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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS MEMBROS DA PENITENCIARIA APOSTÓLICA
 E AOS PADRES PENITENCIEIROS
DAS BASÍLICAS PATRIARCAIS

Sábado, 18 de Março de 1995

 

Resulta sempre caro ao meu coração o encontro com os fiéis de qualquer condição social e canônica, nesta preciosa e no entanto familiar sede do Vaticano, ao lado do "troféu" do Pescador da Galiléia, aqui onde hoje ele é glorificado mas um dia sofreu o martírio, unido, também na sua forma, ao sacrifício salvífico do Redentor. A paternidade universal de Pedro e dos seus sucessores, com efeito, está por excelência arraigada na cruz e, em virtude da cruz, é fecunda de vida eterna.

Mas esta minha alegria tem uma intensidade particular, quando os filhos que vêm videre Petrum são os sacerdotes e os candidatos ao sacerdócio: eles com efeito, pela missão de que são ou serão em breve investidos, participam dos anseios, das alegrias, das tristezas e da solicitude da Igreja Mãe, que, aplicando a eficácia redentora da cruz, opera nos fiéis, ou melhor, em todo o gênero humano, o dom divino da conversão e da santidade. Por isso, dou graças ao Senhor pelo encontro hodierno convosco, componentes da Penitenciaria Apostólica, penitencieiros das basílicas patriarcais de Roma, e queridos jovens, neo-sacerdotes ou alunos prestes a receber a Ordenação sagrada, que freqüentastes frutuosamente junto da mesma Penitenciaria o habitual curso de estudo sobre o foro interno.

Desejo aproveitar esta oportunidade para continuar uma meditação, já apresentada claramente nas análogas alocuções dos anos passados, desenvolvendo em ulteriores aspectos o inexaurível tema do sacramento da Reconciliação.

O sacerdote, como ministro do sacramento da Penitência, deve modelar-se, nesta tarefa sublime e vital, em Jesus, mestre da verdade, médico das almas, delicado amigo, que não tanto censura, quanto corrige e encoraja, juiz justíssimo e nobilíssimo, que penetra no vivo da consciência e conserva-lhe o segredo. Assim como Jesus, o sacerdote confessor deve poder concluir o seu colóquio com o penitente, com um fundado desejo que evoque a misericórdia infinita do Senhor: "Eu também não a condeno. Pode ir, e não peque mais" (Jo 8,11).

Precisamente em vista desta emenda estável do penitente, o confessor, por um lado, deve oferecer-lhe motivos de confiança razoável e sobrenatural, que tornem apta a sua alma a receber de modo frutuoso a absolvição e garantam a continuação dos bons propósitos numa vida serenamente cristã; por outro lado, deve dar-lhe uma adequada satisfação, ou penitência, que em primeiro lugar repare, na medida do possível à limitação humana, a ofensa causada pela pecado à majestade de Deus, Criador, Senhor e Legislador; portanto, como medicina espiritual, fortaleça, juntamente com a mencionada confiança, os bons propósitos de virtude e, antes, faça exercitar as virtudes, cooperando com a graça santificante, restituída ou aumentada no sacramento da Penitência, que oferece também válida defesa contra as tentações mais duras.

No que concerne a infundir a confiança no penitente em relação ao seu futuro, tenha-se em consideração que no processo da justificação, exposto pelo Concílio de Trento com clareza admirável, devem concorrer tanto o temor como a esperança: "... Peccatores se esse intelligentes, a divinae iustitiae timore, quo utiliter concutiuntur, ad considerandam Dei misericordiam se convertendo, in spe eriguntur, fidentes, Deum sibi propter Christum propitius fore" (Conc. Tridentino, Sess. VI, cap. 6 Denzinger-Schönmetzer, 1526).

Por excesso de confiança, se assim se pode dizer, há quem não consiga emenda positiva e estável, embora se confesse com verdade e exatidão, porque o orgulho não superado leva-o a confiar demasiadamente em si mesmo ou, bem pior, a confiar em si mesmo antes que na graça de Deus. Fenômeno inverso, mas igualmente grave, é o de quem dá certamente o devido espaço à graça de Deus, mas presume superficialmente obtê-la sem a correspondência nem a colaboração que Deus requer da parte do homem.

Ao contrário, por falta de confiança, há até quem não se aproxima do sacramento da Penitência ou, ao aproximar-se, não se põe nas disposições necessárias, a fim de que o rito possa ser concluído de modo eficaz com a absolvição, porque, ciente do seu passado acerca da própria debilidade, considera-se certo de quedas futuras e, identificando erroneamente o juízo intelectual, digamos mesmo a previsão de outras quedas, com a vontade de cair e com o atual defeito de sincero propósito de não cair, desanima e assim declara ao confessor que não está devidamente disposto. Seria deveras triste se nesse erro, índice também de pouco conhecimento da alma humana, caísse até mesmo algum confessor.

A estas disposições extremas o confessor deve opor antídoto apropriado: àqueles que presumem, inculque a humildade, que é verdade, segundo a advertência da palavra divina "aquele que julga estar em pé, tome cuidado para não cair" (1Cor 10,12) e "continuem trabalhando, com temor e tremor, para a salvação de vocês" (Fl 2,12). Àqueles que são paralisados por aquela desconfiança, que não é devido temor salutar, mas um medo desolador, explique que a consciência da própria enfermidade não quer dizer indolência à mesma, mas antes pode e deve ser impelida a reagir, porque também esta é palavra de Deus: "Para você basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder" (2Cor 12,9). Quanto a isto, não será fora de propósito recordar que a fé ensina a possibilidade de evitar o pecado, com a ajuda da graça (cf. Concílio de Trento, Sessão VI, can. 18 Denzinger-Schönmetzer, 1568).

Quanto à penitência salutar a ser estabelecida, critério necessário é o de uma medida eqüitativa e, sobretudo, de uma sábia oposição aos pecados perdoados, e, portanto, de correspondência às específicas necessidades do penitente.

Escutemos também aqui o apelo da Sagrada Escritura: "Não fique muito seguro do perdão, a ponto de amontoar pecados" (Eclo 5,5), e, no que se refere à própria estrutura do sacramento, do qual a penitência é parte integrante, ouçamos o Concílio Tridentino: "Si quis negaverit, ad integram et perfectam peccatorum remissionem requiri tres actus in paenitente quasi materiam sacramenti paenitentiae, videlicet contritionem, confessionem et satisfactionem, quae tres paenitentiae partes dicuntur; aut dixerit duas tantum esse paenitentiae partes, terrores scilicet incussos conscientiae agnito peccato, et fidem conceptam ex Evangelio vel absolutionem, qua credit quis sibi per Christum remissa peccata: anathema sit" (Denzinger-Schönmetzer, 1704).

Tendo como apoio estes ensinamentos e considerando, por um lado a economia da graça, que acompanha, sustenta e eleva o agir do homem, e por outro as leis da psicologia humana, resulta evidente que a satisfação sacramental deve ser antes de tudo oração: com efeito, ela louva a Deus e detesta o pecado como ofensa a Ele infligida, confessa a malícia e a debilidade do pecador, pede com humildade e confiança a ajuda, na consciência da incapacidade do homem a qualquer gesto salutar se a isto não o dispõe a ajuda sobrenatural do Senhor (Concílio de Trento, Sessão VI, can. 1 Denzinger-Schönmetzer, 1551) que precisamente com a oração se implora; mas se ela é implorada, quer dizer que se tem a esperança teológica de a obter, e com isto quase experimenta-se a bondade de Deus e educa-se para o colóquio com Ele. O confessor cuidará de ajudar o penitente a compreender tudo isto, quando este possui modestos recursos espirituais. E portanto evidente que, ao lado de uma pro-porção em certo sentido quantitativa entre o pecado cometido e a satisfação a cumprir, é preciso ter presente o grau de piedade, a cultura espiritual, a própria capacidade de compreensão e de atenção e, eventualmente, a tendência ao escrúpulo do penitente. Portanto, enquanto é preciso aproveitar a penitência sacramental para estimular os penitentes à oração, dever-se-á ater ordinariamente também ao princípio de que é melhor uma penitência módica, mas cumprida com fervor, do que uma penitência enorme, mas não cumprida, ou cumprida com espírito aborrecido.

Quando a Penitência deve consistir não só em orações, mas também em obras, devem ser escolhidas aquelas em virtude das quais o penitente se exercite com sucesso na virtude e, em ordem a esta adquira, ao lado do hábito sobrenatural, infundido com a graça, também uma propensão conatural e, desse modo, ele seja facilitado no fazer o bem e no fugir do mal. Quanto a isto, deve-se ordinariamente aplicar um certo "contrapasso", como uma medicina dos opostos, o que é tanto necessário, ou pelo menos útil, quanto mais o pecado foi lesivo de bens fundamentais: por exemplo, ao crime do aborto, hoje tragicamente tão difundido, poderia ser resposta penitencial apropriada o empenho na defesa da vida e em ajudá-la, segundo todas as formas que a caridade sabe descobrir em relação às necessidades tanto dos indivíduos como da sociedade; resposta idônea em relação aos pecados contra a justiça, que hoje envenenam tanto o relacionamento entre as pessoas e poluem a sociedade, poderia ser, pressuposta a necessária restituição do que foi roubado, a liberalidade da caridade de modo que supere a medida do dano infligido ao próximo, a exemplo de Zaqueu, que disse a Jesus: "A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais" (Lc 19,8); e não será difícil, quando se é julgado pelos critérios da fé, encontrar respostas análogas para os outros pecados.

A este ponto, será útil uma reflexão sobre eventuais penitências que sejam fisicamente aflitivas. Ficando estabelecido que a Penitência também corporal é necessária em termos gerais, antes santa, recordo que no Catecismo da Igreja Católica este tipo de penitência, em relação ao sacramento da Reconciliação, está sintetizado no termo "jejum" (cf. CIC, n° 1434). Na verdade, salvo casos de doença ou debilidade, uma razoável limitação do alimento é normalmente possível, e tanto mais louvável, quando o correspondente daquilo que se subtrai à própria satisfação é distribuído em caridade; mas, da parte do confessor, é necessária toda a cautela antes de estabelecer ou mesmo simplesmente permitir práticas penitenciais tormentosas. Neste campo oferece a ocasião de generosa Penitência o trabalho, especialmente o material, dotado como é também de uma virtude educadora do corpo, ou que o próprio trabalho deva ser realizado por dever profissional, ou que se assuma livremente: com efeito, o Criador prescreveu para o primeiro homem, e para todos os homens, o trabalho como Penitência: "Você comerá seu pão com o suor do seu rosto" (Gn 3,19); o trabalho, de fato, não é condenação em si e por si — antes a natureza humana exige-o como necessário meio de desenvolvimento e de elevação — mas, tornado pesado por causa do pecado, é elevado ao valor de expiação naquele que o cumpre sobrenaturalmente.

Estes pensamentos, que imediatamente vos dirijo, a vós que participais na audiência, mas que pro-ponho a todos os sacerdotes do mundo, enquanto na Igreja já teve início a reflexão sobre os temas do Ano Santo, enunciados na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, querem ressaltar meios e finalidades, empenhos e esperanças, perenes na Igreja, mas particularmente significativos para o próximo Jubileu.

Juntos oremos agora a Jesus, Sacerdote Eterno, a fim de que nos conceda lucidez de juízo e caridade pastoral, para uma dedicação cada vez mais generosa no serviço penitenciai, em benefício de todos os ir mãos. Desta implorada graça seja penhor para todos vós a Bênção Apostólica, que de todo o coração vos concedo.

 

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