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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE
À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
[15-18 DE NOVEMBRO DE 1980]

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
NO ENCONTRO COM OS ANCIÃOS

 Catedral de Munique
Quarta-feira, 19 de Novembro de 1980

 

Causa-me grande e particular alegria poder encontrar-vos, durante a minha visita na Alemanha, numa hora de prece a vós reservada. Venho a vós como um amigo íntimo; sei que estou amparado no meu ministério precisamente pela vossa participação, pela vossa oração e pelos vossos sacrifícios. Por isso vos saúdo com comovida gratidão, aqui, na grande Catedral de Munique, dedicada a Nossa Senhora! Um obrigado particular pelas sentidas palavras de saudação e pelas orações com que me acompanhastes nestes dias! Convosco, saúdo todos os vossos companheiros anciãos da vossa Pátria, especialmente aqueles que estão unidos a nós através da rádio e da televisão. "Deus abençoe" a todos vós, que na peregrinação desta vida, já há mais tempo do que eu, "suportais o cansaço do dia e o seu calor" (Mt 20, 12); há mais tempo do que eu, encontrastes o Senhor e vos esforçais por servi-1'O fielmente nas pequenas e nas grandes coisas, na alegria e no sofrimento!

1. O Papa inclina-se com respeito diante da ancianidade e convida todos a fazerem o mesmo com ele. A ancianidade é o coroamento das etapas da vida. Ela traz em si a colheita do que se aprendeu e viveu, a colheita de quanto se fez e foi alcançado, a colheita de quanto se sofreu e suportou. Como ao final de uma grande sinfonia, os temas dominantes da vida voltam para urna vigorosa síntese sonora. E esta ressonância conclusiva confere sabedoria: sabedoria implorada pelo jovem Salomão (cf. 1 Rs 3, 9.11), a qual é para ele mais decisiva que o poder e a riqueza, mais importante que a beleza e a saúde (cf. Sab 7, 7.8.10); a sabedoria, de que lemos nas regras de vida da antiga Aliança: "Quão bela é a sabedoria nas pessoas de idade avançada, e a inteligência e a prudência nas pessoas nobres! A experiência consumada é coroa dos anciãos" (Ecli 25, 7-8).

A actual geração dos anciãos, que sois vós, meus caros irmãos e irmãs, pertence de maneira muito particular esta coroa honorífica da sabedoria: vós, por certo, em parte experimentastes, sozinhos e com outros durante duas guerras mundiais, inúmeros sofrimentos; muitos perderam parentes, saúde, trabalho, casa e pátria; conhecestes as profundidades do coração humano, mas também a sua capacidade e disponibilidade heróica para ajudar, a sua constância na fé e a sua força de recomeçar de novo.

A sabedoria confere distância, mas não uma distância de afastamento do mundo; ela permite ao homem elevar-se para além das coisas, sem as desprezar; faz-nos ver o mundo com os olhos e com o coração... de Deus! Faz-nos dizer "sim" a Deus, às nossas limitações, ao nosso passado com as suas desilusões, deserções e pecados. De facto, "nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam" (Rom 8, 28). Da força conciliadora desta sabedoria florescem, então, bondade, paciência, compreensão e o precioso ornamento da ancianidade: o amor.

Vós mesmos, meus venerados irmãos e irmãs, bem sabeis que esta preciosa colheita da vida, que o Criador previu, não é um processo inatacável. Ela exige vigilância, cuidado, autocontrole, às vezes também luta decisiva. Do contrário, fica, uma vez para sempre, lesada ou igualmente consumida por indolência, capricho, superficialidade, domínio de poder e, com certeza, pela amargura. Não desanimeis; recomeçai sempre com a graça de Nosso Senhor, e usai as fontes de energia que Cristo vos oferece nos Sacramentos do Pão e do Perdão, na palavra da pregação e da leitura bíblica e no colóquio espiritual!

A esta altura certamente me é permitido agradecer de coração, em vosso nome, a todos os sacerdotes que reservam ao cuidado pastoral dos anciãos um lugar decisivo no seu trabalho e no seu coração. Eles prestam com isto, ao mesmo tempo, o melhor serviço a toda a sua comunidade; adquirem assim, em vós, um grupo de fiéis que rezam.

Depois de ter saudado os vossos capelães, desejaria dirigir a minha palavra aos sacerdotes anciãos como vós. Meus caros irmãos! A Igreja agradece-vos o trabalho realizado durante a vossa vida na vinha do Senhor. Aos sacerdotes mais jovens, Jesus disse, no Evangelho de João: "outros trabalharam e vós aproveitais do seu trabalho" (Jo 4, 38). Reverendos sacerdotes, tende ainda as aspirações da Igreja no vosso serviço de homens que rezam ad Deum, qu laetificat iuventutem meam (Sl 42, 4).

2. Irmãos e irmãs das gerações mais avançadas, vós sois um tesouro para a Igreja, sois uma bênção para o mundo. Quando muitas vezes deveis ajudar os pais jovens, como podeis bem iniciar os pequeninos na história do vosso povo e no mundo da fé, através das narrações da vossa família e da vossa pátria. Os jovens, nos seus problemas, acham mais fácil recorrer a vós que aos seus pais. Sede para os vossos filhos e filhas o mais precioso auxilio nas horas difíceis! Com o conselho e a acção prestais a vossa colaboração aos grupos, às associações e às iniciativas da vida eclesial e civil.

Vós sois o complemento necessário de um mundo que nos entusiasma pela audácia dos jovens e pela força dos assim chamados anos melhores; de um mundo onde só vale o que se pode contar. Vós recordais-lhes que eles continuam a construir no cansaço daqueles que antes foram jovens e plenos de força, e que também eles, um dia, passarão a tarefa a mãos mais jovens.

Em vós, vê-se claramente que o sentido da vida não pode só consistir no ganhar e gastar dinheiro; que em toda a acção externa deve maturar um tanto de interior, e em toda a realidade temporal um tanto de eterno, segundo a palavra de São Paulo: "Ainda que em nós se destrua o homem exterior, o interior renova-se diariamente" (2 Cor 4, 16).

Sim, a ancianidade merece o nosso respeito, o respeito que reluz na Sagrada Escritura quando coloca diante dos nossos olhos Abraão e Sara; convida Simeão e Ana a irem ao templo para o encontro com a Sagrada Família; chama os sacerdotes "anciãos" (Act 14, 23; 15, 2; 1 Tim 4, 17.19; Tit 1, 5; 1 Ped 5, 1); sintetiza a homenagem de toda a criação na adoração dos 24 anciãos; e quando, enfim, chama ao próprio Deus "o Ancião" (Dan 7, 9.22).

3. Poder-se-ia elevar um hino mais esplêndido de louvor à dignidade dos anciãos? Mas permaneceríeis certamente desiludidos, caros anciãos que me escutais, se o Papa não considerasse também o outro aspecto do avançamento na idade, e se vos tivesse trazido só a homenagem talvez inesperada sem vos dizer uma palavra de conforto. À estação outonal em que nos encontramos, não pertencem só a colheita e a alegre magnificência das cores, mas também a secagem dos ramos, a caída e a desintegração das folhas; não só a plena e esplêndida luz, mas também a fosca e desoladora névoa. Analogamente, é próprio da ancianidade não só a vigorosa conformidade ou a síntese reconciliadora da vida, mas também um tempo de diminuição de forças, um tempo em que o mundo pode tornar-se estranho a uma pessoa, a vida um peso, o corpo um tormento.

O peso da idade consiste, além disso, numa certa fragilidade do corpo: os sentidos não são mais tão agudos, os membros não mais tão ágeis e os órgãos tornam-se vulneráveis. É isto, que se experimenta nos dias de enfermidade e acompanha muitas vezes, de dia e de noite, os anciãos.

Eles devem também renunciar definitivamente à actividade que muito lhes agradava. Do mesmo modo a memória pode refutar o seu serviço: as novas informações não são ouvidas mais tão facilmente, e muitas daquelas antigas desaparecem. Assim, o mundo perde a sua familiaridade: o mundo da própria família, com as condições de vida e de trabalho dos adultos tornadas totalmente diversas, com os interesses e as formas expressivas dos jovens tão transformados, com os novos programas e métodos de aprendizagem das crianças, com a crescente intensificação do tráfego e a paisagem muito modificada. Estranho torna-se o mundo da economia e da política, anónimo e impenetrável o mundo da assistência social médica. E até aquele recinto, que deveria oferecer ao máximo um refúgio — a Igreja com a sua vida e o seu ensinamento —, para muitos de vós tornou-se algo estranho ao desejo de satisfazer as exigências dos tempos, as expectativas e as necessidades das novas gerações.

Vós sentis-vos mal compreendidos por este mundo dificilmente compreensível, ou melhor, frequentemente um pouco rejeitados.

Vós tendes a impressão de que não se precisa da vossa opinião, colaboração e presença; e isto, às vezes, é infelizmente verdadeiro.

4. Que pode, então, dizer o Papa? Com que devo consolar-vos? Não quero passar o assunto por alto. Não quereria desvalorizar os sofrimentos da ancianidade, as vossas fragilidades e enfermidades, o vosso abandono e solidão. Desejaria, porém, vê-los convosco numa luz conciliante, à luz do nosso Salvador, "que por nós suou sangue, por nós sofreu a flagelação, por nós foi coroado de espinhos". Nas provações da velhice está o vosso itinerário de dor, e vós acompanhais Cristo no seu caminho para a cruz. Não derramastes as lágrimas sozinhos, e nenhuma delas foi derramada por vós em vão (cf. Sl 55, 9). Mediante o sofrimento Ele redimiu a dor, e por meio do sofrimento vós colaborais para a sua obra redentora (cf. Col 1, 24). Aceitai as vossas dores como um Seu abraço, e transformai-as em bênção, tomando-as com Ele da mão do Pai, que na Sua imperscrutável mas indubitável sabedoria e amor, realiza deste modo o vosso aperfeiçoamento. O ouro é provado pelo fogo (cf. 1 Ped 1, 7); no lagar a uva torna-se vinho.

Neste espírito, que só Deus pode dar-nos, torna-se então mais fácil ter compreensão também por aqueles que põem à prova o nosso sofrimento com o seu descuido, desatenção e desprezo, e perdoar também àqueles que conscientemente, melhor, propositadamente agravam o nosso sofrimento, mas não podem nunca medir quanta dor nos infligem. Digamos com o Crucificado: "Perdoai-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34). Também para nós mesmos foi pronunciada esta palavra redentora.

5. Neste espírito — em que agora juntos rezamos uns pelos outros —  tomamos consciência com gratidão das amáveis palavras, das atenções e das obras que nos são oferecidas cada dia, mas às quais nos habituamos facilmente, o que nos leva com facilidade a terminar considerando-as como devidas.

Celebramos hoje a festa de Santa Isabel, uma santa que a vossa Nação deu ao mundo inteiro como símbolo da caridade socorredora. Ela é o digno exemplo e a sublime padroeira de todos os que pela sua profissão, num cargo honorífico ou no anonimato, servem o próprio irmão necessitado e nele — sabendo ou não — encontram Cristo. Esta é, caros anciãos, a recompensa que dais àqueles que vos consideram, tanto de mau grado, um peso. Ofereceis-lhes a ocasião de se encontrarem com Cristo, a oportunidade de se superarem a si mesmos, e com a vossa afabilidade tornai-los participantes dos mencionados frutos da vida, que Deus faz maturar em vós! Não oculteis, portanto, as vossas preces num coração vacilante, desiludido ou cheio de censura, mas exprimi-las em toda a sua evidência, persuadidos da vossa dignidade e do bem que se encontra no coração dos outros. Sede alegres em todas as ocasiões que se vos apresentam, para dizer a régia palavra "obrigado", que se eleva de todos os altares e sublinhará a nossa bem-aventurança eterna.

Seja-me permitido agradecer, juntamente convosco, a todos aqueles que em muitas organizações, associações e iniciativas eclesiais, civis e públicas, a alto ou normal nível, na legislação e na administração ou também a título estritamente particular, promovem a assistência espiritual e material dos anciãos, e a sua vida plena e permanentemente inserida na sociedade.

6. Dirijo-me novamente a vós, caros irmãos e irmãs anciãos, para vos dar o conforto que de mim esperais. Diz um provérbio: "Se estás só, visita alguém que está ainda mais sozinho do que tu". Abri os vossos pensamentos àqueles companheiros de viagem que, sob algum aspecto, tendo compreendido pior do que vós, poderão ser ajudados de algum modo por vós dialogando com eles, dando-lhes a mão ou, ao menos, manifestando-lhes a vossa compreensão! Prometo-vos em nome de Cristo que nisto encontrareis força e conforto (cf. Act 20, 35). Assim vós exercitais nas pequenas coisas o que fazemos nas grandes.

Somos um corpo com muitos membros: aqueles que levam ajuda e aqueles que a recebem, os mais sadios e os mais enfermos, os mais jovens e os mais velhos; aqueles que já se realizaram na vida, aqueles que estão ainda em vias de realização; aqueles que estão em crescimento; aqueles que são jovens e aqueles que um dia foram jovens; aqueles que são anciãos e aqueles que no futuro o virão a ser. Todos representamos, uns para os outros, a plenitude do corpo de Cristo e todos nos ajudamos para o aperfeiçoamento nesta plenitude: "A estrutura completa de Cristo" (Ef 4, 13).

7. O último conforto, que juntos procuramos, meus caros peregrinos "neste vale de lágrimas" (Salve Rainha), é aquele diante da morte. Desde o nosso nascimento caminhamos ao seu encontro, mas na velhice tornamo-nos mais cônscios do seu aproximar-se, se não sufocamos violentamente os nossos pensamentos e sentimentos. O Criador dispôs que na velhice se prepare, se facilite e se exercite a aceitação e o domínio da morte. O envelhecimento, que temos considerado, é um despedir-se gradualmente da plenitude ininterrupta da vida, e do contacto directo com o mundo.

A grande escola da vida e da morte leva-nos em seguida para junto de algum túmulo aberto, faz-nos assistir a algum moribundo, antes de nós mesmos estarmos naquele estado, para ajudar — que no-lo conceda Deus! — os outros com a oração.

O ancião experimentou muitas vezes tais lições da vida e experimenta-as com frequência crescente. É esta uma grande vantagem no caminho do grande limiar, que frequentemente nos imaginamos de maneira unilateral como abismo e noite. Habituamo-nos a olhar para além, mas Deus pode, mais amiúde do que pensamos, conceder aos que nos precederam, acompanhar-nos e cuidar de nós na vida terrena.

Foi um pensamento de fé viva e profunda ter dedicado uma Igreja "às almas do purgatório". E as duas Igrejas alemãs em Roma denominam-se "Santa Maria no Campo Santo" e "Santa Maria da Alma". Quanto mais os nossos irmãos do mundo visível chegam aos limites da sua possibilidade de nos ajudar, tanto mais devemos ver os mensageiros do amor de Deus naqueles que já enfrentaram a morte e de lá nos esperam: os Santos, os padroeiros de cada um de nós, os nossos pais e amigos falecidas, que esperamos tenham sido acolhidos pela misericórdia de Deus.

Muitos de vós, meus caros irmãos e irmãs, perderam a presença visível do seu companheiro de vida. Por eles é dirigida a minha oração pastoral: "Procurai sempre ter mais consciência de que Deus é companheiro da vossa vida; então estareis imediatamente mais unidos àquele que vos foi concedido ser o vosso companheiro de caminho, e ele mesmo já encontrou a meta da sua vida em Deus".

Sem a confiança em Deus não existe em definitivo nenhum conforto no momento da morte. Ademais, Deus quer, com a morte, precisamente que nos abandonemos de modo total ao Seu amor, ao menos nessa hora suprema da nossa vida, sem alguma outra segurança senão a d'Ele. Como poderíamos mostrar-Lhe de maneira mais sincera a nossa fé, a esperança e o amor?

Um último pensamento neste contexto. Certamente falei ao coração de cada um de vós. A própria morte é um conforto! A vida nesta terra, ainda que não fosse "um vale de lágrimas", não poderia oferecer-nos uma pátria para sempre. Ela tornar-se-ia sempre mais uma "prisão", um "exílio" (cf. Salve Rainha). De facto, "todo o transitório é apenas uma figura" (Goethe, Fausto II, coro final)!

E assim vêm-nos presentemente aos lábios as palavras indeléveis de Santo Agostinho: "Criastes-nos para vós, ó Senhor; e o nosso coração está inquieto até que não repouse em vós" (Confissões, I, 1, 1).

Deste modo não há os consagrados à morte e aqueles que estão na assim chamada vida. Diante de todos nós existe um nascimento, uma transformação, da qual tememos os sofrimentos como Jesus no jardim das oliveiras, e da qual já trazemos em nós o êxito radioso, desde quando fomos sepultados com o baptismo na morte e na ressurreição de Cristo (cf. Rom 6, 3-6; Col 2, 12).

Com todos vós, que estais aqui presentes nesta catedral dedicada a Nossa Senhora ou coligados através da rádio e da televisão; com todos aqueles com quem pude encontrar-me nestes dias; com todos os cidadãos e habitantes deste magnífico País, com todos os crentes e com todos aqueles que andam à procura, com as crianças e os jovens, os adultas e os anciãos, desejaria nesta hora de despedida que a nossa reflexão se tornasse uma oração: "Desde o seio materno sois o meu protector... Não me desampareis na minha velhice" (Sl 70, 6.9). "Ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto vivendo a esperança, aguardamos a vinda de Cristo Salvador!" (Ordinário da Missa).

E desejaria unir a minha oração, por nós elevada nesta catedral, que é sempre expressa no Espírito e por Jesus sempre apresentada ao Pai, à oração em louvor d'Aquela que como primeira redimida é para nós Mãe e Irmã.

"Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém".

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

 



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