa Companhia como um grupo de religiosos preparados espiritual e doutrinalmente, prontos a fazer o que deles é requerido no contexto da missão universal da Igreja de evangelização.

Os Sumos Pontífices, ao longo dos séculos não deixaram de vos confiar estas missões, considerando as mais urgentes necessidades da Igreja, e confiando na vossa generosa disponibilidade. Para me limitar aos tempos mais recentes, desejo recordar a missão de que o meu venerado predecessor Paulo VI vos incumbiu a 7 de Maio de 1965, "de resistir vigorosamente e com todas as vossas forças ao ateísmo", missão que insistentemente vos reproponho, enquanto durar este "tremendo perigo que pesa sobre a humanidade" (AAS 57, 1965, p. 514).

Em Novembro de 1966, logo após terminar o Concílio Vaticano II, o mesmo Papa pedia-vos para cooperar naquele profundo renovamento que a Igreja está enfrentando neste mundo secularizado. E eu próprio, no discurso aos Provinciais mencionado acima, confirmei que "a Igreja espera hoje da Companhia que ela contribua eficazmente para a aplicação do Concílio Vaticano II, como, no tempo de Santo Inácio e muito depois, ela empregou todos os esforços para dar a conhecer e fazer reduzir à prática o Concílio de Trento e para ajudar de maneira notável os Pontífices Romanos no ministério supremo deles" (AAS 74, 1982, p. 557). Para este fim convidava-vos, e hoje renovo este convite, a adaptar às diferentes necessidades espirituais de hoje "as diferentes formas de apostolado tradicional que mantêm ainda hoje todo o seu valor" e a prestar cada vez maior atenção "às iniciativas que o Concílio Vaticano II particularmente animou", tais como o ecumenismo, o aprofundamento do estudo sobre as relações com as religiões não cristãs, e o diálogo da Igreja com as culturas. A este respeito, conheço e aprovo o vosso empenho pela inculturação, tão importante para a evangelização, desde que seja acompanhada de igual empenho por conservar a doutrina católica pura e íntegra.

7. Ao falar do vosso apostolado, não deixei, naquela oportunidade, de chamar a vossa atenção para a necessidade que se adverte na acção evangelizadora da Igreja, de promover a justiça, relacionada com a paz do mundo, que é uma aspiração de todos os povos. Mas esta acção deve ser exercida em conformidade com a vossa vocação de religiosos e de sacerdotes, sem confundir as tarefas próprias dos sacerdotes com as que são próprias dos leigos, e sem ceder à "tentação de reduzir a missão da Igreja às dimensões de um projecto simplesmente temporal... (de reduzir) a salvação, de que ela é mensageira... a um bem-estar material" (Evangelii Nuntiandi, 32). É este o campo magnífico de apostolado aberto diante de vós, que deve ser cuidado com zelo, com fidelidade ao mandato recebido do Papa, sob a guia do novo Prepósito-Geral, e em estreita colaboração entre vós.

A generosa realização deste ideal aumentará cada vez mais o vosso impulso apostólico; ajudar-vos-á a superar as dificuldades que no misterioso desígnio da Providência estão habitualmente ligadas às obras do Senhor, e suscitará numerosas vocações de jovens que, ouvindo a voz do Espírito Santo, desejam também hoje consagrar a própria vida a um ideal que merece ser vivido, e cooperar assim activamente na obra divina da redenção do mundo.

A Redenção do mundo! Eis que a vossa Congregação Geral é celebrada em coincidência com o Ano Santo extraordinário, durante o qual a Igreja procura viver com maior intensidade o mistério da Redenção; precisamente a vossa vocação consiste em seguirdes de perto a Cristo, Redentor do mundo, em serdes cooperadores seus para a redenção de todo o mundo; por isso deveis distinguir-vos no serviço do Rei divino, como diz a oferenda conclusiva da contemplação do Reino de Cristo nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio.

Irmãos caríssimos! Seja este, para vós, o especial fruto do Ano Jubilar; um renovado impulso à vossa vocação, que vos convida acima de tudo à conversão pessoal: "Abri as portas ao Redentor", deixai-vos penetrar pelo amor de Cristo e pelo seu Espírito, procurando pôr em prática quanto se diz na oração recomendada por Santo Inácio na segunda semana dos Exercícios Espirituais: "Conhecer o Senhor de maneira, íntima para que O amemos e sigamos cada vez mais de perto". O conhecimento íntimo, o amor forte e o seguimento do Senhor mais de perto são a alma da vossa vocação. Por outras palavras, deveis ser uma Companhia de contemplativo  na acção, que se esforçam em tudo poder ver, conhecer e experimentar Cristo, por amá-1'O e fazer que Ele seja amado, por servi-l'O em tudo e em todos e por segui-l'O até à Cruz.

Por outro lado, não se conhece o Senhor — e vós que sois mestres de vida espiritual ensinai-lo aos demais — sem se colocar ao mesmo tempo, com total docilidade e abandono, sob a influência do Espírito Santo, que Cristo derramou sobre a humanidade como um rio majestoso e perene. Por isso mesmo, como escutámos no Evangelho de São João, Cristo chama-nos a ir a Ele e a beber: Si quis sitit veniat ad Me et bibat. Esta sede deve impelir-vos a entrar na intimidade com Cristo, para contemplardes com Ele o Pai celestial, e dali haurir a força, a luz, a perseverança, a fidelidade para a acção exterior.

Para chegardes a esta contemplação, Santo Inácio pede-vos que sejais homens de oração, para serdes também mestres de oração; e de igual modo, que sejais homens de mortificação, para serdes ao mesmo tempo sinais visíveis dos valores evangélicos. A austeridade da vida pobre e simples seja sinal de que o vosso único tesouro é Cristo; a renúncia, com alegre fidelidade, aos afectos familiares seja sinal fecundo de amor universal que de modo puro abre os vossos corações a Cristo e aos Irmãos; a obediência por motivos de fé seja sinal da vossa estrita imitação de Cristo que Se fez obediente até à morte de Cruz: a união dos ânimos numa vida comunitária vivida de modo fraterno, superando toda a eventual oposição e contraste, sirva de exemplo na Igreja, neste ano em que celebramos não só o Jubileu da Redenção, mas também o Sínodo da Reconciliação.

Peço-vos também que neste renovado compromisso de vida religiosa exemplar sejam formados desde o noviciado os jovens recrutados para a vossa Companhia.

9. Eis caríssimos Irmãos; aquilo que a circunstância deste dia nos sugere para comum reflexão. Nutro a esperança de que, nesta Congregação celebrada dentro do Ano Jubilar da Redenção, possais seguir de verdade a voz do Espírito que vos chama: solliciti servare unitatem Spiritus in vinculo pacis.

Com esta fidelidade, a generosidade no serviço de Cristo Senhor, da Igreja sua esposa, em união com o seu Vigário na terra, seja sempre a característica de todo o verdadeiro jesuíta; seja o estímulo para os trabalhos da Congregarão Geral que hoje começais; seja o compromisso de governo, do novo Geral que estais para eleger. Tudo isto espera a Igreja de vós; espera-o de igual modo o Papa, que participa neste rito solene, que se une a vós em fervorosas preces e que Vos abençoa implorando convosco:

"Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum rum corda fidelium et tui amoris in eis ignem accende".

 

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