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 DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 AO SENHOR ATIS SJANITS
 EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DA LETÓNIA
JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO
DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS

Quinta-feira, 28 de Maio de 1998 

 

Senhor Embaixador

É com prazer que lhe dou as boas-vindas no início da sua missão como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Letónia junto da Santa Sé. Ao receber as suas Cartas Credenciais, agradeço-lhe a calorosa saudação que me transmitiu da parte de Sua Excelência o Senhor Presidente Guntis Ulmanis e peço que comunique a ele e ao povo letão os meus bons votos e a certeza das minhas orações pela paz e a prosperidade da nação.

O nosso encontro evoca vivamente a minha Visita pastoral ao seu país em 1993, quando vi e ouvi pessoalmente como o povo letão sofreu durante longos anos de opressão, e quão profunda era a aspiração à liberdade, que o susteve ao longo daqueles anos. Testemunhei a nobreza de uma nação em que a esperança pela liberdade jamais desfalecera; e nessa esperança reconheci a semente do Evangelho, lançada havia muito tempo no coração dos letões por São Meinhard, mas portadora de novos frutos na libertação dos tempos mais recentes. Confio com grande sinceridade em que essa mesma esperança há-de levar a Letónia além da complexa tarefa de reconstrução, rumo ao futuro pelo qual os letões lutaram, um futuro no centro da comunidade europeia das nações.

Apesar de todas as conquistas dos últimos anos, este permanece um delicado período de transição para a Letónia, uma era em que o país se encontra incerto entre as amarguras do passado e as promessas do futuro. O passado já se foi, mas as suas feridas permanecem; e o processo de purificação é longo e lento. O novo Monumento à Liberdade em Riga, edificado para comemorar os eventos de Janeiro de 1991, constitui uma recordação duradoura de que há muito a perdoar e nada a esquecer. O futuro é esperançoso, mas as suas promessas são mais ilusórias e exigentes do que inicialmente pareciam. Os acontecimentos de 1991 foram extraordinários, mas não fizeram surgir imediatamente um novo mundo. Hoje mais do que nunca eles parecem o princípio de uma longa caminhada. Contudo, por mais exigente que a tarefa de reconstrução possa parecer, a fortaleza que levou a sua nação à independência decerto não abandonará o povo letão perante este desafio.

As complexidades de tal tarefa às vezes podem obscurecer as exigências mais básicas. Na esteira da devastação económica, é tentador considerar a reconstrução material não só como uma tarefa urgente, mas como a única missão. Contudo, a reedificação material sem a reconstrução moral e espiritual só obstará o grande caminho da liberdade, que actualmente a Letónia está a percorrer. No âmago de todos os desafios que a Letónia está a enfrentar nesta hora de transição encontra-se o imperativo moral. Em 1991 a liberdade tornou-se possível porque o povo letão estava preparado para a defender a qualquer custo. Mesmo que seja de maneiras diferentes, essa liberdade ainda deve ser salvaguardada; e para a defender agora, o governo e o povo da Letónia terão necessidade de continuar o caminho da reconstrução moral com clarividência e coragem.

A liberdade só é tal se for orientada para a verdade e por esta se deixar governar; desvinculada da verdade, ela esmorece e, em última análise, conduz a novas formas de escravidão. A opressão da qual a Letónia se libertou ainda recentemente derivou de uma ideologia que não anunciava a verdade. Esta fez uso da retórica da liberdade, produzindo contudo somente opressão. Se não se quiser que o futuro imite o passado, há que edificar no fundamento da verdade acerca do homem e da sociedade.

No cerne desta visão estão determinados valores fundamentais que oferecem a única base segura para uma sociedade digna do homem. Estes valores não podem ser ignorados ou rejeitados na tarefa da reconstrução. Entre eles, há necessidade de uma verdadeira noção de independência, que implica não só uma negação da dependência destruidora do passado, mas também uma aceitação da interdependência criativa que se tem tornado cada vez mais uma realidade da vida internacional e que exige o diálogo e o respeito mútuo entre as pessoas. Em segundo lugar, há necessidade de uma verdadeira noção de democracia, que não coincide com a ideia segundo a qual direitos e deveres só são conferidos pelo voto da maioria, tendo como resultado a supressão do débil por parte do forte. Isto requer respeito pelos princípios morais universais e exige um profundo sentido do bem comum. Em terceiro lugar, há necessidade de uma autêntica noção de desenvolvimento económico, que não coloque o lucro antes das pessoas, nem reduza o indivíduo ao estado de uma mercadoria avaliada com base no preço ou na produtividade. Enquanto constrói o seu futuro, a Letónia deve procurar a independência, a democracia e o desenvolvimento económico genuínos; e esta busca exige sobretudo a aceitação da verdade fundamental acerca da pessoa e da sociedade humanas.

É aqui que a Igreja deseja oferecer a sua contribuição distintiva, no contexto do diálogo que as relações diplomáticas tornam possível. Quando estive na Letónia, esclareci que «o [único] papel que a Igreja reivindica para si, em relação ao Estado e à sociedade em que se coloca, não é um papel de poder nem, muito menos, de privilégio, mas de testemunho, dirigido sobretudo ao âmbito da formação do homem para os valores supremos da existência» (Discurso ao mundo da cultura, n. 6, Riga, 9 de Setembro de 1993, ed. port. de L'Osservatore Romano de 19.IX.1993, pág. 11). O testemunho genuíno baseia-se não sobre ideologias de qualquer tipo, mas sobre o Evangelho, no qual «os problemas económicos, políticos e sociais podem encontrar no Evangelho, transmitido pela doutrina social da Igreja, não certamente soluções técnicas, mas princípios claros que os inspiram» (Cerimónia de despedida, n. 2, Riga, 10 de Setembro de 1993, ed. port. de L'Osservatore Romano de 19.IX.1993, pág. 12). Este é um contributo que vai além do âmbito da fé, pois envolve princípios que podem ser compartilhados até mesmo por quem não se considera cristão ou crente de qualquer género. A verdade que a Igreja propõe nasce da fé, mas é oferecida a todos, uma vez que não diz respeito aos interesses eclesiais estritamente concebidos, mas aos interesses e ao bem-estar de todos os indivíduos e povos.

À Letónia apresenta-se uma magnífica e renovada oportunidade, que contudo traz consigo uma nova responsabilidade. Sois vós que deveis forjar o vosso futuro; mas não estais sozinhos nesta tarefa. A Igreja procura oferecer à Letónia o que lhe é possível, a fim de assegurar que as promessas deste tempo encontrem a sua realização numa sociedade fundamentada na verdade e na liberdade que só a Verdade pode trazer. Este é o penhor que hoje renovo e lhe peço que seja transmitido ao Presidente e ao povo da Letónia. Trata-se de uma garantia motivada pelo profundo respeito da sua nação e pelo solene dever que o Evangelho impõe à Igreja.

Senhor Embaixador, no momento em que entra na comunidade diplomática acreditada junto da Santa Sé, asseguro-lhe a disponível colaboração dos vários departamentos e agências da Cúria Romana no cumprimento dos seus deveres. A sua missão sirva para fortalecer os laços de entendimento entre o seu Governo e a Santa Sé; faço votos por que este vínculo contribua enormemente para a reconstrução do seu país. Sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o povo da Letónia, invoco as bênçãos de Deus Todo-Poderoso.

 

© Copyright 1998 - Libreria Editrice Vaticana

 



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