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PAPA PAULO VI

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 7 de Julho de 1971

 

Acção e Contemplação

Na busca dos critérios fundamentais, que devem orientar a vida do homem, e que os ensinamentos do Concílio inculcaram de modo especial, encontramos um, muito comum, porque desempenha um grande papel no mundo moderno, sem, por isso, ser menos original e menos característico no cristianismo; o referido critério é a acção, a actividade, a tendência operativa, o fazer, o operar, o trabalhar, isto é, o emprego moral da vontade.

Afinal de contas, a homem vale não tanto por aquilo que é, mas por aquilo que faz. Este é um dos pontos mais claros onde a pedagogia do Concílio se encontra com o comportamento geral do homem moderno, ou seja, o de realizar o máximo esforço operativo para se desenvolver a si mesmo, para conhecer as realidades que o circundam, para as dominar e utilizar, para progredir (cfr. Gaudium et Spes, n. 33).

O nosso tempo é voluntarista. Até na defesa da liberdade e no esquecimento da noção do dever, o nosso tempo tende à intensidade da acção e mede-se a si próprio através do emprego de forças humanas e de energias naturais, e, portanto, através dos resultados produzidos pela actividade, que se tornou científica e utilitária.

De modos diferentes e para outros fins, também a escola do Evangelho, actualizada na consciência e nos métodos, tende a fazer do homem um activista. Pode-se ler o Evangelho sob o ponto de vista da « acção ». A acção é a justificação consciente e pretendida pelo ser, a sua perfeição, a sua felicidade (cfr. S. Th., 1, 89, 1; 1-2, 3, 2). Recordai as parábolas do Evangelho; por exemplo, a dos trabalhadores da vinha, ociosos: « porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar? » (Mt 20, 6), pergunta o pai de família à procura de mão-de-obra para a sua vinha; ou a dos talentos, na qual é castigado aquele que se tinha limitado a esconder o seu tesouro, sem o empregar (cfr. Mt 25, 25); ou, ainda, as conhecidas palavras do Senhor: « Nem todo o que diz..., mas sim aquele que faz..., entrará no reino dos Céus » (Mt 7, 21; cfr. Lc 11, 28). Todo o Evangelho é um tratado para o desenvolvimento do homem (quantas vezes aparece a parábola da semente!); e, como o anúncio libertador do reino, é todo constituído por deveres a cumprir, escolhendo o caminho estreito e difícil (cfr. Mt 7,14), sem retroceder por causa do cansaço ou dos obstáculos (cfr. Lc 9, 62), chegando, se for preciso, a dar a própria vida (cfr. Jo 12, 25). O Evangelho não é, absolutamente, um código de fácil cumprimento: exige esforço e fidelidade.

Aqui poder-se-iam analisar os sistemas morais que renunciam ao esforço pessoal para obter a salvação, na convicção errónea de que é apenas devido à fé, devido à graça, que temos a sorte de ser salvos, sem uma positiva e sistemática disciplina moral, como se a fé e a graça, dons de Deus, verdadeiras causas da salvação, não exigissem uma resposta, uma coerência, uma colaboração livre e responsável da nossa parte, quer como condição cooperadora na obra salvífica de Deus em nós, quer, também, como consequência do renascimento realizado pela sua misericordiosa acção sobrenatural. Além disso, nem o quietismo nem o pietismo traduzem a concepção moral do cristão; nem, sequer, o simples hábito, passivo e tradicional, de alguns preceitos religiosos ou de alguns costumes convencionais. Também se poderiam recordar os sistemas morais que pretendem alcançar uma determinada eficiência operativa e moral, como o pragmatismo utilitarista e o estoicismo, que, sob o aspecto de uma austeridade insensível, esconde a orgulhosa convicção de ser auto-suficiente, sem a humildade da penitência e da oração, e sem recorrer à única fonte de perfeição e salvação, que brota da virtude redentora de Cristo e da bondade infinita de Deus.

Não são questões antiquadas, porque sobrevivem na perene problemática teológica e moral da nossa inserção no plano divino da revelação e das relações que dela derivam, especialmente sobre a existência e o uso da nossa liberdade.

Mas hoje a questão do nosso activismo cristão apresenta-se, geralmente, noutros termos. Referimo-nos a isso apenas a título de exemplo. Não somos, porventura, assaltados por uma grande tentação de preguiça moral, que ofende, na sua íntima constituição, a vontade e a capacidade de dar, à vida cristã, uma orientação voluntarista, quer pessoal, quer operativa, de a consagrar a um ideal, que tire do absoluto a sua força imperativa? Porquê? Estamos como que asfixiados pela dúvida; uma dúvida sistemática e negativa, quase nunca de verdadeira busca, mas, sim, de desinteresse e demolição, de redução, ao mínimo, das certezas da fé e da obediência à instituição eclesial, de secularismo, não só de tantos campos específicos, próprios da competência da razão humana e da ordem natural, mas de todo o pensamento e, portanto, de todo o comportamento prático e social. Sobrevivem fórmulas operativas nominalistas, que quase não ousam apresentar princípios próprios. Deixou de existir a vontade de afirmar, de defender a própria fé e as próprias ideias. O credibilidade da doutrina e da disciplina da Igreja, até no sector religioso, é posta muitas vezes em dúvida. Esconde-se, frequentemente, esta falta de ideias e de vontade com termos equívocos: o pluralismo, a libertação, a autonomia da consciência, a moralidade nova e permissiva, a transformação contínua do mundo contemporâneo, a descoberta de um novo sistema, etc.

Irmãos e Filhos caríssimos! Não é com estas atitudes duvidosas que poderemos renovar a nossa vida moral e religiosa. Não é assim que daremos ao Concílio a sua autêntica interpretação e a sua fecunda aplicação. Portanto, dirigimo-nos aos fiéis que têm a aspiração de realizar a vida cristã de modo vivo, novo, positivo e construtivo. E também os convidamos a infundir, na sua fé subjectiva, aquele esforço humilde e enérgico que implora a própria fé como dom de Deus, como o seu dom primordial: assim, a fé que se eleva procura a fé que desce da voz do Espírito Santo, do seu testemunho interior (cfr. Rom 8, 16); encontrando-se, provocam uma centelha de luz e de alegria, onde a Igreja mestra dá o seu testemunho autorizado (cfr. Act 1, 8) e a sua confirmação: sim, esta é a Verdade revelada, a Verdade a que se pode, sem perigo de desilusão final, consagrar a vida.

Chamamos a atenção dos fiéis para o antigo binómio, que invade a experiência e a história do nosso catolicismo: contemplação e acção. E exortamo-los, não com palavras nossas, mas com as do Apóstolo Paulo à nascente e já atribulada comunidade cristã de Corinto: « ... meus amados irmãos, permanecei firmes, inabaláveis, aplicando-vos cada vez mais à obra do Senhor, tendo sempre presente que o vosso trabalho no Senhor não é em vão » (1 Cor 15, 58). É assim mesmo.

Damo-vos a nossa Bênção Apostólica.

 



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