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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À GRÃ-BRETANHA
28 DE MAIO - 2 DE JUNHO DE 1982

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 À COMUNIDADE POLACA DA GRÃ-BRETANHA

Centro desportivo "Crystal Palace", Londres
Domingo, 30 de Maio de 1982

 

Queridos Irmãos e Irmãs,
Amados Compatriotas!

1. Com admirável força imprimiram-se na minha memória as palavras, pronunciadas pelo Cardeal Heenan, Primaz da Inglaterra, quando durante o Concílio ele visitou os Bispos polacos hospedados no Colégio no Aventino. Ele iniciou o seu discurso com estas palavras: "Os aviadores polacos salvaram a Grã-Bretanha!".

Faço referência a estas palavras neste dia, porque me parece nelas se deva procurar uma resposta à pergunta sobre a vossa identidade, aqui. Vós, quem sois? Sois apenas uma comunidade de emigrados, semelhante a tantas outras existentes no mundo inteiro? Certamente sim. E, na verdade, é preciso procurar aqui a analogia com a Grande Emigração do século passado, que se concentrou principalmente na França. Todavia há algo de particular que, em certo sentido, não permite pensar em vós com as categorias de "emigração"; pelo menos não permite assim pensarmos quanto àqueles que o Cardeal Heenan tinha diante dos olhos, quando dizia: "os aviadores polacos salvaram a Grã-Bretanha!"

Não se pode pensar em vós partindo do conceito de "emigração"; é preciso pensar, partindo da realidade "Pátria". De facto, antes da segunda guerra mundial houve um certo número de Polacos-emigrados na Inglaterra. Contudo, os que se encontravam no quadro dos acontecimentos bélicos, não eram emigrantes. Eram a Polónia arrancada das próprias fronteiras, dos próprios campos de batalha; a Polónia reavivada, quase vinte anos antes da existência independente; a Polónia que rapidamente estava a ser reconstruída das destruições e dos danos seculares; a Polónia, enfim, que tentaram uma vez mais dividir, como no século XVIII, impondo-lhe uma horrível guerra homicida, com as forças prevalentes dos invasores.

Assim é. Aquela que hoje nós estamos habituados a chamar "Polónia inglesa", formou-se como a medula da Polónia combatente pela santa causa da sua independência. Tal Polónia constituíam os aviadores, que defendiam as ilhas britânicas; as divisões e as brigadas combatentes junto de Narvique; as divisões e as brigadas que chegavam do extremo das repúblicas soviéticas da Europa Oriental e da Ásia, e depois através da Pérsia, do Próximo Oriente, do Egipto e da Líbia, e atingiam a península dos Apeninos, em Monte Cassino, contribuindo para a restituição da liberdade à "terra italiana''. Tenho ainda diante dos olhos a inscrição colocada na estrada que, em Bolonha, conduz do cemitério dos ex-combatentes ao centro da cidade (percorri-a no dia 18 de Abril deste ano); a inscrição assim dizia: "por esta via entravam os teus compatriotas trazendo-nos a liberdade — pela mesma via Tu nos trazes a fé".

2. O que digo brota do vivo sentido da história. Vós, que criastes a "Polónia inglesa" de hoje, sois para mim acima de tudo não emigração, mas em primeiro lugar a parte viva da Polónia que, embora longe da terra natal, não cessa de ser ela mesma. Ou melhor, vive com a convicção de que, precisamente nesta parte, de modo particular nela vive o seu todo.

Se me encontro na terra inglesa como peregrino, Papa-peregrino, e, ao mesmo tempo, filho da vossa mesma terra, não posso deixar de exprimir, sobretudo, esta verdade a respeito de vós: verdade que sempre senti. Senti a sua autenticidade orgânica e, ao mesmo tempo, a sua profunda tragédia.

3. De facto, não se pode, ao reconhecer o vosso irrevocável direito de serdes (nas origens) uma privilegiada parte da Polónia: governo, exército, administração, estruturas de poder para o País e fora dele, não se pode, repito, especialmente com o passar dos anos, deixar de encontrar esta dolorosa "ausência" física, em que se devia transformar a vossa tão intensa e tão esplêndida, histórica e permanente presença da Polónia... fora da Polónia. Não se pode deixar de recordar, uma vez mais, a Grande Emigração e aqueles grandes, os maiores espíritos, que, guiados pelo sentido da viva presença, assim oravam ao dirigirem-se ao ausente: "Pátria minha! Tu és como a saúde: a apreciar-te inteiramente, aprende só quem te perdeu! Hoje a tua beleza, em todo o seu esplendor, eu vejo e descrevo porque no exílio anseio por Ti!"

De algum modo, um admirável mistério das consciências e dos corações teve início no século passado, e volta a repetir-se no século actual. A Polónia é um dos países mais provados no globo terrestre. Uma das pátrias mais profundamente sulcadas pelo sofrimento, e contemporaneamente uma das mais amadas. Talvez com o mistério deste extraordinário amor pátrio se concilie aquela admirável deslocação espiritual: para tantos seus filhos e filhas, e muitas vezes para aqueles melhores, a pátria está espiritualmente presente através da ausência física. E depois, para os que vivem no País, esta ausência não é apenas ausência. É um desafio. Os "ausentes" não só "não têm razão"; eles, ao mesmo tempo, dão um histórico testemunho. Falam da Polónia como era e como deve ser. Falam qual foi o seu verdadeiro valor, e como ele permanece.

Por isso, o vosso sacrifício e a vossa fadiga, o sangue de tantos nossos irmãos e irmãs, apesar de não terem alcançado os objectivos pelos quais lutavam, não foram inúteis.

A história, sobretudo a história da nossa Pátria, está cheia de nobres obras. Vemo-las ainda nos tempos contemporâneos. Sabe-se que os esforços visando à liberdade, ao respeito da dignidade do homem, ao respeito do seu trabalho, à possibilidade da vida em paz com a própria consciência e com as próprias convicções, aparentemente não alcançaram os objectivos desejados. Todavia, mudaram a alma da Nação, a sua consciência de que estes esforços confortam a alma. Mostram que na vida há outros valores, espirituais, morais, que não se medem com os valores materiais, mas são valores decisivos na justa hierarquia da existência humana.

5. De onde promana esta força interior da emigração polaca? É preciso procurar as suas fontes nas margens do Vístula, na fé dos Polacos e na sua cultura. Ela é, como eu disse em Gniezno durante a peregrinação na Pátria, "a expressão do homem... O homem cria-a e, mediante ela, o homem cria-se a si mesmo... E ao mesmo tempo cria a cultura em comunhão com os outros... A cultura polaca é um bem sobre o qual se apoia a vida espiritual dos Polacos. Distingue-nos como Nação. Decide de nós ao longo de todo o decurso da história, decida ainda mais do que a força material. Ou melhor, decide ainda mais do que as fronteiras políticas. Sabe-se que a Nação polaca passou através da dura prova da perda da independência durante mais de cem anos. E no meio desta prova manteve-se sempre ela própria. Manteve-se espiritualmente independente porque teve a própria cultura. Ou melhor, no período das divisões ainda a enriqueceu e aprofundou muito, porque só mediante a criação de uma cultura é possível conservar-se".

É preciso hoje dizer que assim foi também depois da segunda guerra mundial. São bem conhecidos os méritos da vossa emigração no campo das pesquisas e das publicações referentes à história da Polónia, em especial à sua história no último século. É um grande contributo para o conhecimento da verdadeira história da Nação. Se faltasse este contributo de pesquisa e de publicações o conhecimento do passado da história nacional não seria completo.

6. Disse também em Gniezno que a cultura polaca traz em si os claros sinais cristãos, e não é por acaso que o primeiro monumento literário, que disto dá testemunho, é o canto "Bogurodzica" ("Mãe de Deus").

Precisamente a estas raízes cristãs devemos retornar sempre, e por elas crescer de novo em cada época, porque tal é a verdade sobre o homem. Ele deve descobri-la sempre de novo.

A emigração cumprirá a sua missão tanto mais eficazmente, quanto mais elevado for o seu nível ético, quanto mais Cristo for o centro da sua vida e da sua acção, quanto mais ela acreditar que só Ele é "o caminho, a verdade e a vida".

Na Encíclica Redemptor hominis escrevi que "Jesus Cristo vai ao encontro do homem de todas as épocas, também da nossa época, com as mesmas palavras: 'conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á livres'... Ainda hoje, depois de dois mil anos, Cristo continua a aparecer-nos como Aquele que traz ao homem a liberdade baseada na verdade..." (n. 12).

É preciso dizer que compreendestes e continuais a compreender a necessidade do vínculo com a fé e com a Igreja. Por isso, esta Emigração, como parte da Nação, continha todas as camadas com o inteiro aspecto social, com as instituições políticas, culturais, cientificas, profissionais, mas também com toda a organização eclesiástica. Desde o primeiro momento a Igreja esteve presente com as suas estruturas: aqui esteve o Bispo, o inesquecível Arcebispo José Gawlina, e mais tarde Reitor da Missão Polaca na Inglaterra; aqui estiveram os sacerdotes e as organizações religiosas, que se desenvolviam. Estes centros foram os primeiros organizados. Graças à compreensão e benevolência da Hierarquia local, mas sobretudo graças à vossa generosidade e ao trabalho carregado de sacrifícios dos sacerdotes, surgiram tantas Igrejas e capelas polacas, que servem precisamente para o aprofundamento dos vínculos com Cristo e vos introduzem nos Mistérios Divinos, unindo-vos com Ele. Junto dos centros pastorais foram organizadas as escolas de língua polaca.

7. O vínculo com a cultura polaca realiza-se na casa paterna, na vida religiosa e na vida das organizações. Por sua vez, a escola, os estudos superiores e a vida profissional unem com a cultura do país de permanência. O vínculo entre o país dos Antepassados e o país de permanência realiza-se precisamente a nível da cultura. Esta fornece uma justa perspectiva da convivência e, mediante a educação, prepara a pessoa jovem quer para os deveres no ambiente de emigração, quer também para assumir o adequado comportamento na vida.

Por isso, um dos deveres mais importantes é a transmissão das próprias ideias às novas gerações. A emigração deve estar habilitada a uma adequada educação do homem integral. Somente neste caso a jovem geração será capaz de assumir a ideia da liberdade e da verdade, transmitida pela geração que se esvai.

A educação do homem integral — a educação à verdade e a educação na tradição cristã e polaca — começa na família. A actual situação da moral pública nem sempre assegura à família, e especialmente aos pais, a necessária autoridade que lhes compete.

Várias são as causas que para isto contribuem. A família tem, portanto, necessidade de particular solicitude pastoral. Somente a família, baluarte de Deus, cônscia dos seus deveres cristãos, pode ser capaz de realizar as tarefas da educação integral do homem, pois que, como disse em outra ocasião, "a educação do homem não se realiza somente com a ajuda das instituições, com a ajuda dos meios organizados e materiais, embora excelentes... O mais importante é sempre o homem, o homem e a sua autoridade moral, que provém da verdade dos seus princípios e da conformidade das suas acções com estes princípios" (Discurso à UNESCO. 2 de Junho de 1980, n. 11).

Portanto, deste lugar, elevo hoje a minha voz com as palavras da Exortação Apostólica Familiaris consortio: "Família, descobre este apelo inextinguível, que se encontra em ti mesma! Família, torna-te aquilo que és! Convocada qual Igreja doméstica pela Palavra e pelo Sacramento, torna-te, conjuntamente, como a grande Igreja, mestra e mãe!" (cf. nn. 17, 38).

8. O nosso presente encontro, quisestes fazê-lo coincidir com a vossa peregrinação central por ocasião do 600° aniversário da presença da Mãe de Deus, na sua Imagem Milagrosa, em Jasna Góra. Sabemos que coisa era e o que é este santuário, esta Efígie de Jasna Góra, para a Nação polaca.

Unindo-me a esta comum intenção, que é também a minha, permiti que recorde aos olhos da nossa memória a grande personagem, o falecido Primaz da Polónia Cardeal Estêvão Wyszynski. Faço-o na nossa assembleia no primeiro aniversário da sua morte e do seu funeral, da sua passagem desta pátria terrena, que servia tão inflexivelmente, para a Casa do Pai.

Faço-o no encontro de hoje com o mesmo amor de que o rodeavam todos os polacos na pátria e no estrangeiro, vendo nele um homem providencial, dado à pátria durante os tempos das opções difíceis e durante o tempo do novo caminho. Vejo nele, como todos vós, o homem ligado na profundidade da sua alma, ao mistério da Mãe de Jasna Góra presente na vida dos seus filhos e na vida da nossa nação.

Aqueles que deixavam o País, seja em busca do pão, seja por outros motivos, levavam consigo a imagem de Jasna Góra ou de Ostrobrama. Ela era um sinal externo da fé e do apego que tinham a Cristo e à Polónia. Os primeiros emigrados para este País, os do século passado, trouxeram de Czestochowa a imagem da Mãe de Deus tanto para Manchester como também para aqui, Londres. Quando o Cardeal Augusto Hlond benzeu a primeira igreja em Devónia, dedicou-a à Mãe de Deus de Czestochowa.

Esta imagem, durante a última guerra, estava em quase todas as capelas dos campos militares, e as mesmas imagenzinhas encontravam-se nas divisas dos militares polacos. As imagens da Senhora de Czestochowa encontram-se em cada igreja, onde vos reunis para a oração, particularmente para participar na Missa dominical. Estão em quase todas as casas dos emigrados.

O Ano Jubilar é ano de especial renovação da fé e da vida familiar. É necessário que os pais, contemplando Maria, se tornem de novo cônscios da sua responsabilidade e dos deveres educativos. Certamente muitas famílias recitam aquele Apelo de Jasna Góra: "Ó Maria, Rainha da Polónia, estou junto de Ti, recordo-me de Ti, velo". Estejamos juntos d'Ela e velemos! Que os anciãos estejam junto d Ela e velem! Estejam em vigília os jovens!

A vós, caros Jovens amigos, dirijo-me de modo especial. Tende a coragem de assumir esta difícil herança e de a desenvolver. Tantos são hoje os problemas, tantos os valores, que exigem estarmos vigilantes, a fim de que o homem não cancele em si mesmo, nos seus vínculos e nas relações sociais, a imagem e a semelhança de Deus, nele inscritas pelo Criador e renovadas por Cristo; que não as cancele nos outros!

9. Não por acaso este nosso encontro de hoje, extraordinário encontro, se realiza na Solenidade do Pentecostes.

"Vinde, Espírito Santo, / enviai-nos do céu / um raio da vossa luz" / Convencei-nos do pecado, da justiça e do juízo (cf. Jo 16, 8).

Guiai-nos para a verdade total (cf. Jo 16, 13).

Glorificai a Cristo em nós, tomai do que é Seu para no-lo revelar (cf. Jo 16, 14-15).

Recordai-nos tudo o que nos disse Cristo (cf. Jo 14, 26).

Não seja perturbado o nosso coração e que ele não se atemorize (cf. Jo 14, 27).

 



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