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HOMILIA DO PAPA PAULO VI NA SÉTIMA
SESSÃO SOLENE DO CONCÍLIO VATICANO II
POR OCASIÃO DA PROMULGAÇÃO
DE CINCO DOCUMENTOS

28 de Outubro de 1965

 

Veneráveis Irmãos e queridos filhos

Acabais de escutar as palavras do Apóstolo falando da acção do Senhor que, do alto dos céus, continua a sua obra na Igreja; uma obra que não só entende conservar a que Ele mesmo realizou durante a sua vida temporal sobre a terra, mas também continuá-la a edificar de modo progressivo e crescente, como tinha anunciado naquele célebre episódio do Evangelho, quando prometeu que daria desenvolvimento orgânico e coerente ao edifício por Ele fundado sobre a pedra que Ele mesmo escolheu e fez apta para sustentar tão grande mole: «Edificarei a minha Igreja» (1). Diz, com efeito, S. Paulo na perícopa da carta aos Efésios que acaba de ser oferecida à nossa meditação: Cristo, « a uns fez apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas; a outros, pastores e mestres, para o aperfeiçoamento dos santos, em ordem à edificação do corpo de Cristo, até que nos reunamos todos na unidade da fé e no reconhecimento do Filho de Deus, chegando à idade do homem perfeito, à medida da idade da plenitude de Cristo» (2).

Este facto, divino na sua causa, humano na sua história e na sua verdade conhecida experimentalmente, é ainda hoje tangível aos nossos sentidos espirituais, contanto que estejam abertos a tão grande prodígio. Podemos fazer nossa a palavra messiânica, expressa já por Cristo: «Hoje se cumpriu esta Escritura que acabais de ouvir» (3).

Porque, que se passa hoje nesta Basílica? Já o estais a ver: neste sagrado Concílio Ecuménico, guia e síntese da santa Igreja de Deus, depois de não pouco estudo e insistente oração, promulgam-se três Decretos de grande importância, que afectam a vida da mesma Igreja, a saber: o múnus pastoral dos Bispos, a vida dos religiosos, a formação sacerdotal. E a estas leis solenes se ajuntam as Declarações não menos solenes sobre a educação cristã e sobre as relações da Igreja com aqueles que professam outras religiões. Não precisamos de explicar aqui o conteúdo destes documentos, que vós conheceis perfeitamente, nem a sua gravidade nem a amplitude com que se divulgarão no espaço e no tempo, nem a sua repercussão, que será, sem dúvida, salutar para as almas e para o futuro desenvolvimento da vida eclesiástica, pois cada um de vós valorizou estes admiráveis aspectos dos documentos em questão.

Preferimos deter-Nos na ideia de que será sumamente proveitoso para nós e para o nosso ministério voltar, depois da sua promulgação, a considerar de novo e com calma estas decisões que a Igreja, no exercício mais amplo e mais responsável do ministério, movida certamente pelo Espírito Santo, extrai do profundo da sua sabedoria interior e propõe a si mesma como conquista do seu amoroso e laborioso pensamento, e toma para si como um novo compromisso que, longe de ser um peso, a sustenta, a sublima e lhe confere aquela plenitude, aquela segurança, aquela alegria que só podemos resumir com uma palavra: vida.

A Igreja vive. A prova está aqui, está aqui o seu alento, a sua voz, o seu canto. A Igreja vive!

Porventura não foi isto, veneráveis Irmãos, o que vos fez acudir a este Concílio Ecuménico? Porventura não viestes para sentir a Igreja viver, mais ainda, para a fazer viver mais intensamente, para descobrir não os anos da sua velhice, mas a juvenil energia da sua perene vitalidade; para estabelecer entre o tempo-que foge e se torna hoje avassalador pelas mudanças que provoca e oferece-e a obra de Cristo, que é a Igreja, uma relação nova, que nem «historiciza» nem relativiza em metamorfoses da cultura profana a natureza da Igreja, sempre igual e fiel a si mesma, como Cristo a quis e a autêntica tradição a aperfeiçoou; mas torna-a mais apta para desempenhar, nas renovadas condições da sociedade humana, a sua benéfica missão? Para isto viestes, e é aqui que estes actos conclusivos do Concílio no-lo fazem experimentar: a Igreja vive, a Igreja pensa, a Igreja fala, a Igreja cresce, a Igreja continua a edificar-se.

Devemos saborear este fenómeno esplêndido; devemos perceber o seu aspecto messiânico; a Igreja vem de Cristo e vai para Cristo, e estes são os seus passos, isto é, os actos com que se aperfeiçoa, se confirma, se desenvolve, se renova, se santifica. Todo este esforço perfectivo da Igreja não é outra coisa, se bem se atende, que uma expressão de amor a Cristo nosso Senhor, a esse Cristo que desperta nela a exigência de ser e sentir-se fiel, de manter-se autêntica e coerente, viva e fecunda, e que a atrai e a guia para si como esposo divino. Esse movimento tem a sua causa ministerial precisamente na apostolicidade da Igreja, naquela função com que Cristo dotou o seu Corpo místico e social, e que põe em evidência e em eficiência uma Hierarquia apostólica e pastoral que do mesmo Senhor deriva a sua palavra, graça e poder, conservando-os, perpetuando-os, transmitindo-os, exercitando-os, desenvolvendo-os, tornando o Povo de Deus vivo e santo por dentro, e visível, isto é, social e histórico por fora.

Estamos celebrando um dos momentos mais plenos, mais significativos desta apostolicidade; devemos sentir-nos intimamente convencidos, não para atribuir mérito às nossas pessoas, mas para elevar para Cristo a glória dos actos que, em seu nome e pela virtude do Espírito Santo que Ele nos infunde que somos, à grande família de Deus, que é a santa Igreja, os aumentos construtivos para a sua edificação ainda em curso.

Por isso, muito Nos alegra que isto suceda na festa dos santos Apóstolos Simão e Judas, em honra dos quais foi dedicada uma palavra do Senhor na leitura do Evangelho que acabamos de ouvir; nela não se promete a facilidade ou o êxito da missão apostólica, antes se dá uma lição da dificuldade que essa missão encontra no sofrimento reservado a quem a executa.

Muito Nos apraz igualmente que isto se verifique no dia do aniversário da eleição do Nosso venerando predecessor João XXIII, a cuja inspirada ideia se deve a convocação do Concílio.

Apraz-Nos também que estejam concelebrando connosco, ao redor deste altar apostólico, alguns Bispos, irmãos caríssimos, representantes de terras onde a liberdade, a que o Evangelho tem sagrado direito, é limitada ou negada; alguns deles dão mesmo testemunho do sofrimento com que está marcado o apóstolo de Cristo. A estes irmãos, às igrejas de cuja generosa paixão eles nos trazem a memória, aos países que eles, com a sua presença nos fizeram amar ainda mais, exprimimos por meio desta oração sacrifical, a nossa solidariedade, a nossa caridade, os nossos votos.

Também aqueles irmãos no Episcopado aqui presentes connosco e oriundos de nações onde a paz está perturbada com tantas lágrimas, sangue e ruínas, e tão ameaçadas de novas dores, saudamos afectuosamente e desejamos que seja felizmente restabelecida nas suas regiões a ordem na justiça, na concórdia e na paz.

E igualmente a todos vós, Irmãos caríssimos em Cristo, apóstolos e pastores em seu nome, arautos do seu Evangelho e construtores da sua Igreja, desejamos na comunhão desta celebração a que participais ou assistis, testemunhar-vos a Nossa caridade e pedir-vos que persevereis concordes e unânimes connosco, confortados pelos novos Decretos conciliares, na edificação da santa Igreja de Deus.

Queira o Senhor, que já está misticamente presente e dentro de pouco estará sacramentalmente connosco, confortar e santificar o nosso ministério apostólico e pastoral; que dele se aproveite e disfrute a universal comunidade do clero, religiosos e fiéis, como em nova manifestação de caridade. Para isso instituiu Cristo o ministério hierárquico.

E queiram contemplar também esta manifestação do rosto embelezado da Igreja os nossos queridos irmãos ainda separados da plena comunhão connosco; queiram igualmente contemplá-lo os adeptos de outras religiões, e entre todos, aqueles a quem nos une o parentesco de Abraão, especialmente os judeus, para nunca mais objecto de reprovação ou desconfiança, mas de respeito, amor e esperança. Assim é que a Igreja progride na firmeza da verdade e da fé, na expansão da justiça e da caridade. Assim é que a Igreja vive (4)!


Notas

1. Mt. 16,18.

2. Ef. 4, 11-13.

3. Lc.4,21

4. AAS 57 (1965), p. 899-903.

 

 

 



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