Index   Back Top Print

[ AR  - DE  - EN  - ES  - FR  - IT  - PL  - PT ]

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO A PORTUGAL
POR OCASIÃO DA
XXXVII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

[2 - 6 DE AGOSTO DE 2023]

COLETIVA DE IMPRENSA DO SANTO PADRE
DURANTE O VOO DE REGRESSO DE LISBOA

Domingo, 6 de agosto de 2023

[Multimídia]

_______________________________________

   

Matteo Bruni

Boa noite, Santidade! Regressamos rejuvenescidos e felizes desta JMJ, na qual pudemos afrontar as questões e os anseios dos jovens em relação à Igreja, à fé e também ao mundo. E pudemos escutar a sua resposta quer por palavras quer pela presença. Agora há algumas perguntas dos jornalistas, mas primeiro vejamos se o Santo Padre quer dizer alguma coisa.

Papa Francisco

Boa noite e muito obrigado por esta experiência. Hoje é dia de aniversário [da jornalista Rita Cruz], muitos parabéns! Mais tarde chegará o bolo.

Matteo Bruni

Nesta noite, a primeira pergunta é de Aura Maria Vistas Miguel, da Rádio Renascença, que conhecemos bem.

Aura Maria Vistas Miguel (Rádio Renascença)

Santidade, antes de mais nada, obrigada pela sua visita a Portugal! Já todos a consideram um sucesso. Todos encantados. Obrigada por ter vindo! Encontrei um chefe importante da Polícia que me disse nunca ter visto uma multidão tão obediente e pacífica. Foi tudo muito belo, obrigada! A minha pergunta diz respeito a Fátima. Sabemos que o Santo Padre foi lá e rezou em silêncio diante de Nossa Senhora na Capelinha. Mas havia grande expectativa de que, no próprio lugar onde Nossa Senhora pedira para rezar pelo fim da guerra e, infelizmente, estando nós em guerra neste momento, o Santo Padre elevasse de novo, publicamente, uma súplica pela paz. Os olhos de todo o mundo estavam fixos em si, ontem de manhã, em Fátima. Por que não o fez?

Papa Francisco

Eu, rezar, rezei. Orei a Nossa Senhora e rezei pela paz. Não fiz constar, mas eu rezei. E devemos repetir continuamente esta oração pela paz. Maria pedira isto, na I Guerra Mundial. E desta vez supliquei-o a Nossa Senhora. E rezei, sem fazer publicidade.

Matteo Bruni

Obrigado, Aura. A segunda pergunta vem de João Francisco: é do diário português «Observador».

João Francisco Gonçalves Gomes (jornal Observador)

Muito obrigado, Santo Padre. Pergunto a propósito dos abusos sobre menores, na Igreja em Portugal. No mês de fevereiro deste ano, foi publicado um relatório sobre a realidade dos abusos em Portugal: as crianças vítimas foram quase cinco mil nas últimas décadas. A minha pergunta: leu-o, foi informado sobre esse relatório entregue aos bispos? E ainda: Que se deveria fazer aos bispos que tiveram conhecimento dos casos de abusos e não os denunciaram às autoridades? Obrigado.

Papa Francisco

Como todos sabeis, recebi de forma muito reservada um grupo de pessoas que foram abusadas. Como sempre faço nestes casos, conversamos sobre esta praga, esta praga tremenda. Na Igreja, seguia-se mais ou menos o mesmo comportamento que se segue atualmente nas famílias e vizinhanças: encobre-se… Pensamos que mais ou menos 42% dos abusos acontece nas famílias ou nas vizinhanças. Temos ainda de amadurecer e ajudar para que estas coisas venham à luz. Desde o escândalo de Boston, a Igreja tomou consciência de que não se podiam seguir caminhos evasivos, mas devia-se pegar o touro pelos cornos. Há dois anos e meio, houve a reunião dos presidentes das Conferências Episcopais, onde inclusivamente se apresentaram estatísticas oficiais sobre os abusos. E é grave, a situação é muito grave. Na Igreja, há uma expressão que estamos a usar continuamente: tolerância zero, tolerância zero. E os Pastores que, de alguma forma, se desinteressaram disso, devem assumir esta irresponsabilidade. O modo terá de ser visto caso a caso. É muito duro o mundo dos abusos e, por isso, exorto a ser muito francos sobre tudo isso.

Quanto à questão como se está a desenrolar o processo na Igreja portuguesa: está a andar bem. Está a andar bem e com seriedade; busca-se a seriedade nos casos de abuso. Por vezes os números acabam por ser exagerados, inclusive pelos comentários que sempre gostamos de fazer, mas a realidade é que está a andar bem e isso dá-me uma certa tranquilidade.

Gostaria de tocar um ponto e peço aos jornalistas para cooperarem nisto. Hoje em dia... Tendes um telemóvel? (...) Pois bem, em qualquer um destes telemóveis, pagando e com uma password, tem-se acesso ao abuso sexual sobre menores. Isto sai das nossas casas, pois tal abuso sexual sobre menores é filmado em direto. Onde se filma? Quem são os responsáveis? Esta é uma das pragas mais sérias… em todos os sentidos. Quero, porém, destacar isto porque, às vezes, não nos damos conta de as coisas serem tão radicais. Quando se usa uma criança para fazer espetáculo dum abuso é para chamar a atenção. O abuso é como «comer» a vítima ou, pior, feri-la e deixá-la viva. Falar com pessoas abusadas é uma experiência muito dolorosa e contudo faz-me bem, não pelo gosto de ouvir, mas porque me ajuda a assumir este drama.

Assim, à tua pergunta, eu diria quanto ficou dito: o processo está a andar, estou informado do modo como correm as coisas. Nas notícias, pode-se ter exagerado a situação real, mas, no caso que tocou, as coisas estão a andar bem. Entretanto digo-vos: de qualquer modo ajudai, ajudai para que todos os tipos de abuso possam ser resolvidos: o abuso sexual, mas não é o único. Existem ainda outros tipos de abuso que bradam ao céu: o abuso do trabalho infantil, o abuso do trabalho com crianças; o abuso das mulheres. Ainda hoje, em muitos países, se recorre à operação cirúrgica nas meninas para a excisão do clitóris; mas faz-se também com uma simples navalha de barba… Uma crueldade! E temos o abuso do trabalho. Ou seja, para além do abuso sexual, que é grave, existe tudo isto: é uma cultura do abuso que a humanidade deve rever e da qual tem de se converter.

Matteo Bruni

Obrigado, Santidade! A próxima pergunta, a terceira, é de Jean-Marie Guénois, de «Le Figaro», um velho amigo.

Jean-Marie Guénois (Le Figaro)

Santo Padre, como está? Quanto à saúde, como está a decorrer a sua convalescença? Houve cinco discursos que não leu, ou leu apenas pequenas partes, uma coisa inédita nas viagens: Porquê? Teve problemas nos olhos? Cansaço? Textos demasiado longos? Como se sente? E, se me permite, uma pequenina pergunta sobre a França: O Santo Padre vai a Marselha e a França está feliz; mas nunca visita a França. E o povo não compreende: talvez por ser pequena, mas não o suficiente? Ou o Papa tem algo contra a França?

Papa Francisco

A minha saúde está bem. Tiraram-me os pontos, levo uma vida normal, trago uma faixa que devo usar por dois/três meses, para evitar eventual eventração, até os músculos ficarem mais fortes. Mas estou bem.

Quanto a esta vista: naquela paróquia, cortei o discurso porque havia uma luz à minha frente que dava sobre mim e eu não podia ler; por isso cortei. Alguns de vós perguntaram, através de Matteo [Bruni], o motivo por que encurtei as homilias [os textos] que tínheis. Quando falo (não me refiro às homilias; estas, quando são «académicas», tento deixá-las mais claras), sempre quando falo, procuro conseguir comunicação. Vistes que, mesmo numa homilia «académica», faço qualquer piada, qualquer graça... faço-o para assegurar a comunicação. Com os jovens, os discursos longos continham o essencial da mensagem, e de lá extraía as minhas palavras conforme sentia a comunicação. Vistes que fazia qualquer pergunta, e o eco indicava-me como estavam as coisas, se a minha impressão estava errada ou não. Os jovens não conseguem estar atentos muito tempo. Pensai que, se tu fizeres um discurso claro, com uma ideia, uma imagem, uma palavra de afeto, conseguem acompanhar-te por oito minutos. Aliás, na primeira Exortação que redigi, a Evangelii gaudium, escrevi um longo capítulo sobre a homilia. Porque as homilias – aqui está um pároco e ele sabe disto – às vezes são uma tortura, uma verdadeira tortura: fala-se blá, blá, e o povo sofre. Nalgumas terras, os homens saem para fumar um cigarro e voltam. A Igreja deve mudar neste aspeto da homilia: há de ser curta, clara, com uma mensagem clara e afetuosa. Este é o motivo por que interpelo os jovens e os faço falar... A ideia estava lá, mas encurtei, porque preciso de fazer passar a ideia, com os jovens. É tudo.

E passemos à França. Estive em Estrasburgo, irei a Marselha, mas [em tom jocoso] à França... não! Há um problema que me preocupa: é o problema do Mediterrâneo. Por isso vou à França. É criminosa aquela exploração dos migrantes. Aqui na Europa, não – por sermos talvez mais cultos –, mas nos campos de concentração do norte da África… Recomendo-vos uma leitura: existe um livrito, pequeno, escrito por um migrante, que, para chegar da Guiné à Espanha, penso que gastou três anos, porque foi capturado, torturado, escravizado. A condição dos migrantes, naqueles campos de concentração do norte da África, é terrível. Ainda na semana passada, a associação mediterrânica Saving Humans estava a trabalhar para resgatar os migrantes que estavam no deserto entre a Tunísia e a Líbia, porque tinham-nos abandonado lá a morrer. O tal livro chama-se Hermanito (em italiano, tem como subtítulo «Fratellino») e lê-se em duas horas. Vale a pena! Lede-o, e vereis o drama dos migrantes antes de embarcar... Os bispos do Mediterrâneo farão este encontro, inclusive com alguns políticos, para refletir seriamente sobre o drama dos migrantes. O Mediterrâneo é um cemitério, mas não é o maior; o maior cemitério é o norte da África. Aquilo é terrível... lede-o. Vou a Marselha para isso. Na semana passada, disse-me o Presidente Macron que tem intenção de vir a Marselha; ficarei lá dia e meio: a tarde – quando chego – e o dia seguinte completo.

Jean-Marie Guénois (Le Figaro)

Então não tem nada contra a França?

Papa Francisco

Absolutamente não. A minha «política» nisto: estou a visitar os países europeus pequenos. Os grandes – Espanha, França, Inglaterra – deixo-os para depois, para o fim. Mas, por opção, comecei pela Albânia e por aí adiante... os pequenos. Não tenho nada contra a França! Visito duas cidades: Estrasburgo e Marselha.

Matteo Bruni

A próxima pergunta, a quarta, vem de Anita Hirschbeck, da agência católica alemã de notícias. Tem a palavra, Anita…

Anita Hirschbeck (KNA = Katholische Nachrichten Agentur)

Santo Padre, em Lisboa, disse-nos que na Igreja há lugar para «todos, todos, todos». A Igreja está aberta a todos, mas ao mesmo tempo nem todos têm os mesmos direitos e oportunidades, no sentido que, por exemplo, mulheres e homossexuais não podem receber todos os Sacramentos. Santo Padre, como explica esta incoerência entre «Igreja aberta» e «Igreja não igual para todos»? Obrigada!

Papa Francisco

A senhora faz-me uma pergunta sobre dois pontos de vista diversos: a Igreja está aberta para todos e, depois, há legislações que regulam a vida dentro da Igreja e, quem está dentro, atém-se à legislação... Aquilo que a senhora diz é uma forma muito simplista de afirmar: «ele não pode receber Sacramentos». Mas isto não significa que a Igreja seja fechada. Cada um encontra Deus pela própria estrada, dentro da Igreja; e a Igreja é mãe e guia cada um pela sua estrada. Por isso não gosto de dizer: venham todos, mas tu faz isto, tu faz aquilo... Venham todos e depois cada qual, na oração, em conversa íntima com Deus, no diálogo pastoral com os agentes de pastoral, procura o modo de avançar. Por isso, não é justo fazer a pergunta «por que não os homossexuais?». São todos. O Senhor é claro: doentes e sãos, idosos e jovens, feios e bonitos, bons e maus... Parece haver uma visão que não compreende este anúncio da Igreja como mãe e concebe-a como uma espécie de «empresa», onde tu, para entrar, tens de fazer isto, proceder desta forma e não doutra... Caso diverso é a ministerialidade na Igreja, que é o modo de conduzir o rebanho, e uma das coisas importantes na ministerialidade é acompanhar as pessoas passo a passo no seu caminho de amadurecimento. Cada um de nós tem esta experiência: a Igreja mãe acompanhou-nos e acompanha-nos no próprio caminho de amadurecimento. Não gosto da redução: não é eclesial, isso é gnóstico; é como uma heresia gnóstica, que está hoje um pouco na moda, um certo gnosticismo que reduz a realidade eclesial a ideias, e isto não ajuda. A Igreja é mãe, acolhe todos, e cada um percorre a sua estrada dentro da Igreja, sem fazer publicidade, e isto é muito importante. Obrigado pela coragem de fazer esta pergunta. Obrigado!

Papa Francisco

Uma coisa que ele [Matteo Bruni] me pergunta foi como eu vivi a JMJ. É a quarta que vivo. A primeira foi no Rio de Janeiro, que foi monumental, à brasileira, linda! A segunda em Cracóvia, a terceira no Panamá, e esta... é a quarta. Esta foi a mais numerosa. Os dados concretos, reais: eram mais de um milhão. Aliás na missa de hoje e na vigília da noite, calculava-se um milhão e quatrocentos mil ou um milhão e seiscentos mil. São dados do Governo. Era impressionante o número! Bem preparada. Dentre as que já vi, esta foi a melhor preparada. E os jovens são uma surpresa. Os jovens são jovens, fazem brincadeiras – a vida é assim! –, mas procuram olhar para a frente... eles são o futuro. A questão é acompanhá-los, o problema é saber acompanhá-los, e fazer com que não se separem das raízes. Por isso insisto tanto no diálogo entre idosos e jovens, avós com netos. Este diálogo é importante, ainda mais importante que o diálogo entre pais e filhos. Com os avós, devem-no fazer, porque lá agarram as raízes. Depois os jovens são religiosos; procuram uma fé não invasiva, uma fé não artificial, nem legalista, mas um encontro com Jesus Cristo. E isto não é fácil. É uma experiência... Diz-se: «Mas os jovens nem sempre vivem segundo a moral!». Quem de nós não praticou um erro moral na própria vida? Todos! Com um dos mandamentos quaisquer, cada um de nós tem as suas quedas na própria história. A vida é assim. Mas o Senhor sempre nos espera, porque é misericordioso e Pai, e a misericórdia ultrapassa tudo. Para mim, a Jornada foi belíssima. E hoje, antes de tomar o avião, estive com os voluntários que eram... Sabes quantos eram?

Matteo Bruni

Vinte e cinco mil.

Papa Francisco

Vinte e cinco mil! Com uma «mística» [um espírito], um engagement [um compromisso], que era verdadeiramente lindo, lindo. Era isto que desejava dizer sobre a Jornada da Juventude.

Matteo Bruni

E assim damos por terminado, Santidade? Ou o Santo Padre…

Papa Francisco

Mas sim... uma última pergunta.

Matteo Bruni

Então, façamos uma última pergunta, talvez a de Justin, de CNS.

Justin McLellan (CNS = Catholic News Service)

Falando da JMJ, nestes dias ouvimos alguns testemunhos de jovens que tiveram de lutar pela saúde mental devido à depressão. O Santo Padre já alguma vez lutou por isso? E, no caso de alguém decidir suicidar-se, que diria o Santo Padre aos familiares desta pessoa que sofrem pensando, segundo o ensinamento católico sobre o suicídio, que foi para o inferno?

Papa Francisco

Hoje o suicídio juvenil é importante, importante pelo número. Existe... os mass-media não o referem muito, porque os meios de comunicação não se informam. Aqui [em Lisboa] entrei em diálogo (não na Confissão) com os jovens, porque aproveitei para dialogar e um bom rapaz disse-me: «Posso fazer-lhe uma pergunta? Que pensa do suicídio?» Não se exprimia numa das nossas línguas, mas compreendi-o bem, e começamos a falar do suicídio. E no fim disse-me: «Obrigado, porque no ano passado estive indeciso se fazê-lo ou não». Há tantos jovens angustiados, deprimidos, e não só psicologicamente... Além disso, nalguns países muito exigentes na universidade, os jovens que não conseguem obter o doutoramento ou encontrar emprego suicidam-se, pela grande vergonha que sentem. Não digo que seja uma coisa de todos os dias, mas é um problema. É um problema atual. Acontece...

Matteo Bruni

Obrigado, Santidade, pelas suas respostas.

Papa Francisco

E obrigado a vós pelo que fizestes. Recomendo que não vos esqueçais: Hermanito, Fratellino, o livro do migrante. Obrigado!

 



Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana