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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II
 A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

[25 DE JANEIRO - 1º DE FEVEREIRO]

DISCURSO DO SANTO PADRE
 NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS NA GUINÉ-BISSAU

Aeroporto Osvaldo Vieira de Bissau
Sábado, 27 de Janeiro de 1990

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
 Senhor Bispo de Bissau,
Excelências, minhas Senhoras e meus Senhores
e caríssimos Guineenses, meus irmãos e irmãs em Cristo
,

1. As palavras que o Senhor Presidente acaba de me dirigir vêm corroborar os meus sentimentos de gratidão; vêm dar maior significado a este calor humano, com que me acolhe o seu Povo hospitaleiro, aqui altamente representado, no momento em que beijo o solo deste belo país. É com grande alegria que o faço.

Já há tempos que o Senhor Presidente vinha manifestando o desejo de que eu visitasse esta jovem Nação. E confesso que, nas diversas peregrinações ao Continente africano, sempre me acompanhava a íntima preocupação de não preterir esse convite, com que Vossa Excelência dizia interpretar também o sentir do dilecto Povo guineense. Ao mesmo tempo, em nome da Comunidade católica nesta Nação, chegaram-me, por mais de uma vez, os convites da parte do Senhor Bispo da Diocese de Bissau.

Quis a Providência divina que, finalmente, eu pudesse vir. Aqui renovo a expressão do meu reconhecimento: agradeço a todos, os passos dados e as disposições tomadas, no sentido de facilitar e favorecer esta visita pastoral.

2. Na pessoa dos presentes, saúdo toda a população guineense. Sei que é gente activa, ordeira e alegre, com religiosidade muito espontânea; sei também que conta muitos jovens, ávidos de aprender, dispostos a tudo empreender para construir uma sociedade melhor, e abertos às possibilidades de progresso e autêntico desenvolvimento, que o mundo lhes oferecer.

Seja-me permitido, porém, saudar especialmente a Comunidade católica, na pessoa do seu Bispo, D. Settímio Arturo Ferrazzetta, com quantos o acompanham. Fá-lo-ei com a expressão que me é habitual, aliás, nos é habitual: seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!

Penso, com grande afecto, em todos os que estarão impedidos de vir encontrar-se com o Bispo de Roma, comigo, que venho aqui na qualidade de sucessor de São Pedro. Penso nos pobres, doentes, velhinhos e crianças, bem como nos retidos por obrigações inadiáveis. Que Deus os conforte e os ajude a todos!

3. Dou graças ao Senhor por estar hoje na Guiné-Bissau, que, chegada à independência há apenas cerca de quinze anos, se encontra, por certo, num momento importante e exigente: o momento de se estruturar como Nação, e de se afirmar, como “parceiro” de pleno direito, no concerto das Nações. Estará, pois, a braços com problemas: uns peculiares, outros comuns a diversos países desta área do mundo.

Eu venho à Guiné-Bissau, como missionário de Deus-Pai, rico em misericórdia. Envia-me Jesus Cristo, Redentor do homem, a secundar a obra invisível do Espírito Santo. Venho anunciar o Evangelho, confirmar e consolidar a fé dos irmãos e viver com eles, por momentos, a comunhão nos “mesmos sentimentos”, com que a Igreja se apresenta aos homens.

Nesta visita pastoral, trilho, em condições fáceis e atraentes, hoje, caminhos já percorridos há séculos pelos missionários, que gratamente evoco: homens e mulheres, que aqui vieram trazer a Boa Nova da Salvação, destinada a ser sempre “alegria para todo o povo”, também para o Povo guineense; e que implantaram aqui a Igreja.

4. Na missão que lhe é própria, a Igreja, como se sabe, respeita a Autoridade e as Instituições de ordem temporal. E alegra-se com tudo quanto elas promovem ao serviço do homem, da pessoa livre e responsável, com os seus direitos e liberdades fundamentais, com a sua dignidade. Centro e vértice de tudo o que existe no universo criado, o homem tem na sua dignidade pessoal o bem mais precioso; o bem que faz dele um valor em si e por si, exigindo que os demais o considerem e tratem sempre como pessoa; e jamais como coisa, objecto ou instrumento.

A dignidade pessoal constitui, também, o fundamento e a expressão da igualdade entre os homens, bem como da participação e da solidariedade, que, pelos caminhos do diálogo até à comunhão fraterna, levarão a todos a encontrarem-se naquilo que são e não apenas naquilo que têm ( Cfr. Christifideles Laici, 37).

Acentuo isto, porque a Igreja, fiel ao seu Mestre e Senhor, o qual pôs no amor fraterno o distintivo dos seus discípulos (Cfr. Jo 13, 35), tem também, no tesouro da sua missão salvífica, uma mensagem sobre o homem, os seus valores e a sua convivência social. Esta mensagem implica duas opções ineludíveis: uma pelo homem, segundo o Evangelho; e outra, pela imagem evangélica da sociedade. É por isso que a Igreja considera dever seu reflectir sobre quanto contribua para tornar mais humana a família dos homens e a sua história (Gaudium et Spes, 40).

5. Caminhando com o homem, considerado em todas as suas dimensões e situado no seu mundo ambiente, a Igreja quer ajudá-lo a realizar a própria vocação integral: atingir a plena estatura humana, com as exigências do seu espírito, a sua abertura à trascendência e o chamamento à vida eterna. Não ignora os problemas que se levantam aos que têm a responsabilidade de ajudar os cidadãos na realização do autêntico desabrochamento humano, até a essa estatura plena; como não ignora quanto é difícil encontrar os processos políticos mais adequados e geri-los e dirigi-los com acerto, de molde a promover, orgânica e institucionalmente, o bem comum.

Seja-me permitido, comungando os sentimentos de quantos desejam a felicidade de cada Guineense, recordar aqui: pilares de qualquer modelo, verdadeiramente humano, de sociedade, permanecem sempre a verdade, a liberdade, a justiça, o amor, a responsabilidade, a solidariedade e a paz. Com esta perspectiva, refiro-me apenas a alguns aspectos de uma estatura humana plena. Está nisso a “pedra angular” de uma Nação guineense, em que todos se sintam cada vez melhor e mais unidos pelo amor pátrio, pertencendo embora a etnias diversas.

6. Numa sociedade iluminada pelo primado do homem, para o desenvolvimento harmonioso de cada pessoa, na sua dimensão corporal e espiritual, importa que, a partir de um humanismo autêntico, os processos educativos convirjam na humanização. Com efeito, as crianças - sabemo-lo - são argila moldável.

E os jovens, da experiência das minhas peregrinações pelo mundo, mostram-se dispostos a aprender; e não se lhes esgotou a generosidade para abraçar os mais nobres ideais, e seguir os valores genuínos, mesmo à custa de sacrifícios. Os jovens não querem viver “desmotivados”.

Torna-se, pois, necessário que a instrução, nunca disjunta da educação global e integral, ministre algo mais do que meras somas de conhecimentos, de que resultaria um humanismo reduzido, terrestre e auto-suficiente, que acabaria por levar os discentes, sobretudo os jovens, a sentirem-se frustrados, transformados em “objecto”, num produtivismo incontrolado, orientado apenas para o poderio nacional ou para o consumismo privado. Em tal caso, correr-se-ia o risco das “evasões” e a busca de uma saída, quiçá, na violência, com o seu cortejo de males, que ninguém deseja.

Faço votos de que os processos educativos, tenham aqui pleno êxito, a começar pela genuína alfabetização. Esta, sabe-se, respeita as culturas tradicionais e os critérios de uma inculturação acertada. Mas não dispensa o diálogo com outras culturas e civilizações, para o desenvolvimento do homem todo, para se afirmar aquele sentido de família humana, em que resplandeça a solidariedade, até ser fraternidade universal. Isto, além do mais, poderá também enriquecer as pessoas na dimensão religiosa, reconhecer o seu direito, bem como o da família, de serem livres de invocar, privada e publicamente, o nome de Deus.

Deste homem, assim formado em “humanidade”, pode esperar-se um construtor da sociedade, instruído no conhecimento da realidade e, ao mesmo tempo, senhor e livre na totalidade do seu ser homem, do seu comportamento e das suas relações sociais. Na sua individualidade, saberá ser fautor de verdade, de liberdade, de justiça e de amor, que são os fundamentos da paz; saberá integrar uma geração “convertida” e livre do “pecado” e capaz de superar as “estruturas de pecado”, motivada, competente, transparente e decidida a servir o bem comum ( Sollicitudo Rei Socialis, 46). Um cidadão, enfim, que participa, com responsabilidade.

7. É convicção da Igreja de que, para debelar e rejeitar a discriminação e a injustiça, se há-de educar, inculcar e viver uma solidariedade, enraizada na consciência da fraternidade de todos os membros da família humana. Nos nossos dias, observa-se uma crescente tomada de tal consciência, suscitada pela interdependência dos indivíduos e dos povos no mundo inteiro. Exaltei, há pouco, o valor moral positivo desta consciência: ela impõe a cada um de nós a determinação firme e perseverante de empenhar-se pelo bem comum universal. Todos somos, realmente, responsáveis por todos (Sollicitudo Rei Socialis, 38).

Para se chegar a esta solidariedade, que - como o Senhor Presidente, a seu tempo, me escrevia - “nasce da cooperação de todos os povos e instituições, que lutam por um mundo de paz e de progresso”, tenho insistido, amiúde, nas condições e caminhos. Não se trata de opções deixadas ao arbítrio de cada um; mas sim, de imperativos éticos, baseados na destinação universal dos bens da terra e especificados em normas e prioridades, tanto para os que podem dar como para os que se beneficiam.

Esta solidariedade indispensável dos homens e povos será tanto mais real, quanto mais se encarar como um serviço a prestar, com discernimento, disponibilidade e gratuidade. Os bens com que se pode ajudar os demais, hão-de ser garantidos e oferecidos, de modo a poderem ser livremente aceites, tanto pelas pessoas como pelos grupos (Cfr. Gaudium et Spes, 74). Peço a Deus que esta Nação guineense possa beneficiar de uma solidariedade assim entendida e concretizada.

Senhor Presidente

Reitero a vossa Excelência, bem como às demais Autoridades, a certeza de que podem contar sempre com a lealdade dos filhos da Igreja católica para com esta sua Pátria terrena. Eles conhecem as tarefas que lhes competem. Juntamente com os irmãos de outras crenças e com todos os cidadãos, estão dispostos a participar, de todo o coração, na obra comum, na medida em que se lhes proporcionarem espaços de livre acção.

Experientes de que, muitas vezes, não bastam os esforços e a boa vontade dos homens, rezamos para que Deus, Senhor da história, vos assista e ajude na missão exigente, mas nobilíssima, de servir o bem comum de todos os Guineenses, aos quais desejo as melhores felicidades. Sobre eles e sobre todos os aqui presentes imploro as bênçãos de Deus Todo-poderoso.

 



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