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VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A TURIM
13 DE ABRIL DE 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
NO ENCONTRO COM AS RELIGIOSAS DE TURIM

Basílica de Maria Santíssima Auxiliadora
Domingo, 13 de Abril de 2008

 

Caríssimas Irmãs em Cristo!

Este encontro — o encontro do Papa com as Religiosas de Turim é motivo de mútua alegria espiritual: alegria que transborda hoje do meu coração, transparece luminosa das vossas faces e se exprime num entusiasmo, que proclama, a mim e a toda a Igreja, a vossa incontível felicidade de serdes consagradas totalmente e com coração indiviso a Deus.

Turim, de seculares e ricas tradições cristãs, apresenta-se-me como uma cidade de "vocações femininas"! Sete mil Religiosas de inúmeras Congregações exercem a sua acção no âmbito da cidade, que — como aliás toda a terra piemontesa —  sempre deu magnífica prova de fidelidade ao chamamento de Deus. Estas minhas palavras, como também todo o nosso breve colóquio, adquirem um significado particular, pois nos encontramos na grandiosa Basílica, erguida em honra de Maria Santíssima Auxiliadora pela fé ardente e dinâmica daquele génio da santidade, São João Bosco, que deu à Igreja duas grandes e fervorosas Famílias Religiosas, e com a sua longa e profunda experiência entre as crianças e os jovens costumava dizer que a vocação está em germe no coração da maioria dos cristãos.

Sob o olhar materno de Nossa Senhora, queremos hoje reflectir juntos sobre a dignidade altíssima que a vida religiosa assume no âmbito do Povo de Deus, pela sua particular manifestação de seguimento total e beatificante de Cristo (cfr. Mt 8, 22; 16, 24;- 19, 21; Mc 8, 34; Lc 18, 22) mediante a prática dos conselhos evangélicos da castidade, da pobreza e da obediência.

Já com o Baptismo o cristão está morto para o pecado e consagrado a Deus, enquanto "unido" a Jesus. Neste sacramento — ensina-nos São Paulo — nós somos sepultados juntamente com Cristo na morte, e juntamente com Ele, ressuscitado, podemos caminhar numa vida nova. "Porque se nós (pelo baptismo) nos tornamos uma, mesma planta com ele, à semelhança da sua morte, sê-lo-emos também à semelhança da sua ressurreição" (Rom 6, 5). Esta fundamental dimensão pascal do Baptismo adquire o seu fruto maduro e o seu maravilhoso florescimento na consagração religiosa, que de modo totalmente particular une o fiel, indissolúvel e perenemente, à morte e à ressurreição de Cristo e fá-lo viver aquela "vida nova" (cfr. Rom 6, 4), fruto da Redenção. "Por meio dos votos ou de outros vínculos sagrados, por sua natureza equiparados aos votos — afirma o Concílio Vaticano II — o cristão obriga-se à prática dos... conselhos evangélicos. Entrega-se totalmente a Deus amado acima de tudo, ficando assim destinado, por título especial e novo, ao serviço e à glória de Deus" (Const. dogmática Lumen Gentium, 44).

Esta consagração total e definitiva a Deus floresce no amor a Cristo e à Sua Esposa, a Igreja, numa participação intensa na Sua vida e numa adesão filial ao Seu ensinamento; frutifica na caridade generosa para com os irmãos, em particular para com os que têm necessidade do nosso afecto e da nossa compreensão; fortifica-se na oração litúrgica, comunitária ou pessoal, como diálogo amoroso com o Pai celeste; exprime-se no compromisso, segundo as forças e o género da própria vocação, em fundar e em radicar nos espíritos o Reino de Deus, e em o dilatar em todas as partes da terra; estimula a viver integralmente as exigências evangélicas do "Sermão da Montanha" e das "Bem-aventuranças", que representam continuamente um autêntico desafio à mentalidade corrente do mundo, e são para ela um "sinal" da vida eterna, que já irrompeu entre nós. Por isso — com o Bispo de Cartago, São Cipriano —  vos digo: "guardai, ó virgens, guardai aquilo que sois. Guardai o que sereis. Espera-vos uma coroa magnífica. Já começastes a ser o que nós seremos. Tendes já neste mundo a glória da ressurreição!" (De habitu Virginum, 22: CSEL. 3/1, pp. 202 s.).

Precisamente em consequência desta dimensão pascal da consagração religiosa, a vossa vida, caríssimas Irmãs, tem em si um valor social especial, porque ela é e deve ser o sinal e o testemunho da luta do bem contra o mal, da luz contra as trevas: uma luta que tem como vasto campo o mundo inteiro e a história inteira, e que nesta grande metrópole assume por vezes formas dramáticas.

O ensinamento do Concílio põe bem em evidência a grandeza da doação, decidida livremente por vós mesmas, à imagem daquela outra feita por Cristo à Sua Igreja e, como ela, total e irreversível. "Exactamente em vista do Reino dos Céus — escrevia o meu Predecessor Paulo VI na Exortação Apostólica sobre a Renovação da Vida Religiosa — vós haveis votado a Cristo, com generosidade e sem reservas, estas forças de amor, esta necessidade de possuir e esta liberdade de orientar a própria vida, as quais são para o homem tão preciosas. Tal é a vossa consagração, que se realiza na Igreja" (Evangelica Testificatio, 7).

O coração que se doa totalmente a Deus abre-se, ao mesmo tempo, para uma dimensão universal de amor desinteressado por todos os irmãos em Cristo. Só o Senhor poderá avaliar e medir a misteriosa fecundidade da oração e dos sacrifícios, que as Irmãs contemplativas, recolhidas na sua clausura, oferecem cada dia, em união com o seu Esposo celeste, pela salvação espiritual dos homens. E devo recordar hoje, nesta cidade, os autênticos prodígios realizados, principalmente nestes dois últimos séculos, por tantas Religiosas, que foram serenas e alegres educadoras na fé para milhares de crianças, de jovens que, especialmente nos oratórios, aprenderam a dar sentido e orientação cristã à sua juventude e à sua vida. Nem posso esquecer os milhares de Religiosas que, com vigor intrépido, enfrentaram e em parte resolveram, com modernas obras sociais, os problemas dramáticos de tantos jovens, que nesta grande metrópole industrial procuravam e procuram trabalho, colocação, compreensão e afecto. E penso também naquelas Religiosas que, entrevendo no irmão necessitado a imagem de Cristo, se debruçam, com dedicação materna comovente, sobre todas as chagas sangrentas dos que sofrem, dos enfermos e dos pobres, para lhes darem auxílio, serenidade e conforto, nos lares, nos hospitais e nas casas de saúde, e em particular naquele milagre permanente da Providência, que é o "Cottolengo"!

É esta, caras Irmãs, a fecundidade admirável da vossa consagração a, Deus! A Igreja e a sociedade têm extrema necessidade da vossa presença orante e adorante, do vosso testemunho evangélico, da vossa fé límpida e humilde, que opera mediante a caridade (cfr. Gál 5, 6).

A vossa é, portanto, uma demonstração concreta e um sinal tangível do radicalismo evangélico, necessário para anunciar de maneira profética a humanidade nova segundo o Cristo, totalmente disponíveis para Deus e totalmente disponíveis para os outros homens. "Cada Religiosa — dizia à União Internacional das Superioras-Gerais — deve dar testemunho da primazia de Deus na sua vida, consagrando todos os dias um tempo suficientemente longo a estar na Sua presença, para confessar-Lhe o seu amor e, sobretudo, para deixar-se amar por Ele. Cada Religiosa deve, cada dia, através do seu estilo de vida, dar a conhecer que ela escolheu a simplicidade e os meios pobres em tudo o que diz respeito à sua vida pessoal e comunitária. Cada Religiosa deve, cada dia, viver a vontade de Deus e não a sua, para mostrar que os projectos humanos, tanto os seus como os da sociedade, não são os únicos da história, mas que existe um plano de Deus a exigir o sacrifício da própria liberdade..." (L'Oss. Rom., ed. port., 26.11.78, p. 6).

Precisamente este lugar sagrado, onde estamos hoje reunidos, traz-nos à memória a figura de uma filha desta Região forte e generosa, isto é, Santa Maria Domenica Mazzarello, fundadora, juntamente com D. Bosco, das Filhas de Maria Auxiliadora. Desde muito jovem, ela quis viver a vida religiosa no mundo, instituindo ao mesmo tempo uma pequena casa para ensinar costura às jovens, as proteger e guiar nos caminhos do bem. Dizem-nos os seus biógrafos que então quase não sabia escrever e pouco sabia ler, mas falava das coisas referentes à virtude de maneira tão clara e persuasiva que parecia inspirada pelo Espírito Santo. Viveu na humildade, na mortificação e na serenidade a sua doação a Deus, realizando a sua "maternidade de amor" para com milhares de jovens e terminando a sua intensa vida terrena com apenas 44 anos de idade. As suas filhas espirituais são hoje cerca de dezoito mil, distribuídas por todo o mundo.

Na adesão solicita e fiel ao carisma dos vossos Fundadores e Fundadoras, continuai, caras Irmãs, a viver, na Igreja e no mundo de hoje, segundo as ricas tradições da índole específica dos vossos Institutos; cultivai, com empenho interior, a vossa vocação, mas cultivai também "as vocações", com a oração assídua, e com a vossa própria vida, que deve ser, especialmente perante as jovens, um sinal de plena alegria por terdes escolhido a "melhor parte" (cfr. Lc 10, 42). Face às calúnias, aos malentendidos e ao desinteresse que por vezes existe quanto ao significado e ao valor da vossa presença de Religiosas na sociedade contemporânea, encaminhada para o secularismo e o tecnicismo, esteja a vossa resposta do amor. "Caritas Christi urget nos!" (2 Cor 5, 14), deveis poder dizer ao mundo, sempre, dia após dia, com os vossos lábios, com a vossa serenidade, mas de modo especial com toda a vossa vida, completamente consagrada a Cristo e aos irmãos!

E seja a Virgem Maria o modelo admirável da vossa vida de almas consagradas. Eis como Santo Ambrósio nos apresenta, com delicadeza extraordinária e realista, o retrato de Nossa Senhora: "Ela era virgem não só no corpo, mas também na alma; completamente isenta de qualquer artifício que mancha a sinceridade da alma; humilde de coração; sensata no falar; prudente no pensamento; de poucas palavras; ... Ela depunha a sua esperança, não na incerteza das riquezas, mas na oração do pobre. Reservada nas conversas, estava sempre activa, habituada a procurar Deus... como juiz da sua consciência. Não ofendia ninguém; queria bem a todos; .., fugia à ostentação, seguia a razão; amava a virtude... É esta a imagem da virgindade. Maria foi tão perfeita que só a sua vida é regra para todos" (De Virginibus, II, 2, 6-7: PL 16, 208-210).

E, ao deixar-vos esta recordação mariana sob o olhar de Nossa Senhora Auxiliadora, reitero-vos a minha palavra de encorajamento para o vosso meritório apostolado e também os meus votos de alegria pascal, desejando que a graça da vossa vocação religiosa produza abundantes frutos de vida espiritual na Igreja universal e na Igreja particular, aqui em Turim, onde prestais, dia após dia, o vosso precioso testemunho de amor a Deus e aos Irmãos.

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe agora e sempre. Ámen.

 



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